“A Contagem dos Sonhos” marca o retorno de Chimamanda à ficção com um retrato multifacetado da experiência feminina africana

A escritora nigeriana entrelaça vozes femininas para compor um mosaico de subjetividades marcadas por opressões e reinvenções

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Foto: Reprodução/Instagram (@chimamanda_adichie).

A Contagem dos Sonhos
Chimamanda Ngozi Adichie

Companhia das Letras, 424 páginas, R$67,40, 2025
Tradução por Julia Romeu


Após um intervalo de mais de dez anos desde a publicação de seu último romance, Chimamanda Ngozi Adichie retorna à literatura ficcional com A Contagem dos Sonhos, obra que representa não apenas um reencontro com a escrita romanesca, mas também uma ampliação de seu campo temático. Reconhecida internacionalmente por narrativas como Meio Sol Amarelo e Americanah, Adichie se afasta neste novo trabalho da ambientação histórica ou das discussões sobre identidade em diásporas para concentrar-se em questões mais íntimas e cotidianas.

A narrativa é estruturada a partir da perspectiva de quatro personagens femininas: Chiamaka, Zikora, Omelogor e Kadiatou. As três primeiras, amigas desde a juventude, pertencem à classe média alta nigeriana e compartilham experiências similares relacionadas à pressão familiar, à maternidade e às escolhas afetivas. A quarta personagem, Kadiatou, uma imigrante guineense que trabalha como camareira em Nova York, rompe com o padrão social das demais e introduz na obra uma camada mais explícita de desigualdade econômica e vulnerabilidade social.

Chiamaka, escritora nigeriana radicada nos Estados Unidos, assume o papel de narradora principal. Durante o confinamento imposto pela pandemia de Covid-19, ela se vê impelida a revisitar sua trajetória, suas decisões amorosas e os conflitos entre independência pessoal e expectativas culturais. Zikora, advogada e mãe solo, enfrenta os desafios de criar um filho após ser abandonada pelo parceiro, enquanto lida com a ausência emocional da própria mãe. Já Omelogor, bem-sucedida profissionalmente, precisa lidar com os julgamentos de familiares e conhecidos devido à sua decisão de permanecer solteira e sem filhos.

Kadiatou, por outro lado, representa um contraponto radical a esse grupo de mulheres privilegiadas. Sua trajetória, inspirada em um caso real envolvendo o ex-diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn, traz à tona temáticas como a exploração de mulheres negras migrantes, a invisibilidade social e a violência sexual. Por meio dela, Adichie insere uma crítica contundente às estruturas globais de opressão que atravessam o corpo e a dignidade das mulheres racializadas, em especial aquelas excluídas dos espaços de poder e prestígio.

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Foto: Divulgação.

O romance se desenvolve de maneira fragmentada, alternando vozes, memórias e episódios do presente. A escrita é marcada por uma linguagem elegante, preservando a fluidez característica da autora, mas também dando espaço para momentos de maior introspecção e densidade emocional. Chimamanda demonstra domínio ao construir personagens verossímeis, que enfrentam dilemas morais e afetivos sem ceder à caricatura ou à simplificação. A amizade entre as protagonistas nigerianas, embora atravessada por tensões e ressentimentos, funciona como elemento de sustentação emocional diante das pressões externas.

Contudo, a tentativa de abarcar múltiplas camadas de vivência feminina em um único romance gera alguns desequilíbrios narrativos. A inserção da trajetória de Kadiatou, embora relevante do ponto de vista temático e político, carece de uma conexão orgânica mais sólida com as demais personagens. Seu enredo, embora potente, soa em certos momentos como um apêndice à narrativa principal, o que enfraquece a coesão geral da obra. Ainda assim, sua presença é fundamental para ampliar o escopo crítico do livro.

A autora não apenas retrata as conquistas e inquietações de mulheres urbanas e escolarizadas, mas também se debruça sobre as condições materiais que moldam trajetórias. Trata-se de um romance que recusa respostas fáceis e aposta na complexidade como forma de resistência à narrativa hegemônica, valorizando a diversidade de experiências e subjetividades.

Embora a obra possa não alcançar a coesão estrutural e o impacto narrativo de romances anteriores da autora, representa um passo significativo em sua trajetória literária. Ao adotar um registro mais íntimo e contemporâneo, Chimamanda amplia suas possibilidades expressivas. A Contagem dos Sonhos convida à escuta atenta, ao reconhecimento das diferenças e à reflexão sobre o que significa ser mulher, africana e livre em um mundo ainda atravessado por desigualdades.

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