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Crítica: A noitada com Pabllo Vittar é uma experiência intensa

Disco experimenta o funk, a música eletrônica e o pagode baiano com a autenticidade da artista

Crítica: A noitada com Pabllo Vittar é uma experiência intensa
4.5

Pabllo Vittar
Noitada
Sony Music, 2023. Gênero: Pop, Eletrônico, Funk

“Descontrolada”, parceria marcante com a MC Carol já dizia muita coisa. A batida eletrônica embriagada do funk, e os efeitos high tecs na voz de Pabllo Vittar já nos transportam para uma night club. Mais funkão, “Ameianoite” comprova essa pegada, inovando a sonoridade da drag e concretizando a parceria com a igualmente fenomenal Gloria Groove. Começar descrevendo essas duas reveladas bem antes do lançamento, é um sneak peak e tanto de Noitada, mas ainda assim não diz tudo sobre o álbum, já que o que Pabllo Vittar faz aqui é surpreender.

O disco traz um repertório montado, intenso e com nuances para embalar uma noite de curtição. É coisa de balada. E não só isso, é inovação e entrega. O laboratório de Vittar foi um trabalho de campo mesmo, já que para construir a essência de Noitada, ela precisou viver a energia da pista, saber o que a galera estava ouvindo e reproduzir isso atrelado à sua autenticidade e musicalidade. 

Pabllo conta que o disco é inspirado em suas vivências, experiências na noite, o lugar onde “as coisas acontecem”, onde conhece pessoas incríveis, onde há um mote criativo singular. Após dois anos sem lançar um álbum autoral, a artista reúne aqui, além do gosto dos baladeiros, o que foi seu repertório como ouvinte durante o período, construindo assim uma jornada sonora que embala uma “saidinha com as amigas”.

A noite, no sentido dos clubs, boates e baladas, também num contexto social para a comunidade LGBTQIA+, tornou-se um cano de escape, um local de permissão para extravasar com muita dança as dores sofridas em meio a uma sociedade opressiva e violenta. É o lugar da liberdade, onde os problemas se esvaem na jogação através da música.

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Pabllo reflete sobre a noitada como um espaço de escape e acolhimento para a comunidade LGBTQIA+. (Foto:Gabriel Renne/Divulgação),

A partir disso, numa organização estratégica, o disco começa com a novidade de um prelúdio. Vittar anuncia “Eu pertenço à noite”, abrindo alas para “Ameianoite”, mística e mágica assim como sentir as primeiras energias dessa experiência na balada, um aquecimento e tanto. “Descontrolada” vem em seguida, para agitar o nervos com um eletrônico pesado e um fundo que remete às batidas do Ballroom. 

O irreverente interlúdio “Calma Amiga” com o som de DJ RaMeMes é a transição da faixa anterior para “Balinha de Coração”, parceria com Anitta. A pegada funk interage com a música eletrônica, dando espaço para um hip hop, onde Anitta manda os versos de sua participação. Muito perceptível também são os toques estilo caixinha de bailarina, remetendo a um clima infantil por falar de uma “balinha”. A faixa ainda traz uma batida bem próxima do swing baiano, mais explícito à frente.

*Observação: Antes de seguir para a próxima, o enigma que é “Cadeado” não passa despercebido. A faixa faz jus ao título e veio bloqueada para a opção de reprodução. O lançamento aconteceu na madrugada do dia 13 de fevereiro, durante a edição do BBB 23 em parceria com o Spotify. Vittar surpreende com um bregafunk envolvente com as batidas e samples bem recifenses. A canção é uma sofrência dançante. 

O eu lírico “se querendo” é o que conduz “Derretida”, em clima de pegação, com uma sonoridade eclética e envolvente, uma batida eletrônica pesada, e arranjos que podem remeter tanto a um merengue caribenho, quanto a guitarra do Calypso na era de ouro com Joelma. Pensando nas inclinações de Pabllo ao que vinha ouvindo durante as preparações do álbum, também dá para perceber certa inspiração no som de Rosalía (mais especificamente “Despechá”).

O swing da Bahia chega com o pagodão baiano de O Kanalha, na colaboração “Penetra”, com referências à “Fraquinha”, sucesso do cantor viralizado no TikTok. “Apetitosa” feat MC Tchelinho e DJ Tonias, traz uma Pabllo saliente, experimentando batidas do funk batidão numa atmosfera eletrônica.

Caminhando para o fim do disco, “Culpa do Cupido” é certamente um ponto alto. Isso porque a mistura de sonoridades aqui resgata ares frescos do tecnobrega de Batidão Tropical (2021) dividindo espaço com as batidas dignas de um baile funk. A voz de Vittar está essencialmente brilhante nessa, assim como na última “After”. É o fim da noitada, a música de fim de festa, um resquício dos elementos que fizeram a fritação acontecer. A faixa repercutiu rapidamente na internet pela inspiração inesperada que os fãs cogitam ter na música de abertura do desenho infantil Caillou (1997).

O disco termina chamando um “after”, provando que a noite não acaba ali por não ser apenas um momento, e sim um estado de espírito. O PV5 vem mesmo para ser um trunfo na carreira da drag. Mostra outros sentidos de sua vida pessoal também. A artista conta que a intenção inicial do trabalho seria a de retratar uma fase mais triste que passava. Ao longo do tempo, com os cenários mudando, essa energia mais para cima tomou conta. E vem em boa hora, já que o disco se encaixa e muito neste momento de liberdades que o país vive. A crítica mais contundente possível aqui é o tempo curto das faixas. O que, por um lado, faz sentido quando pensamos sobre o quanto a noite é fugidia por essência. Quando menos se espera, já acabou. Nem por isso, foi menos inesquecível e marcante como toda boa Noitada é.

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