UANA

Um papo com UANA, atração do Carnaval: ícone do neo soul nordestino

Artistas pernambucana revelação prepara seu disco de estreia, conta suas referências e fala sobre sua estética que vai do brega-funk ao R&b

“Marcou um momento também de mais abertura para a música nordestina, para a música nortista”, pontua a cantora recifense Uana Mahin, que venceu na categoria Revelação do prêmio Women’s Music Event (WME) Awards. A premiação, dedicada exclusivamente a artistas mulheres, foi entregue em dezembro de 2023. Uana ganhou no voto popular, na categoria em que concorreu com outras quatro cantoras: Karinah, Vivi, Gabi Martins e Duquesa. Com essa forte ligação com o próprio local de origem, a vitória no prêmio, na visão dela, é muito importante para ampliar a representatividade das artistas nordestinas no cenário nacional.

Uana vem consolidando seu nome com trabalho que incorpora brega funk, R&B e outras sonoridades urbanas, com letras entre o romantismo e a malícia. Ela é uma uma artista pop que não tem visto barreiras para mesclar ritmos e referências estéticas na música e nas produções audiovisuais. Marcando uma nova fase na carreira, a artista tem construído um repertório que perpassa do brega-funk ao R&b. Sendo uma nomes fortes da música pop do Estado atualmente, ela é uma das atrações na terça-feira de carnaval (13), no polo da Praça do Arsenal, no bairro do Recife. 

Com múltiplas referências, que vão desde os artistas locais às grandes estrelas da música norte-americana, Uana tem lançado músicas que refletem a liberdade e autonomia das mulheres negras. “Minhas principais inspirações, atualmente, são figuras muito clássicas da música mundial: Erykah Badu e Elza Soares. Essas são as duas maiores, pensando também numa referência que traz o neo soul, que é uma coisa que escuto muito, soul, neo-soul, hip-hop” explica Uana.

Com 29 anos de idade e dez de carreira na música, Uana chegou a cursar a faculdade de dança na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), fazendo pesquisas sobre os ritmos tradicionais da cultura popular do estado, como o cavalo-marinho.

Antes de iniciar a carreira solo, a artista participou do grupo Sagarana, que, na época, também contava com a participação do cantor e compositor Martins. A identificação com o pop floresceu em 2021, quando Uana passou a misturar os ritmos locais com as novas referências da indústria fonográfica nacional e mundial. “Foi muito especial porque acho que a gente se propôs a fazer uma coisa muito diferente do que estava acontecendo aqui na cena”, lembra a artista sobre o grupo musical. 

O brega funk, ritmo que a artista busca inspiração, merece o maior respeito, segundo Uana. “Defendo que o brega é pop. Me vejo nesse cenário assim, com muito, com muito carinho. Primeiro porque cheguei com muito cuidado para fazer brega funk”.

Programação do Carnaval 2024
Shows no Marco Zero: Gilberto Gil, Ludmilla, Luísa Sonza, Alceu Valença
Rec-Beat: Letrux, Ana Frango Elétrico, Urias
Praça do Arsenal e Pátio de S. Pedro: Rubel, UANA, Marcelo D2
Olinda, praça do Carmo: Nação Zumbi, MC Tocha, Siba
Olinda, Guadalupe
: Conde Só Brega, Dany Myler, Abulidu

Confira o bate-papo de Uana com a Revista O Grito! na íntegra a seguir:

No ano passado, venceu na categoria “Revelação” do prêmio Women’s Music Event (WME) Awards. Como foi receber essa premiação? 

Foi uma honra danada, primeiro porque eu era uma das poucas pernambucanas concorrendo em toda a premiação, e segundo porque foi uma categoria de voto popular. Então, inicialmente, fiz uma campanha aqui nas redes, em todos os canais de comunicação para conseguir que as pessoas fossem lá e votassem. Mas não esperava ganhar, tinham outras artistas, até talvez com alcances maiores, e fiquei muito na verdade no intuito de trazer minha comunidade para junto para votar em mim, mas sem muita expectativa de ganhar. Fiquei muito feliz por toda a mobilização, porque não é fácil estar numa categoria de voto popular e também muito feliz porque pude cantar no prêmio e tive um feedback muito positivo de quem ainda não conhecia meu trabalho, de quem já conhecia pelas plataformas, mas não tinha visto ao vivo. 

Então, foi muito especial e marcou um momento também de mais abertura para a música nordestina, para a música nortista porque o prêmio homenageou a Dona Onete e que foi demais! Fiquei muito feliz com o prêmio e está abrindo muitas portas. 

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Uana promete novo disco para este ano ainda. (Foto: Divulgação).

Como foi o início da carreira na música? Era um desejo ser cantora e estar se apresentando nos palcos?

Meu início na música foi bem inesperado, porque, na verdade, vim do teatro e cantava em alguns espetáculos que fazia. Estava fazendo um espetáculo junto com Martins e com Rodrigo Félix, que também foram da formação do Sagarana, e depois do espetáculo, a gente ia beber e acabava tocando um pouquinho na mesa do bar. Assim, começou a surgir um interesse da gente tocar algumas músicas, algumas toadas da cultura popular, a gente também vivia indo pra cavalo marinho e pra côco. Então, surgiu a ideia de fazer uma banda. 

