Jihad Mohamad Habas

“Notas Sobre Um Desterro”: evidências documentadas de um genocídio sem fim

Filme de Gustavo Castro é didático - sem soar redundante - ao explicar massacre do povo palestino

“Notas Sobre Um Desterro”: evidências documentadas de um genocídio sem fim
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Olhar de Cinema 2025 – Curitiba (PR)

Notas Sobre Um Desterro
Gustavo Castro
BRA, 2025. 1h20. Documentário

A superabundância de imagens produzida na contemporaneidade servem como registro histórico do tempo vigente ou despedaçam a nossa capacidade de absorver a realidade? Em meio à enxurrada de fotografias e vídeos divulgados via redes sociais, entre memes e autorretratos, notícias de uma terra distante massacrada. Amputações física e espiritual. Estimam-se mais de 50.000 palestinos mortos em menos de dois anos de conflito e o mundo parece assistir ao genocídio anestesiado. Notas Sobre Um Desterro é uma obra que busca retirar o espectador do estado de letargia. 

Em 2018, o cineasta Gustavo Castro fez uma viagem à Cisjordânia para conhecer, de perto, a situação da Palestina e realizar um filme que, nas suas palavras, ainda não sabia qual seria. Após os acontecimentos de outubro de 2023, o diretor revisita as imagens produzidas numa tentativa de compreensão da histórica tragédia de um povo aprisionado e em constante exílio. A narração em primeira pessoa de Gustavo funciona para situar o ponto de vista do filme: um olhar brasileiro sobre o genocídio.

As belíssimas fotografias de Rafael Oliveira, também produtor do filme, beneficiam a profundidade estética de uma obra que, essencialmente, se apoia na força da sua narrativa. Sempre refletindo sobre o papel das imagens na construção do imaginário acerca do Oriente Médio, Castro acerta ao inserir trechos de filmes estadunidenses de ação (como Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981), de Steven Spielberg) que tanto estereotipam e reduzem a cultura islâmica. 

Particularmente simbólica, a sequência com a personagem Ruayda Rabah na plantação de oliveiras dos pais é de uma beleza esplêndida. Cuidar da terra com as mãos, a mesma terra há décadas ceifadas pelo genocídio perpetrado pelo Estado de Israel. O documentário é assertivo ao dedicar bom tempo à síntese histórica do conflito, desde os eventos fundadores da limpeza étnica dos árabes da Palestina (conhecido como Nakba), passando pela Guerra dos Seis Dias até as perseguições mais recentes capitaneadas por Benjamin Netanyahu. Entre as informações mais chocantes, a constatação do sistemático corte no fornecimento de água na Cisjordânia, obrigado a cada prédio instalar incontáveis caixas no topo das edificações para armazenar água da chuva. 

Em auxílio à contraposição imagética do material captado, as animações de Raro Oliveira são eficientes, especialmente na cena na qual um personagem é impedido de passar numa barreira policial e a câmera precisa ser desligada. Os desenhos surgem para preencher a lacuna de imagens, tornando-se interessantes dispositivos da linguagem cinematográfica propriamente dita. A alternativa, ainda que modestamente utilizada em Notas Sobre Um Desterro, remete a outras produções sobre conflitos nas quais a animação era o carro-chefe narrativo, como Valsa com Bashir (2008), de Ari Folman, e o mais recente Flee – Nenhum Lugar para Chamar de Lar (2021), dirigido por Jonas Poher Rasmussen.

O documentário de Gustavo Castro, produzido desde 2018, tem suas primeiras exibições do Brasil no mesmo ano no qual Sem Chão, de Yuval Abraham e Hamdan Ballal, venceu o Oscar de Melhor Documentário no Oscar 2025. Ballal que, não deixemos de pontuar, foi sequestrado e espancado pelo exército israelense em março, sendo libertado alguns dias depois após pressão da comunidade internacional. No dia em que escrevo este texto, as tensões entre Israel e Irã se intensificam, com mísseis antagônicos atingindo as respectivas capitais, Tel Aviv e Teerã, em áreas residenciais. Notas Sobre Um Desterro não poderia ser e estar mais primordial, urgente. A máxima é válida: um filme necessário. 

Filme visto durante o 14º Olhar de Cinema – Festival Internacional  de Curitiba

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