Rec-Beat 2024: terceira noite atesta versatilidade do festival e traz shows inspirados de Ana Frango Elétrico e Letrux

Penúltimo dia do evento, a segunda-feira (12) levou ao Cais da Alfândega, no Recife Antigo, participações inovadoras do espanhol Niño de Elche e da franco-ganesa Pö, além da performance afiada da pernambucana Yannara

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Imponente, Letrux entrou no palco usando uma tiara com duas girafas, animal eleito seu bicho-símbolo. (Foto: Luana Tayze/Divulgação).

Com quase trinta anos de existência, o Rec-Beat demonstra, a cada ano, uma habilidade impressionante de se renovar e acompanhar de perto as novidades da música mundial e regional – e o terceiro e penúltimo dia desta edição 2024 não foi diferente. Só na noite dessa segunda-feira (12), o público foi contemplado com uma mescla de experimentações eletrônicas no flamenco, pop autoral vindo do interior de Pernambuco, além de apresentações inesquecíveis de Ana Frango Elétrico e Letrux.

Quem abriu a programação foi a DJ e produtora musical Dandarona, que ficou também responsável por comandar os intervalos entre os shows. Nome que vem crescendo na cena clubber recifense, ela parecia se sentir em casa com sets que percorreram o techno, o funk e a house music e fizeram do Cais da Alfândega uma grande pista de dança ao ar livre. Apresentadora convidada da noite, a jornalista e influenciadora digital Ademara foi outra atração à parte durante os intervalos, estabelecendo uma simbiose orgânica com o público.

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Uma das primeiras atrações, a pernambucana Yannara levou muita dança ao palco do Rec-Beat. (Foto: Luana Tayze/Divulgação).

Na sequência, foi a vez da multiartista Yannara abrilhantar a noite. Vinda de Surubim, cidade do Agreste pernambucano, ela exibiu uma versatilidade que poucos conseguem alcançar, criando uma fusão surpreendente entre elementos do pop, hip hop, brega e da cultura popular local. Acompanhada de dançarinos na maior parte do tempo, a cantora serviu um espetáculo performático de excelência, que trouxe coreografias bem trabalhadas, rimas afiadas e até mesmo incluiu a participação de um Bumba Meu Boi no palco.

O repertório, composto majoritariamente por músicas do disco de estreia da pernambucana Força Motriz (2021) e do EP Não Dá pra Amar Você (2023), presenteou o público que começava a se aglomerar em frente ao palco também com duas faixas inéditas: “Louca” e “Chá”. A primeira, uma sofrência brega; já a última, uma colaboração com o caruarense Dionísio, que subiu ao palco e apresentou uma letra picante que brinca com referências ao clássico Alice no País das Maravilhas.

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Niño de Elche trouxe experimentações eletrônicas no flamenco, expressão artística de forte tradição na Espanha. (Foto: Luana Tayze/Divulgação).

À medida que a noite avançava, o clima ia esquentando às margens do Capibaribe. Um dos artistas mais proeminentes na música espanhola atual, Niño de Elche, que trouxe na sua bagagem colaborações com Rosalía e C. Tangana, subiu o sarrafo ao desembarcar no palco com seu novo projeto em formato de duo eletrônico. Através desse trabalho, ele vem buscando expandir as possibilidades no campo de uma das expressões artísticas mais tradicionais da Espanha, o flamenco, e proporcionou uma experiência sensorial repleta de experimentações sonoras potentes que fugiram do convencional.

Logo em seguida, a franco-ganesa também desembarcou e elevou a sensação térmica do festival com uma proposta sonora mais vibrante, carregada de influências afro. Apresentando seu projeto de música eletrônica Cociage, resultado de seu álbum de estreia lançado no ano passado, ela trouxe uma fusão de diferentes sonoridades com ritmos brasileiros como funk e coco – o que criou uma sinergia intensa com o público, que se jogou na dança e fez o Cais da Alfândega estremecer.

