Resenha: Uma crise para tirar os X-Men do marasmo criativo

Com crise e ameaça de extinção, histórias dos mutantes iniciam retomada da boa fase com nomes como Jeff Lemire e Cullen Bunn

Difícil encontrar um título nos quadrinhos de super-heróis tão “resetado” quanto os X-Men. O super-grupo mutante já foi a estrela da Marvel dos anos 1980 até meados dos anos 2000, tendo seu auge de popularidade nos anos 1990 com o roteirista Chris Claremont à frente. Nos últimos anos a fama decresceu frente a concorrentes mais midiáticos, como os Vingadores, que estrelavam blockbuster atrás de blockbuster, o que fez a editora dar uma maior atenção a personagens como Homem-de-Ferro, Capitão América e Thor.

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Na busca por renovação, a editora apostou em tramas ousadas, que desestabilizaram personagens-chave, como Ciclope e Wolverine. Também trouxeram para o tempo presente os X-Men originais, daquela primeira turma adolescente dos anos 1960 e introduziram vários heróis novos. Foi uma reviravolta que deu às histórias um permanente estado de crise: ameaça de extinção, crescimento do ódio da população aos mutantes e referências ao terrorismo. Mas a maior ameaça são as chamadas “névoas terrígenas”, que deu poder aos inumanos, mas que é letal aos homo-superior. Isso fez aumentar ainda mais a mortalidade da espécie.

O estado atual dos Mutantes na Marvel é de crescimento de popularidade, o que inclui uma reformulação nos títulos e novas equipes criativas. A fase que chega ao Brasil é um momento imediatamente anterior, que prepara o terreno para as mega-sagas Inhumans Vs X-Men e RessurrXion, que colocaram em confronto direto mutantes e Inumanos, personagens da Marvel que nunca tiveram lá muito apelo, mas que agora terão uma série de TV pela ABC.

A Panini decidiu unir os três principais títulos mutantes em uma mesma revista, X-Men, que traz “Fabulosos X-Men”, com roteiros de Cullen Bunn e desenhos de Greg Land; Novíssimos X-Men, de Dennis Hopeless e arte de Mark Bagley e por fim o melhor, Os Extraordinários X-Men, escrito por Jeff Lemire e desenhado por Humberto Ramos. Vamos a uma análise de cada um desses títulos:

Fabulosos X-Men: tom sombrio e terrorismo

Com um grupo liderado por Magneto e composto por Dentes-de-Sabre, M, Arcanjo e Psilocke, os Fabulosos X-Men lembram bastante a X-Force em seu auge. O tom do roteiro é sombrio e os heróis trazem ambiguidades morais e são tidos como inimigos públicos pela opinião pública. A missão dessa turma é impedir que mutantes sejam colocados em animação suspensa como forma de fugir das névoas terrígenas. Magneto, novamente, tem uma motivação marcada pela prepotência e pela ideia de superioridade mutante. Aqui, frustrado pelo enfraquecimento de seus poderes e pelo extermínio de Genosha quando era regente por lá, ele agora luta contra a possível extinção de uma maneira mais violenta que os demais X-Men.

No primeiro arco, além de enfrentarem a Corporação Futuro (que atua nesse “congelamento” de mutantes), os “anti-heróis” tentam impedir o assassinato de mutantes curandeiros. O escritor Cullen Bunn se empenhou em se aprofundar em cada personagem e em construir a relação frágil e conflituosa entre elas, mas o roteiro pende para clichês narrativos e texto bem repetitivo (sobretudo Magneto). Depois de todo esse tempo era de se esperar que o mestre do magnetismo tivesse um desfecho interessante. Ainda não entendo como esse personagem ainda vaga por aí, em uma decadência gritante, enquanto nomes como Charles Xavier se foram para nunca mais voltar. Os desenhos de Greg Land são lindos, mas falta ousadia narrativa no modo como conta as histórias. Mediano. Nota: 6.0

Novíssimos X-Men: renovação e nostalgia

O título liderado por Dennis Hopeless e Mark Bagley mescla renovação com a nostalgia das aventuras clássicas dos X-Men. Há personagens novos aqui (Kid Apocalipse, Idie Okonkwo, Picles), uma nova versão de um herói clássico (a Wolverine Laura Kinney) e os jovens Ciclope, Anjo, Fera e Homem de Gelo, que vieram diretamente do passado e se instalaram de vez em nossa época. A trama do primeiro arco gira em torno do jovem Scott Summers, que estava sumido, e na luta contra o grupo terrorista Fantasmas de Ciclope. O Ciclope original, aparentemente morto após a saga Guerras Secretas, serve como inspiração para jovens extremistas que apoiam o embate direto na atual crise entre humanos e mutantes. A história é legal pelo modo como introduz esses novos personagens, todos jovens, no universo X, mas a narrativa é cheia de lugares comuns e apelam para elementos já esgotados relacionados aos mutantes. Bagley segue sendo ótimo para histórias com adolescentes que pedem mais ritmo, mas seu estilo também traz um deja-vu, com pouca inovação nos quadros. Médio para ruim. Nota: 5.5

Extraordinários X-Men: se é pra arriscar…

A Marvel deu bastante liberdade para Jeff Lemire criar seu título X. Autor de séries de sucesso como Sweet Tooth e de álbuns como O Soldador Subaquático, Lemire fez um bom percurso do independente autoral para o mainstream de super-heróis. Sua visão deu uma arejada na narrativa dos X-Men, ainda que ele tenha trabalhado com o que há de mais batido nas histórias desses personagens, como o Limbo de Illyana Rasputin, Sentinelas, Cérebro e, mais pra frente, a Terra Selvagem. Então, ok, o que temos de realmente arriscado aqui? Nessa trama, Tempestade é a responsável por manter vivo o sonho de Xavier de uma coexistência pacífica entre homo sapiens e homo sapiens superior. Mas, para isso ela precisa resolver um problemão maior antes, o de reagrupar os heróis e dar abrigo aos mutantes perseguidos.

Mantendo um santuário longe das névoas terrígenas, Ororo consegue dar um sopro de esperança à imensa crise pela qual a espécie atravessa. A série ainda inclui duas versões novas de personagens bem icônicos, Jean Grey (aqui encarnada em sua persona adolescente vinda do passado) e Wolverine (em sua versão do futuro, o Velho Logan, incrivelmente mais violento). É a série que melhor lida com a ameaça de extinção dos mutantes e a que melhor consegue aprofundar dramas e personalidades de cada personagem. Até Humberto Ramos, que costuma ser bem irregular, fez um trabalho menos rebuscado e mais sóbrio, o seu melhor traço em anos. Se tem uma série que vale a pena ser seguida, esta série é Extraordinários X-Men. Bom. Nota: 8.0

O novo formato encontrado pela Panini é bem melhor para o leitor que quer iniciar uma coleção. Temos agora um único título X, com três histórias e papel couché (o famoso LWC). Só não entendo a escolha das capas: com artes tão bonitas, mais icônicas, as opções vistas até agora não se revelaram as melhores. Com as histórias de RessurXion, Death of X e novos títulos promissores de Homem de Gelo e Fênix anunciados nos EUA, vale a pena apostar em retomar a leitura dos mutantes no Brasil.