A FRAQUEZA DE OBAMA
Barack Obama visita o Brasil com baixa popularidade nos EUA e um governo marcado pelas concessões
Por Tiago Negreiros
Aquele novembro de 2008 foi histórico para os americanos. Barack Obama era eleito o primeiro presidente negro do país mais poderoso do mundo. A vitória estava carregada de símbolos; o país devastado pela pior crise econômica desde a depressão de 1929 mirava em Obama a esperança de novos empregos, de uma nova reforma migratória, do fim na guerra do Iraque e da prisão de Guantánamo, de um diálogo mais flexível com alguns países do Oriente Médio, entre outros. Obama, como um bom candidato que foi, mergulhou nesse espírito de mudança, adotou o slogan de sucesso “yes we can” (sim, nós podemos) e motivou milhares de jovens a irem às urnas – o voto nos EUA não é obrigatório. “Hoje, pelo que fizemos nesta eleição, a mudança virá para a América”, dizia Obama em seu primeiro discurso depois de eleito.
Só que os confetes caíram, e hoje essa mesma juventude já não goza mais de tanto entusiasmo. São muitas as personalidades famosas que apoiaram Obama, que falavam de política com entusiasmo, mas hoje procuram não tocar o assunto. E quando falam, é para criticar o presidente. “Acho que ele (Obama) está completamente submetido a Wall Street. A economia tem problemas enormes. Desemprego a 10%? É terrível”, disse o ator e ex-entusiasta da campanha de Obama, Matt Damon, ao jornal inglês The Independent.
Damon tem razão. Obama nada fez para regular o mercado financeiro, o mesmo que provocou o endividamento de milhões de americanos e, por conseqüência, a quebra do banco Lehman Brothers em 2009. O filme ganhador do Oscar de melhor documentário, Trabalho Interno (Inside Job), dedica parte do seu tempo para mostrar Obama anunciando nomes na sua equipe econômica que, ainda no Governo de Bush Jr., ignoraram os sucessivos avisos da crise. Um presidente refém dos interesses de Wall Street, por isso a crítica de Damon. A promessa de fechamento da prisão de Guantánamo, localizada em Cuba, também virou pó, embora o presidente, já empossado, ainda defendia a extinção do presídio. Mas em janeiro último, Obama promulgou uma lei que impedia a transferência dos detentos para cadeias em solo americano, o que sinaliza que a Casa Branca ainda não tem intenções de fechar uma cadeia já tantas vezes criticada por desrespeitar os direitos humanos.
A reforma migratória foi para o espaço, a guerra do Iraque e do Afeganistão seguem sendo nutridas por trilhões de dólares, falta de rumo e assassinatos de civis e soldados americanos. Em agosto de 2010, Obama anunciava que cerca de 90 mil soldados deixariam o Iraque. A medida, supostamente humanitária, foi recebida com desdém por alguns ativistas contrários a guerra. Cindy Sheehan, ativista e mãe de um soldado morto em 2004, revelou ao jornal O Globo que Obama só estava retirando parte das tropas do Iraque porque temia o fracasso nas eleições daquele ano. “Foi uma redefinição de ocupação. Mesmo que muitos soldados tenham retornado, outros 50 mil ficaram. Trata-se de uma manobra do governo devido às eleições legislativas e o medo dos democratas de sofrer uma derrota”.
É por isso que chega a ser curioso ver Washington defender os direitos humanos no Irã e ao mesmo tempo obrigar o detento Bradley Manning – acusado pelos EUA de ter vazados os documentos diplomáticos para o site Wikileaks – a dormir nu e não ter direito a travesseiro, lençóis e objetos pessoais na sua cela. Ou tentar coibir o Irã de produzir armas nucleares, mas ao mesmo tempo tê-las e ser conivente com a ininterrupta produção que Israel faz das mesmas. Ou de não bater o pé quando vê um governo golpista e assassino de jornalistas como o de Porfirio Lobo, de Honduras, assumindo o poder. Como os aliados dos EUA parecem os baluartes da democracia e do respeito aos direitos humanos, mais do que natural Hillary Clinton aproveitar as manifestações do Oriente Médio e do Norte da África para pedir que haja uma “revolução” no Irã. Já para países aliados como a Arábia Saudita, Obama finge não ser com ele.