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Ana Frango Elétrico estreou, no Recife, o show do seu último disco Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua. (Foto: Luana Tayze/Divulgação).

A volta de Ana Frango Elétrico

Uma das atrações mais aguardadas da noite, Ana Frango Elétrico subiu ao palco por volta das 23h. Nem mesmo a chuva, que decidiu fazer uma breve aparição antes do show, conseguiu dispersar o público que se apertava na frente do palco e mal via a hora de reencontrar a revelação da cena carioca. Ana, que já havia se apresentado em 2020, antes do festival ser interrompido pela pandemia, voltou com um show refinado para cantar um dos melhores discos nacionais lançados no ano passado, o Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua.

O momento foi histórico, porque marcou a estreia ao vivo na capital pernambucana do novo trabalho. Transitando entre letras mais íntimas e outras mais vibrantes, Ana Frango Elétrico não precisou de muito para entregar um dos melhores espetáculos da noite. A simplicidade em cima do palco e a musicalidade espontânea se converteram numa festa extravagante, protagonizada também pela multidão.

Entre as canções do novo disco, entraram no repertório “Coisa Maluca”, “Boy of Stranger Things”, “Dela”, “Dr. Sabe Tudo”, “Electric Fish” e a arrebatadora “Insista em Mim”. No setlist, coube espaço também para faixas do anterior Little Electric Chicken Heart (2019), que marcou sua estreia no Rec-Beat, e o estreante Mormaço Queima (2018). Após dominar o palco e a plateia por quase uma hora, Ana, que recebeu a aclamação da multidão desde sua entrada,  deixou o palco sob gritos de “mais um” vindos de uma plateia ávida para ver e ouvir mais da “bossa-pop-rock” proposta em seu trabalho.

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Letrux elevou ainda mais o astral no Cais da Alfândega com o show do seu novo álbum. (Foto: Luana Tayze/Divulgação).

Um passeio pelo reino animal com Letrux

A noite foi de estreia para a também carioca Letrux, que apresentou pela primeira vez no Recife a turnê do seu terceiro álbum Letrux Como Mulher Girafa. Misturando elementos do rock alternativo com sintetizadores pop, o disco aborda a complexidade do reino animal, transformando a fauna em metáforas sobre amor, liberdade e questões existenciais. Um trabalho que, embora não supere o aclamado Em Noite de Climão (2017), é potencializado e ganhou novas dimensões ao vivo.

Sempre muito performática, Letrux transformou sua participação em um espetáculo apoteótico. Assim, o astral, que já estava elevadíssimo com Ana Frango Elétrico, atingiu o ápice. Ovacionada pelo público, ela entrou ornamentada e imponente. Na cabeça, uma tiara com duas girafas, animal eleito seu bicho-símbolo. Do novo disco, entraram faixas como “Teste psicológico animalesco”, “As feras, essas queridas”, “Leões”, “Hienas” e “Zebras”, mas também não faltaram hits como “Flerte Revival”, “Vai Render” e “Que Estrago”, cujos arranjos ganharam o incremento de instrumentos percussivos.

Um dos pontos altos do show foi quando ela apresentou um medley de “Só As Cachorras”, do Bonde do Tigrão, com uma versão funk de “Dog Days Are Over”, sucesso de Florence and the Machine, emendando com “I Wanna Be Your Dog”, de The Stooges. A fusão inusitada entre as canções incendiou a multidão e foi introduzida por Letrux como uma espécie de homenagem ao cachorro. “Vocês não acham que o animal símbolo do Brasil é o cachorro caramelo?”, perguntou à plateia

Do início ao fim, a multiartista carioca interagiu com o público e se mostrou muito à vontade no palco para soltar todos os bichos, feras e asas. Até com truques de mágica, ela brincou – primeiro surpreendendo todos ao desenrolar uma corda vermelha de dentro da boca, depois fazendo sair fogo de dentro de um livro. Mais uma vez, Letrux entregou um espetáculo catártico, que reafirma seu talento enquanto cantora e performer.