Os Sertões – Carlos Ferreira e Rodrigo Rosa

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A LUTA EM QUADROS
Depois de anos de forte entrega pessal de seus autores, chega ao público Os Sertões, adaptação em quadrinhos da obra de Euclides da Cunha

Por Lidianne Andrade
Da Revista O Grito!

Todo escritor tem uma grande missão, transformar um conjunto de páginas em algo atrativo palatável e talvez até conquistar fãs, mas talvez a da dupla Carlos Ferreira e Rodrigo Rosa tenha sido um pouco mais árdua: condensar 546 páginas de um clássico da literatura brasileira em 80 com entre texto e ilustração, formando um material atrativo para os leitores de quadrinhos. Os Sertões não é um livro fácil. Escrito em 1902, a obra trata sobre a conturbada Guerra de Canudos e sua chacina no sertão baiano como prova de resistência do líder religioso Antonio Conselheiro e seu povo. Mas, ilustrador e escritor conseguiram resumir o clássico que está agora em livro lançado pela editora Desiderata.

O livro original é divido em três partes, A Guerra, O HomemA Luta. A adaptação, porém, prende-se à terceira parte, uma escolha da própria editora. “A Desidrata sempre foi clara em dizer que a obra trataria sobre ‘A Luta’, mas conseguimos colocar um pouco de outras partes também. Começamos o livro 37 anos antes do conflito, uma escolha pessoal porque não gosto de ir direto à história”, explica Carlos ferreira, em entrevista à Revista O Grito!.

O trabalho surgiu de uma forte entrega pessoal dos autores, contabilizando três anos desde o contrato firmado até a chegada do livro nas lojas. Os autores foram até a região do conflito, nas cidades de Nova Canudos e Serra do Cambaio, em uma viagem de dez dias com gravação em documentário ainda inédito, fotos para a transcrição visual do ambiente e pesquisa nas livrarias locais. Um pouco do trabalho pré HQ pode ser conferido no blog dos bastidores. “Na viagem conseguimos ótimos depoimentos. Nenhum neto ou filho, mas aquele povo é tudo o que sobrou. As faces são páginas do livro, traços e rugas sofridas. Para chegar lá é estrada de chão batido, terra esquecida, já que Canudos tá embaixo das águas”, conta Carlos.

O passeio deu resultado e muitas fontes foram surgindo, como a publicação da caderneta original de Euclides da Cunha com anotações de sua apuração. Um livro perdido nas livrarias, mas que os autores encontraram em um sebo baiano. Conseguiram ainda o quadrinho de João Batista Mottini, o segundo quadrinista a colocar o episódio de Canudos em HQ, de 1977. Ao todo foram 12 livros lidos, inúmeros sites e muito trabalho de pesquisa em jornais e ensaios. “Lendo o livro de seu Euclides, o primeiro contato para a adaptação, nas primeiras leituras, foi como ver a Muralha da China”, declara o roteirista.

Além de pesquisa, o trabalho de produção foi árduo. Foram oito meses de desenhos para Rodrigo Rosa, seis meses no primeiro tratamento e dois meses no segundo tratamento. O processo de criação do roteiro também não foi linear, aumentando mais ainda o trabalho. Carlos Ferreira foi construindo o roteiro em partes, entregando ao ilustrador por cenas, criando assim sua própria atmosfera de degustação para criação da obra. “Isso foi uma tortura para Rodrigo. Quando chegamos à página 53 ele estava tenso, pois até então nada da quarta batalha e ainda faltavam 11 páginas para terminar o livro. Por muitos momentos ele pensou que eu não sabia o que estava fazendo”, conta Carlos aos risos. “Um dia surge o cara ansioso na minha casa querendo saber quando surgiria a quarta batalha”.

Os Sertões não é o primeiro livro adaptado para quadrinhos de Carlos Ferreira, que já traz no currículo roteiros das histórias João e Maria e As Portas do Céu, conto de Júlio Cortázar. Mas também não é o primeiro trabalho dos autores juntos, amigos há 20 anos com estúdio conjunto e co autores da animação Os Degoladores, cujo trabalho rendeu a indicação para a editora e o convite para a adaptação. “Eles viram algumas imagens no blog do Rodrigo e fizeram o convite. Então recebi um email. Mágico momento. Aceitei no mesmo instante sem pensar em nada além de publicar”, conta Ferreira.

O livro pode ser comprado nas principais livrarias do gênero de todo país ao preço sugerido de R$ 44,90.

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Os autores Carlos Ferreira e Rodrigo Rosa durante sessão de autógrafos / Divulgação

Carlos Ferreira, entre Von Trier e beatniks
Dividindo o tempo entre TV e quadrinhos, Carlos Ferreira sabia tão logo começou a segurar uma caneta o que queria fazer da vida. Desde pequeno escrevia histórias, chegando a ganhar um concurso que posteriormente virou HQ desenhada por ele mesmo. “Desde criança eu sempre gostei de brincar de aventura, contar histórias. Acho que nunca parei de brincar, só mudei a plataforma”, explica.

Atualmente divide o tempo entre os quadrinhos e a produção de um programa de documentários (Histórias Extraordinárias, disponível no Youtube) na emissora RBS-TV, filial da Rede Globo em Porto Alegre, onde reside desde criança.

Quantos roteiros para quadrinhos já escreveu a vida? “Publicados uns 30, inéditos uns 200, mas não consigo afirmar ao certo”, admite o escritor, mas cita os mais recentes: Dundum, Picabu e Olho Mágico. Não pública os inéditos por falta de editora? pergunto. “Gosto de escrever e produzir as minhas próprias HQs, não sou muito preocupado com editoras”, confessa.

Desafios Carlos costuma aceitá-los, degustá-los e talvez bater no peito com um certo orgulho quando abraça mais um filho pronto, como chama seus livros. Ao ver o projeto Os Sertões em mãos, pensou muito e encontrou uma inspiração, o diretor David Cronenberg e seu filme Mistérios e Paixões, adaptação de um clássico da literatura um tanto complexo, O Almoço Nu, de William S. Burroughs (1959). “A obra é complexa e conseguiu estar em síntese no longa metragem, o que me deu uma certa força seguir no trabalho”, diz Carlos.

Quando a conversa chega ao tópico influências, muitos nomes surgem na boca do escritor: Julio Cortazar, Borges, Raymond Chandler, Kafka, Machado de Assis… Uma lista interminável de autores e diretores de cinema como Orson Wells, Roman Polanski, David Lynch, Godard, Las Von Trier, referência também usada para Os Sertões. De Trier, Carlos usa o filme Europa como referência, com o uso do preto e branco e contraste de brilhos para dar força na narrativa. “Cinema é oxigênio!”, diz.

Sobre os novos projetos, tudo em segredo. Devem sair em julho deste ano mais dois livros com roteiro do autor que prometem abalar o mundo dos quadrinhos, pois são de personalidades de conhecimento mundial, pesquisa iniciada em2007. “Gosto de me entregar ao trabalho”, comenta. Mas, tudo em segredo absoluto.