A atriz Thainá Duarte não fará mais parte do elenco de Geni e o Zepelim, filme dirigido por Anna Muylaert e baseado na canção homônima de Chico Buarque. A decisão foi anunciada após críticas sobre a escolha de uma atriz cisgênero para interpretar uma personagem amplamente representada como mulher trans em montagens teatrais anteriores, o que gerou acusações de “transfake”.
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Segundo nota divulgada pela Migdal Filmes, responsável pela produção, a decisão foi tomada a partir de um processo de escuta e diálogo com diferentes setores da sociedade. “A produção do longa Geni e o Zepelim tomou a decisão de redesenhar o projeto. A decisão coletiva foi fruto da escuta atenta e do aprendizado de intensas trocas com pessoas de diferentes setores da sociedade. Compreendemos que o momento político global, e em especial o cenário transfóbico no Brasil, impõe a todas as pessoas uma postura ativa e comprometida. Consideramos que esta mudança de abordagem da identidade de gênero da personagem no filme é a atitude acertada.”
A equipe também agradeceu o apoio de Thainá Duarte, a quem classificou como “uma atriz de grandeza e talentos únicos”.
A diretora Anna Muylaert se manifestou nas redes sociais, reconhecendo que a escolha inicial foi equivocada. “Ouvi muitas vozes e pude entender a dimensão da importância dessa personagem para a comunidade trans. Fazer essa história com uma mulher cis foi um erro, um equívoco. Quero pedir desculpas a todas as pessoas que se sentiram apagadas por causa dessa ideia. Eu tive uma visão errada. Vamos mudar o rumo das coisas, vamos trocar a personagem e adaptar o roteiro.” Muylaert também se desculpou com a atriz: “Por causa de uma ideia minha ela foi exposta a haters na internet.”
Thainá Duarte, em vídeo publicado em suas redes sociais, também comentou a repercussão. “Agora eu entendo melhor o tamanho dessa reivindicação. Estou me colocando do lado de quem está ferido. Reconheço o lugar de fala, a urgência e a dor de estar pedindo pelo mínimo, que é respeito”, afirmou. A atriz relatou ainda ter sido alvo de mensagens de ódio: “Isso não justifica alguns dos ataques que recebi, como ‘transfóbica oportunista, você é nojenta, você merece morrer’. Mensagens que supunham que eu não estava aberta para o diálogo. E eu estou. Está doendo bastante. E eu espero que a atriz que interprete a Geni faça tão bem, que isso possa sanar um pouco a dor que estamos sentindo.”
Em declaração anterior, Anna Muylaert explicou que a proposta inicial do filme era retratar Geni como uma mulher cisgênero, prostituta moradora da Amazônia. “Durante o processo de criação deste filme, a gente entendeu que a letra do Chico e o conto do [autor francês] Guy de Maupassant, Bola de Seda, no qual o Chico diz ter se inspirado, poderiam ter várias leituras: poderia ser uma mulher trans; poderia ser uma mãe solteira; poderia ser a Fabiana Silva da Favela do Moinho, uma carroceira; poderia uma presidente tirada do poder sem crime de responsabilidade; poderia ser uma floresta atacada diariamente por oportunistas”, disse a diretora. “E a gente por uma questão de lugar de fala, escolheu fazer uma prostituta cis na Amazônia. A gente entendeu que essa poesia poderia ter várias interpretações, e que a gente poderia fazer essa versão amazônica cis com a atriz Thainá Duarte.”
A polêmica gerou reações de artistas e personalidades públicas. A cantora Liniker comentou: “Todo respeito ao trabalho de Tainá Duarte, mas quando trazemos a reflexão em nossos textos desde que saiu essa matéria e nos posicionamos pelo apagamento, é por espaço e oportunidade que nos colocamos, por termos atrizes trans que poderiam sim dar vida a essa personagem tão icônica e já retratada tantas vezes como uma pessoa trans em montagens pelo Brasil.”
A atriz Camila Pitanga também se pronunciou: “Você pode fazer o filme que quiser, com certeza… Mas pondero que esta interpretação serve, sim, ao apagamento doloroso de mulheres trans. São poucos personagens com esse protagonismo, entende? É uma escolha que fere. Ah, eu amo como filha a Thainá e amo acompanhar o seu trabalho e voz. Bom debate. Obs: cuidado com o argumento de liberdade de expressão, de interpretação, tem um campo inimigo que usa a beça esse léxico.”
Gabriela Medeiros, atriz trans que interpretou Buba no remake da novela Renascer, destacou a importância da personagem para a comunidade: “São anos e anos de apagamento da nossa comunidade Anna. Essa personagem é forte para nós. Sendo que ela é sim uma pessoa trans. Somos apagadas da cultura. E esse papel ser interpretado por uma de nós, é uma retratação importante. Geni mora no coletivo do imaginário do povo brasileiro.”
A nova intérprete de Geni ainda não foi anunciada.