Entre perguntas e naufrágios, Manoella Valadares explora poesia anfíbia em “Ninguém Morreu Naquele Outono”

Obra é marcada por fragmentos de memórias, vozes dispersas e reflexões sobre pertencimento e gênero

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Foto: Edson Rosas/Divulgação.

Ninguém Morreu Naquele Outono
Manoella Valadares
Telaranha, 86 páginas, R$49,18 | 2024.


Estreando com Ninguém Morreu Naquele Outono, Manoella Valadares nos oferece uma obra que é ao mesmo tempo fragmentada e envolvente. Publicado pela editora Telaranha, o livro expõe uma poesia anfíbia, como a própria autora sugere, que flutua entre os polos do pertencimento e da dúvida. Os versos, marcados por uma profundidade ambígua, convidam o leitor a mergulhar em um mar de reflexões sobre pertencimento, feminismo, identidade e deslocamento.

Ao longo do livro, figuras como Marli, Alba e Gilda emergem como fantasmas que aparecem e desaparecem, intercalando diálogos com outras personagens ou consigo mesmas. Esse movimento de ir e vir reforça o caráter fragmentado da narrativa poética. Os poemas, que recusam qualquer linearidade, tornam-se peças de um quebra-cabeça sem uma imagem final. São, ao mesmo tempo, conclusivos e inconclusos, como se a própria obra não tivesse pressa de chegar a um ponto fixo, mas sim prazer em errar — no sentido de vagar.

no meu lago
não ouse alto mortal

não te preocupes
buscarei profundezas
buracos azuis

Manoella Valadares
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A força de Valadares está na forma como utiliza as palavras para evocar uma nostalgia desconhecida, carregada de angústias e incertezas. Ao tratar de temáticas como os processos imigratórios, as questões de gênero e o pertencimento, a autora faz de sua poesia um espaço de resistência e questionamento. Aqui, o cotidiano é um palco onde se desenrola um festival de pequenas cenas. No entanto, nenhuma delas é suficientemente explicada. O leitor deve encontrar sentido nos interstícios, nas pausas e nos silêncios.

O mar, presença constante, carrega um peso simbólico evidente. Ele aparece tanto como espaço de vertigem quanto como metáfora para a condição de naufraga que a poeta encarna. Entre águas turvas e arestas pontiagudas, o livro equilibra a fluidez e a interrupção, dialogando com uma tradição poética que inclui nomes como Hilda Hilst e João Cabral de Melo Neto.

No entanto, essa abordagem fragmentária, embora potente, pode exigir demais do leitor menos acostumado a uma poética de errância e dispersão. Há quem prefira poemas que ofereçam uma resolução clara, mas Ninguém Morreu Naquele Outono se recusa a entregar um fechamento. É um convite a aceitar o caos como parte da experiência, algo que pode ser tanto libertador quanto exaustivo.

Em sua estreia, Manoella Valadares não entrega respostas, mas faz perguntas. Seus versos anfíbios encontram o leitor em um espaço liminar, entre a terra e a água, e o desafiam a permanecer nesse estado de suspensão. Assim como o título do livro sugere, a certeza de que “ninguém morreu” é sempre atravessada pela dúvida. E é nessa ambivalência que reside a beleza — e a inquietação — desta obra.

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