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Foto: Divulgação.

Um papo com Lilia Guerra, autora de “Perifobia”: “Este é um livro de esperança”

A escritora reflete sobre o papel da literatura periférica no mercado editorial e diz que as questões sociais surgem espontaneamente em seus trabalhos

Lilia Guerra é escritora e moradora de um conjunto habitacional em São Paulo, cuja vivência nas periferias da cidade influencia diretamente sua obra. Seu livro Perifobia, publicado inicialmente em 2018 e que será relançado pela Todavia em março, é um exemplo claro de como as experiências cotidianas de quem vive à margem da cidade podem se transformar numa obra reflexiva.

Antes de sua publicação, Lilia compartilhava seus textos na internet, interagindo com os leitores e permitindo que suas obras crescessem com o feedback do público. Esse processo de troca e o surgimento de personagens recorrentes nas histórias foram fundamentais para a construção do livro.

Em conversa com a Revista O Grito!, Lilia reflete sobre o papel da literatura periférica no mercado editorial, destacando a importância de ampliar a voz de realidades marginalizadas. Ela também compartilha sua trajetória como escritora e oferece conselhos para jovens que desejam seguir o mesmo caminho, enfatizando a importância de valorizar o material do cotidiano e as vivências ao redor.

Confira a entrevista na íntegra.

O que motivou você a criar o termo Perifobia como título do livro?

Perifobia é um livro que saiu em 2018 e está sendo relançado agora. Naquela época, eu comecei a escrever sobre as questões periféricas, porque eu moro em um conjunto habitacional aqui em São Paulo. Quis colocar esse título porque percebia a dificuldade que as pessoas tinham com os lugares mais distantes aqui da cidade.

Então, às vezes eu falava: “Ah, moro lá em Cidade de Tiradentes, fica a duas horas, digamos assim, do centro da cidade de transporte público.” E as pessoas faziam brincadeiras, que para mim não tinham graça nenhuma, né? E aí eu percebi o quanto as pessoas tinham preconceito com os lugares periféricos. Chegava a ser algo como: “Esse lugar está no mapa? Nossa, mas existe? Você não mora, você se esconde…”, esse tipo de coisa.

Os contos conversam, dialogam com esse assunto.

Como a sua experiência pessoal, vivendo em Cidade Tiradentes, influenciou as histórias e os personagens de Perifobia? Há elementos autobiográficos no livro?

Na minha literatura, acho que sempre coloco alguma coisa autobiográfica, algum empréstimo para os personagens, mas em Perifobia sinto que nem tanto. Acho que tem mais a experiência visual e de escuta, das pessoas que eu conheço, das experiências que eu tive e, sobretudo, no transporte público, observando as pessoas.

Não é um livro onde eu falo tanto dessas experiências no transporte, mas eu escrevi muitos contos. Eu comecei a observar a experiência de outras pessoas e, assim, utilizando alguns perfis, às vezes, para esboçar. Então, tem algo assim de visualizar, de anotações que eu fazia mesmo nesses trajetos.

Você incluiu trechos de sambas como epígrafes nos contos. Qual foi a importância do samba para a construção do livro? A música também influencia seu processo de escrita?

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Eu costumo dizer que o meu processo criativo começou com samba. Foi especificamente com o álbum do Martinho da Vila, que tinha na minha casa, que era da minha avó, e que tem muitas mãos desenhadas na capa do Eliphaz Andreato.

E ali, por aquelas mãos desenhadas na capa do disco, eu comecei a criar histórias. Então, o processo criativo começou ali. Eu ouço samba desde que me conheço por gente. Eu já entrei na minha casa ouvindo samba, esse disco do Martinho. Para mim é muito inspirador. Eu ouço para escrever, para analisar, para estudar… Busco entender o processo criativo dos compositores, também das compositoras.

Como foi a transição de compartilhar textos online para reunir essas histórias em um livro? Essa interação inicial com os leitores influenciou seu trabalho?

Os personagens que transitam, as histórias que cruzam, por exemplo, são fruto dessa interação com os leitores mesmo. Muitos dos textos de Perifobia foram publicados na internet e, num primeiro momento, eu dava os textos por encerrados. E aí, os leitores interagiam e mostravam que esperavam mais alguma coisa daquele texto. Por causa disso, os personagens começaram a se cruzar!

Eu fui dando continuidade nas histórias utilizando os mesmos personagens. Então, a interação foi super importante para mim. É muito especial poder interagir com o leitor.

Como você enxerga o papel de autores que vêm de realidades periféricas na construção de um mercado mais inclusivo?

Algumas pessoas falam que a literatura não deve ser usada para trazer questões sociais. No meu caso, eu não vejo assim e nem quero que isso aconteça. Para mim, é muito natural e eu diria até que é espontâneo trazer esses assuntos. E daí a importância, né?

Eu, lá atrás, quando comecei a escrever, inclusive, nem notava que os assuntos eram tão recorrentes para mim. Era como falar de assuntos do cotidiano. As pessoas que começaram a apontar os temas. Então, é muito espontâneo, mas acaba sendo muito importante. É uma coisa que eu quero fazer e, agora, acho que sim, faço propositalmente.

Algumas pessoas falam que a literatura não deve ser usada para trazer questões sociais. No meu caso, eu não vejo assim e nem quero que isso aconteça. Para mim, é muito natural e eu diria até que é espontâneo trazer esses assuntos.

Lilia Guerra

Para quem está entrando em contato com a sua obra pela primeira vez, como neste caso, o que você gostaria que fosse a primeira impressão ou a principal mensagem transmitida por Perifobia?

Perifobia é o segundo livro que eu publiquei. O primeiro foi Amor Avenida e foi praticamente uma publicação independente.

Com Perifobia, eu já tive algum contato com outros profissionais e tal, mas assim, eu sempre tinha a sensação de que talvez pudesse ser a minha última oportunidade. Eu queria mostrar as histórias que eu tinha, os personagens e as mensagens que eles queriam passar. 

Este é um livro de esperança! Digamos que, se não tiver outro, eu acho que aqui eu quero falar muitas coisas e espero que sejam mensagens que informem outras histórias, análises e reflexões. Então, Perifobia tem muito essa característica de “talvez seja o meu último livro.”

Se você pudesse dar um conselho para jovens escritores e escritoras que vivem na periferia e sonham em publicar um livro, qual seria?

Eu começo falando sobre o material que a gente não pode desprezar. Às vezes, a gente acha que alguma coisa que escreveu, alguma anotação, uma reflexão, não tem importância. Então, a primeira coisa que eu digo é a organização dos arquivos, das nossas anotações, das nossas impressões… Daquilo que a gente descobre, seja conversando com a nossa família, com os nossos familiares, ou com os vizinhos, com as pessoas que a gente conhece. 

Às vezes, a gente acha que aquilo não tem importância. Para mim, esses arquivos que eu anotava, essas coisas que eu pontuava, às vezes durante a condução, eu parava, sentava um pouquinho ali no banco do metrô e falava: “Não, eu vou fazer essa anotação porque eu não posso perder.”

Você vai revisitar esse material e é daí que as histórias vão surgir, é daí que você vai conseguir organizar aquilo que você quer dizer.

Perifobia
Lilia Guerra
Todavia, 160 páginas, 2025. R$ 59

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