Começamos com a banda, mas muito ali, ainda numa coisa de brincadeira, porque a gente sempre foi muito brincante mesmo, assim, das brincadeiras populares como maracatu de baque solto, o maracatu de baque virado. Foi bem inesperado, mas assim, quando a gente começou, quando começou a profissionalizar, o Sagarana, eu já sabia que era aquilo que eu queria fazer pelo universo, por estar criando na música também já, que eu já estava compondo. Eu não esperava trabalhar na música, passei toda a minha infância e adolescência achando que iria ser do teatro e ser do cinema. Mas a música me pegou, foi isso.

Como foi a experiência de trabalhar com o grupo Sagarana? 

Foi muito especial porque acho que a gente se propôs a fazer uma coisa muito diferente do que estava acontecendo aqui na cena. E até hoje a gente não vê muitos grupos como o Sagarana era, fazendo aquela mistura musical que a gente fazia. Foi um momento de muita pesquisa também. Pesquisei muito musicalmente falando, a gente viajou e foi para algumas comunidades, a gente ia muito para essas brincadeiras. Viajava para ver maracatu rural, cavalo marinho, então foi um momento de muito enriquecimento cultural.

É um momento que aprendi a trabalhar em grupo, que não é fácil ter uma banda, trabalhar em grupo, tem várias pessoas ali decidindo, mas foi muito, acho que preparou a gente para indústria, vida e para a indústria, para muita coisa que veio depois. E foi onde eu conheci também,  Martins, que hoje a gente se encontra até nos palcos, nos projetos. E, enfim, foi um super início de carreira, de muito aprendizado e de muita construção bonita. Tenho muito orgulho daquele trabalho que a gente fez foi muito bem feito. Eu acho que nem tinha tanta noção de como a gente já fazia música de muita qualidade. E fico triste que a vida não circulou tanto, mas acho que a gente cumpriu, assim, uma coisa muito legal e colocou um trabalho muito lindo no mundo, que é o disco “Véu do Dia”.

Você engrossa o caldo de uma nova onda de mulheres e artistas LGBTQIA + que estão protagonizando músicas de brega funk com suas narrativas, como são os casos de Rayssa Dias, Laryssa Leal, Preta Nick e Mun Há. Como se enxerga nesse cenário?

Eu não me sinto tanto do brega, mas eu vou dizer por que. Mas construo com a música brega. Me sinto artista pop pop contemporânea. Acho que o brega é uma música pop. A gente ainda tem uma mania de achar muito brega e de colocar o brega muito num lugar secundário. O brega e a música pop daqui de Pernambuco, a música mais tocada aqui. Basta ver quais são as artistas mais tocadas daqui como Priscila Senna e Raphaella Santos

Defendo que o brega é pop. Me vejo nesse cenário assim, com muito, com muito carinho. Primeiro porque cheguei com muito cuidado para fazer brega funk, justamente por ser um um espaço que vejo que muita gente vai lá e quer usar os elementos rítmicos daquela panelinha. Às vezes, não tem um respeito, um cuidado com as pessoas da cena. Então, cheguei devagarinho, conversando com os MCs, começando com os produtores. 

Fiz um trabalho com WR no Beat. A gente fez várias músicas juntos e também foi o tempo que eu conheci muita gente. Ele me apresentou muita gente também. Conheci Raíssa nesse momento. Larissa Real ainda não conheço, mas conheço Mun Há também dessa época e a gente pode trocar e compartilhar alguns anseios também de ser mulher e se propor a fazer música brega, funk, fazer brega, funk. 

E mesmo que ainda alguns MCs produtores chamam o que eu faço de “brega funk melody”, porque é mais de alguma maneira mais pop, mas ainda é brega funk. E é bem corajoso da nossa parte. É bem arriscado, também, porque a gente recentemente que tá vendo mais mulheres na cena, as mulheres sempre estiveram ali um pouco como coadjuvantes. É massa estar nesse cenário, compartilhar desse momento com as meninas. Acho que a gente só se fortalece e se enriquece.

Você é uma artista LGBTQIA. Concorda que é preciso sair do muro e levantar bandeiras? 

Sim, não imagino minha existência sem dizer quem eu sou, que aquele lugar eu pertenço e de onde eu venho. Acho que isso faz parte da construção da minha identidade também, afirmar quem eu sou. E acho que é uma atitude que encoraja outras pessoas a se afirmarem nas suas belezas do jeito que são, nos seus desejos e nas suas realidades. Então, acho que a gente precisa sair do muro, levantar as bandeiras do nosso jeitinho, com a nossa arte e fazer do mundo um lugar melhor. Só assim, se colocando e falando que a gente existe, é que a gente vai fazer do mundo um lugar melhor para todos. 

Vivemos um momento positivo para as mulheres na luta por seus direitos. Na música também considera que seja um momento interessante? 