E foi o Irã o pivô do esfriamento diplomático entre os EUA e o Brasil. Enquanto estava na Presidência, Lula inicialmente teve uma amistosa relação com Barack Obama, que chegou a chamar o brasileiro de “o cara”. A relação decaiu quando o Brasil passou a ter uma aliança político-econômica com os iranianos, em parte, sob o apoio do presidente dos EUA. Com a Turquia, Lula mediou um acordo com o Irã que previa não enriquecer urânio em solo iraniano. Duas semanas antes do fechamento do acordo, Obama enviara uma carta ao presidente brasileiro incentivando o diálogo com Ahmadinejad para então diminuir “as tensões regionais por meio da redução do estoque (de urânio) iraniano”. O medo dos EUA era que o Irã fabricasse a bomba atômica, algo sucessivamente negado pelos iranianos. O acordo saiu e Obama, mais uma vez, recuou para atender os interesses conservadores do seu país. Junto com o Conselho de Segurança da ONU, autorizou sanções ao Irã e descumpriu mais uma de suas promessas de campanha: dialogar com os iranianos.
Em nenhum momento Obama cogitou sentar com Ahmadinejad para tentar um diálogo que levasse ao fim da “tensão” no Oriente Médio. O acordo mediado por Lula era o primeiro passo para isso, porém, os EUA seguiram a cartilha de uma diplomacia arrogante e imperialista. Lula reagia: “Tem gente que não sabe fazer política se não tiver um inimigo. Demos uma contribuição ao multilateralismo, que deve ser levado em conta. É preciso envolver outros agentes, outros países, para poder negociar a paz no Oriente Médio. Estou convencido que não haverá paz enquanto os EUA forem os tutores dessa paz”.
Por traz da mediação de Lula com o Irã estava a tentativa de garantir ao Brasil uma independência na sua política externa e a tão esperada e sonhada cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, formado por China, Rússia, EUA, França e Inglaterra. A reforma no Conselho é o desejo de diversos países, que defendem que o CS já não responde pela realidade do mundo atual. Os Estados Unidos, que já demonstrou apoio a Índia, deu tímidos passos favoráveis ao Brasil através das palavras da secretária de Estado Hillary Clinton: “Esperamos ter um diálogo construtivo com o Brasil sobre esse tema durante a viagem de Obama e no futuro”.
A viagem que Clinton se refere é a que Obama faz ao Brasil, a primeira desde que chegou à Presidência. Os motivos da visita são variados, entre eles, reanimar a aliança diplomática com os brasileiros, estabelecer um diálogo sobre o potencial de produção e exploração do pré-sal e dar um novo fôlego nas exportações. Os EUA, que já foi o principal parceiro comercial do Brasil, perderam o posto para a China e ainda correm o risco de serem ultrapassados pela Argentina. Na contramão do interesse norte-americano, está a tentativa de Dilma Roussef de diminuir o déficit de US$ 7,7 bilhões na balança comercial com os Estados Unidos, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento. Ou seja, o Brasil atualmente importa bem mais produtos do que exporta.
Obama também poderá relembrar os tempos em que estava com a popularidade em alta nos EUA. O presidente americano fará um discurso em praça pública no Rio de Janeiro, e certamente será bem recebido pelos brasileiros. Ao menos é o que os americanos esperam, afinal, quando as urnas voltaram a dar as caras nos EUA no final ano passado, o resultado acendeu o sinal amarelo para Obama. Os democratas, partido do presidente, antes maioria na Câmara e no Senado, perderam importantes cadeiras nas duas casas. Na Câmara, foram ultrapassados pelos republicanos. No Senado, ficaram praticamente empatados com a oposição. A retirada de militares do Iraque parece não ter tido efeito eleitoral.
O cenário segue também preocupante para uma eventual reeleição de Barack Obama. Há 20 meses para as eleições presidenciais, apenas 45% da população planeja votar no presidente. A pesquisa, realizada pelo Quinnipiac em fevereiro deste ano, diz que 46% dos americanos aprovam o trabalho de Obama, dois pontos percentuais a menos em relação à pesquisa passada, feita em janeiro de 2010. Pode não parecer, mas o tempo que resta para o presidente mais poderoso do mundo ainda é suficiente para ele aprender a só ter “medo do próprio medo”, como bem aconselhou Franklin Roosevelt, ex-presidente dos EUA e responsável por garantir uma nova qualidade de vida para os americanos depois da crise de 29.