Entrevista | Thiago Pethit: “Quando subo ao palco sempre é Carnaval”

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Foto: Divulgação.
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Foto: Gianfranco Briceño/ Divulgação.

O músico Thiago Pethit nos trouxe sua visão pessoal do rock no novo disco Rock’n’Roll Sugar Darling. Um dos últimos românticos da cena independente, ele revisitou a essência mais básica e apresentou uma proposta muito própria e trouxe de volta o lado afetado, sujo, perigoso e sexy do gênero. Thiago é um dos destaques do festival Rec-Beat, que completa 20 anos este ano.

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Depois de trabalhos intimistas no início da carreira, Thiago tem explorado outros ambientes do pop. Com produção de Adriano Cintra, o disco traz referências do rock britânico e do grunge dos anos 1990, entre outros. Apesar dessa transformação, o que se manteve intacto na proposta do músico é seu cuidado com a imagem dentro de um projeto artístico maior. “Eu produzo músicas enquanto imagino essas imagens e vice-versa. Cada vez mais, acredito que a minha música não termina em si”, disse.

O mesmo vale para a performance. Thiago é hoje um dos nomes mais performáticos do pop nacional e isso poderá ser visto no Carnaval do Recife, “com algumas surpresas”. O show dele acontece na segunda-feira de Carnaval, no Cais da Alfândega. Conversamos com Thiago sobre sua relação com a folia, o conservadorismo no rock hoje, sexo e a nova cena indie do Brasil.

Quais as expectativas para o show no Rec-Beat, aqui no Recife? Pensou em algo específico para a ocasião?
Expectativas altas. É legal demais poder tocar no Rec Beat e acho que não haveria melhor momento e trabalho para apresentar, do que este do disco novo Rock’n’Roll Sugar Darling. Tem surpresinhas, mas se eu contar perde a graça. rs

Qual sua relação com o Carnaval?
Não sou a pessoa mais carnavalesca que eu conheço. Embora eu sempre tenha gostado da ideia meio grega de um deus Dionísio chegando em seu carro naval para tomar a cidade com festas. Mas eu mesmo nunca fui muito chegado. Não pela música típica ou qualquer coisa do tipo. Mas a temática dessa celebração, a ideia de uma festa em que homens podem se vestir de mulheres, se fantasiar daquilo que gostariam de ser, por um ou 4 dias, sair, beijar todo mundo e lidar com a sexualidade de forma aberta e explícita, nada disso faz muito sentido pra minha vida. Eu sempre pude fazer essas coisas. Me fantasiar de mulher sempre que quisesse, pude beijar todo mundo ou brincar de ser as minhas fantasias, seja Bowie, Carmen Miranda ou Super-herói, sempre que subo ao palco é carnaval pra mim. E se posso fazer isso sempre, não preciso desses 5 dias em que tudo isso é permitido. rs

Foto: Divulgação.
Foto: Gianfranco Briceño/Divulgação.

O rock é um gênero que acumulou rótulos ao longo dos anos e se transmutou bastante. Há quem diga que hoje o rock tenha deixado o “perigo” de lado e se tornado conservador. Que visão você tem do estilo hoje?
Acredito que o rock enquanto gênero musical tem sido feito com ‘qualidade’ como sempre o foi. Muitas bandas e músicos carregam a bandeira do gênero há muito mais tempo que eu, e não vale desmerecer esse trabalho. Mas quando a gente fala em ‘rock’n’roll’ como um adjetivo de algo ou como uma manifestação cultural, não é do gênero musical que estamos falando propriamente. É do sentido dele e da atitude que o gênero carrega e pede. E aí, o rock tem se tornado a coisa mais coxinha que há. Se antes ele nasceu e foi criado pelos negros, desajustados e gays, e tinha uma capacidade de atacar as pessoas pela malícia e transgressão, agora é uma música dominada por homens brancos heterossexuais que não ‘podem’ rebolar num palco, que precisam mostrar o quão macho são por empunharem uma guitarra e reproduzir o estereótipo masculino troncho e bobo da agressividade pela agressividade, o barulho pelo barulho, o nada pelo nada. Hoje em dia, em termos de atitude, o funk dá (opa!) de dez a zero no rock’n’roll. rs

Além de nomes que você já citou como Tom Waits e Bowie, que bandas e artistas do rock da atualidade te inspiram e te influenciam?
Muita coisa me inspira. As vezes até indiretamente. Eu gosto muito dos meus colegas Adriano Cintra e Johnny Hooker. O fato de serem próximos, não faz com que sejam menos inspiradores do que bandas além-mar que eu poderia citar. Mas existem esses casos também: essa semana, por exemplo, descobri o Hozier, músico que estava concorrendo a um dos prêmios Grammy e fez uma performance maravilhosa com Annie Lennox.

