Um papo com a banda pernambucana torre sobre saudade, novo disco e cena indie de Recife

Torre por Sophia Lautert
Foto: Sophia Lautert.

Dizem que a palavra “saudade” só existe na língua portuguesa. Por si só isto já é suficiente para exemplificar como esse sentimento é complexo. A banda pernambucana torre propõe um mergulho nessas memórias afetivas que levamos conosco pra sempre no novo trabalho. O quarteto traz uma viagem intimista em “Cachoeiras”, que acaba de sair.

Além da faixa – presente em todas as plataformas digitais – a banda lança ainda um lyric video da canção feita pela fotógrafa Sophia Lautert.

“Não me lembro da última vez que me banhei nas águas do rio Macacu”, são os primeiros versos da canção, composta por Felipe Castro, que hoje reside no Recife, mas buscou a nostalgia da infância no interior do Rio de Janeiro para escrever.

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O novo trabalho marca também uma mudança de linguagem na composição marca o início de um novo trabalho, o disco Pág. 72, com lançamento para novembro de 2019. As letras, mais abstratas no trabalho anterior da banda (Rua I, 2018), aqui são mais diretas, trazendo consigo a simplicidade das primeiras lembranças.

Com esse novo trabalho, torre aposta na nostalgia, puxando os ouvintes para os cenários e vivências da infância, diferentes para cada um, mas com sentimentos próximos. Fazer aflorar imagens, cheiros e gostos de quando éramos crianças, para perceber o quão distante ou não estamos dessas narrativas. A banda formada por Antônio Novaes (guitarra e synth), Danillo Sousa (baixo), Felipe Castro (guitarra e voz) e Vito Sormany (bateria), surgiu no final de 2017, no Recife e desde então já figuram como um dos destaques da nova cena independente da cidade.

Batemos um papo em primeira mão com a banda para saber mais sobre essa nova fase:

O que instigou essa mudança de linguagem da banda? Podem nos contar mais dessa nova fase?
Fastro: A mudança de linguagem surgiu com uma mudança no método de composição. Depois do lançamento do rua i, me senti obrigado a desenvolver um novo jeito de escrever, de tentar extrair, de forma mais precisa, meus desejos como compositor. Rua i tem um tema central muito forte, mas as músicas foram escritas no decorrer de anos. Não queria me dar o luxo de ter três ou quatro anos pra escrever material pra um disco novo. Uma vez decidido que o tema seria infância, memórias, meu método foi revisitar fotos infantis minhas e de amigos meus, pra criar e recriar narrativas nesse contexto do que está perdido no tempo, mas ainda vivo no peito.

O novo single trabalha muito com a memória, a nostalgia. O que motivou esse olhar para o passado?
Fastro: Todo o disco foca nesse tema de uma forma muito direta. O método era simples, observar as fotos e extrair dela lembranças ou inventar narrativas descritivas sobre o conteúdo fotografado. A motivação veio do livro Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, que me inspirou a buscar no tema das memórias o conteúdo pra o novo trabalho. Na verdade começou na intenção de ser um exercício de composição mais que uma promessa de disco novo. Mas acabamos vendo potencial nas canções e decidimos trabalhar nesse tema como grupo.

O sentimento de me sentir um “outsider”, carioca morador de Recife, foi grande motor nessa busca. Por mais que me identifique com Pernambuco, muito da minha linguagem, hábitos alimentares, estruturas sociais etc. vem do que foi construído na minha infância no Rio, e queria prestar homenagem a minha história. Cachoeiras de Macacu, município onde cresci, é guardado num lugar especial no meu sentimento, e olhar pra trás me pareceu uma boa forma de olhar pra frente e me reconhecer nesse novo lugar. Faz dez anos que me mudei, minha adolescência foi toda em Recife, mas esse foi o momento de ser autoconsciente sobre toda minha caminhada, e busquei trazer isso nas composições também.

Como foi a produção desse novo disco, que sai agora em novembro?
Fastro: Uma vez compostas as canções, que no começo eram cinco, fomos na casa de Guilherme Assis falar sobre nossa vontade de fazer um trabalho novo. Tínhamos algumas guias de ensaio, apresentamos o contexto e os desafios que seriam fazer esse disco em tão pouco tempo. Ele embarcar nessa empreitada com a gente foi um dos grandes marcos da produção, obviamente. Com certeza não teríamos conseguido sem o trabalho duro e a direção musical dele.

A partir daí fechamos um cronograma e passamos duas semanas seguidas, todos os dias no Zelo Estúdio, fechando os arranjos pra o disco, que foi gravado quase todo ao vivo. Depois do material bruto captado, foi a hora das gravações complementares, cordas e sopros. Agora o disco tá nos processos de finalização. Com certeza foi um processo de muito aprendizado pra todos nós. Fazer um disco em quatro, cinco meses exige muito foco e muito trabalho. Saímos desse processo revigorados de energia e experiência pra fazer mais.

O disco anterior tem um trabalho muito bom de buscar uma sensorialidade, texturas, até mesmo sinestesias. Isso se mantém nesse novo álbum?
Fastro: Rua i foi pensado pra ser um disco introspectivo, cheio de nuances. Nesse novo disco nossa aproximação foi fazer o inverso, gravar ao vivo, fazer os arranjos pulsarem mesmo. E isso nos trouxe outras possibilidades de buscar timbres mais orgânicos, de captação viva, e fazer o espaço de gravação parte do disco também. Com certeza isso tem tudo a ver com a coisa sensorial. Existiu a mudança de linguagem e também a mudança de toda nossa lógica de produção e gravação, tudo em prol da busca pela sensação mais viva.

Recife vem vivenciando uma renovação da cena independente (da qual vocês fazem parte). Como veem essa movimentação?
Fastro: Maravilhosa! Muitas bandas movimentando a cidade e indo pra outras partes do Brasil também. É lindo fazer parte disso, às vezes você tá num bar e encontra amigos das outras bandas e sempre rola uma troca, além de toda a energia de companheirismo nas produções dos eventos independentes, que é incrível.

Recentemente a Bule fez uma turnê incrível pra o Centro Oeste e Sudeste; Mazuli acabou de lançar disco; Guma tá com material novo pra lançar em breve. Tem o projeto de Guilherme com Jáder Cabral e Ian Medeiros, que acabou de ser lançado com o nome Mulungu. Enfim, muita coisa boa na nossa cidade, muita gente jovem fazendo a música acontecer. Fazer parte disso é sensacional.

OGrito!: Já planejam shows/turnês pra esse ano? Curioso de como esse trabalho novo vai soar no palco.
Fastro: Pra esse ano estamos preparando nosso show de lançamento, que ainda não pode ser anunciado, mas garanto que vai ser incrível! Ano que vem a vontade é levar pra todo o Brasil, sem dúvida. Como o processo exigiu muito, focamos no disco. Agora que já tá tudo quase pronto, vamos começar a sentar e fechar os shows. Mas aguardem coisas boas, estamos felizes demais com tudo isso.

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