Considero que é um momento interessante, não sei se para todas as mulheres – e aí eu falo as mulheres negras e as travestis e as mulheres trans – não sei se é o melhor momento ainda, acho que a gente vai viver momentos melhores, mas olhando para o passado, a gente evoluiu um bocado. A gente vê mais mulheres nas line ups, em posições de destaque nos charts, mas a gente ainda tem uma desigualdade muito grande na música, na indústria. As pessoas que sentam nas grandes cadeiras ainda são homens, então é uma mudança muito sutil ainda perto do que a gente pode conquistar.

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“Não imagino minha existência sem dizer quem eu sou, que aquele lugar eu pertenço e de onde eu venho”, afirma a artista. (Foto: Divulgação).

Você vem chamando muita atenção pela estética diferenciada, algo que não vemos em muitos artistas. Quais são suas principais inspirações? Quais são os ritmos mais fortes para a sua formação enquanto artista? 

Minhas principais inspirações – não necessariamente estéticas, mas estéticas também – porque passa por tudo, nada está separado. Tudo muito misturado, assim, na cultura popular, que é de onde venho, e é onde eu trago essa inspiração maior, assim, da relação entre as linguagens. A moda é muito importante pra mim, porque ela comunica muito pra gente, muito o nosso jeito e o nosso lifestyle. 

Minhas principais inspirações, atualmente, são figuras muito clássicas da música mundial: Erykah Badu e Elza Soares. Essas são as duas maiores, pensando também numa referência que traz o neo soul, que é uma coisa que escuto muito, soul, neo-soul, hip-hop. 

Falando aqui do Brasil, eu escuto muito música brasileira, tanto de artistas assim, que hoje já estão com seus 70, 80 anos, mas também escuto muita música brasileira atual. Também tenho como referência artistas que estão ascendendo junto comigo nesse mesmo movimento porque a gente consegue olhar pro lado e ver o que é que tem acontecido nas outras carreiras e trocar e entender pra onde a música tá indo também nesse momento. 

Para minha formação enquanto artista, meus ritmos mais fortes são de fato as músicas da cultura popular pernambucana. Então, eu escutei muito Chico Science, Nação Zumbi, Cordel do Fogo Encantado, Mestre Ambrósio. Pode colocar aí todos esses ritmos que fazem parte da cultura popular, mas depois quando dei uma mudada no meu trabalho pra ele ficar mais pop, ouvi muito rap, funk, soul, neo soul e agora estou num momento ouvindo muito afrobeat. 

Além do brega, suas músicas trazem a inspiração do cenário internacional. Como você faz para trazer essas referências para uma pegada mais brasileira? 

Tudo que eu trago no meu trabalho, atravesso muito a cultura preta e a cultura preta do mundo todo tem uma relação muito forte. A gente vê as negronas dos Estados Unidos, com seus estilos, suas laces, suas unhas… E as negronas do Brasil já estão há muito tempo também tem uma relação com essa estética. 

O que une as inspirações, as referências do cenário internacional e as referências do cenário é a cultura negra. A gente se comunica internacionalmente de uma maneira fabulosa. Lógico que hoje a gente tem internet, mas a gente se inspira nas artistas e nas figuras de fora e elas também se inspiram muito na gente. Tanto que teve uma época que fora do Brasil estavam caríssimos os biquínis com a bandeira do Brasil. Então é isso, a gente sempre está olhando para fora, mas a gente também tem que entender que muitos países e pessoas estão olhando também pra gente. É uma troca muito fluida mesmo que a gente faz. Claro que hoje a gente vive num mundo globalizado e tudo chega muito rápido e é uma troca muito fluida, porque eu acho que o atravessamento dessa troca é a cultura preta. 

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 O que você gosta de ouvir? 

Atualmente, no momento, estou ouvindo muita música brasileira: meus mestres, assim, que me seguem desde a adolescência: Gil, Caetano, Tom Zé e  também muito afrobeat, muito Amapiano, que é outro ritmo que tem uma relação aí com afrobeat. E tô ouvindo muita música latina, os artistas da América do Sul que estão despontando agora, que não tem tanto conhecimento. 

Você é atração em diversas festas no Carnaval de Recife esse ano. O que os foliões podem esperar dessas apresentações? 

São apresentações bem diferentes. Tive algumas apresentações com a Orquestra Frevo do Mundo, com um repertório de frevo, mas já com arranjos diferentes, arranjos mais contemporâneos, fazendo uma relação do frevo com outros gêneros. Também pude participar do Baile Municipal, em que eu cantei com o Maestro Spok, então a gente também cantou frevo, mas já com outra pegada, porque a Spok Frevo Orquestra tem uma tradição e arranjos que só eles fazem, pela pressão que é a orquestra e tudo.  Cantei frevo e também tive a oportunidade de ter shows meus. Então, vai rolar muito afrobeat, brega funk, pop. É um carnaval bem diverso. 

Pode contar os próximos lançamentos e o que podemos esperar?

Não posso contar muita coisa, mas posso dizer que esse ano vem disco. É uma coisa que eu estou muito empolgada e muito empenhada em fazer, que é esse disco que apresenta esse meu momento na música pop. E tem muito lançamento por conta desse disco, o ano tá só começando!

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