“O rock tem se tornado a coisa mais coxinha, dominada por homens brancos heterossexuais que não ‘podem’ rebolar num palco”

A sexualidade é parte importante de seu trabalho?
Na verdade, eu te diria que a sexualidade é parte importante da minha vida, de quem eu sou, das crenças que eu tenho no mundo. Então, sim. Ela é parte fundamental do meu trabalho. Sempre foi. Mesmo quando ela não é explicitada, porque nem sempre precisa ser e nem mesmo precisa ser ‘erotizada’. Mesmo no meu primeiro álbum, que parece mais ‘intocado’. Se você puder revisitar o disco hoje, certamente músicas como “Forasteiro” ou “Sweet Funny Melody”, poderão soar mais sexualizadas do que na época.

Tanto a performance quanto o impacto visual são importantes na sua obra. Cito como exemplo clipes como “Moon” ou a série de fotos para Rock’n’Roll Sugar Darling. Como é seu processo de criação nessa confluência imagem&som?

É absolutamente concomitante. Uma coisa não existe sem a outra. Eu produzo músicas enquanto imagino essas imagens e vice-versa. Cada vez mais, acredito que a minha música não termina em si. Que existem uma série de conteúdos artísticos vinculados a ela que a tornam mais potente ou que fazem com que o imaginário em torno delas, possa ser mais forte. E isso que eu busco não tem a ver com a qualidade da música em si. O Bowie sempre foi um gênio musical, mas se Ziggy Stardust não fosse um E.T. nós jamais entenderíamos a música como a entendemos. Ou se o Kurt Cobain fosse apenas um rapaz engomadinho, “Smells Like Teen Spirit” significaria outra coisa.

Quando você surgiu na cena independente o pop nacional vivia uma urgência de renovação. Por isso havia muita comparação, rótulos. Sentiu/sente algum tipo de pressão nesse sentido?
Senti claro. Ao ponto de ser uma coisa que me incomoda até hoje e que já me fez muito mal. Ser compreendido como parte de uma turma, ou de uma cena, significa também assumir os erros e acertos dos outros que te acompanham. Como se você fosse responsável também pelo que os outros fazem com suas músicas e carreiras, para o bem ou para o mal. Uma vantagem que existia nesse começo, era a força da junção de talentos em torno de algo que nasceu muito plural e diversificado. Não interessava se sua linha era mais em torno do cancioneiro clássico popular brasileiro ou do indie rock dos clubs londrinos. Mas de lá pra cá, esse funil artístico foi se fechando e cada vez mais as bandas e artistas soam iguais uns aos outros. Desejam as mesmas coisas e sonham com os mesmos objetivos. Daí, eu pulei fora da patota. Ou fui (me re) tirado. Eu não quero fazer parte de nada. Eu quero cada vez mais ser eu, fazendo o meu lance pra quem quiser me ouvir.

Qual a lembrança mais remota que você possui sobre querer ser músico?
A mais remota mesmo é dos tempos de colegial. Estudei num colégio bem ‘classe média artística’. Havia um festival, todo ano, de música e que era um clássico do colégio desde os anos 70, pois foi criado pelo Serginho Groismann e foi onde os Titãs começaram. Eu tinha a minha bandinha de rock. Tocávamos Stones, Led Zeppelin, Mutantes e Hendrix. Acho que era o mais perto que eu tinha chegado de ser quem eu sou hoje. rs Fazia as apresentações vestindo umas calças boca de sino, feitas de veludo e bem justas e já tinha uma performance no palco. Era massa, bem ingênuo, mas era massa.

Foto: Divulgação.
Foto: Gianfranco Briceño/ Divulgação.

Ouça abaixo o disco completo: