Alison Bechdel, a quadrinista que expôs o machismo na indústria cultural com uma única tira

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Teste Bechdel: expondo o machismo na indústria cultural. (Reprodução/Dykes To Watch Out For).
Foto: Elena Seibert/Divulgação.
Foto: Elena Seibert/Divulgação.

Criadora de teste que expõe o machismo no cinema, Alison Bechdel discutiu feminismo e homossexualidade nos quadrinhos

Por Dandara Palankof

Alison Bechdel tornou-se conhecida nos EUA com suas tiras da série “Dykes to watch out for”, publicada entre 1985 e 2008, que tinha como foco as vidas de um grupo de mulheres lésbicas (em toda a sua diversidade), mostrando seu cotidiano, suas relações e suas lutas, sempre com um humor ácido e uma boa dose de posicionamento sociopolítico.

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No Brasil, Bechdel era uma ilustre desconhecida quando a editora Conrad trouxe sua primeira graphic novel: Fun Home, chegou às prateleiras das livrarias em 2007 com o peso de ser um inconteste sucesso de crítica, ocupando altas posições em listas de melhores livros e HQs de 2006. Foi indicada para o prêmio Eisner (o maior da indústria americana de quadrinhos) em três categorias e sagrou-se vencedora como Melhor Obra Baseada em Fatos.

Na trama, Bechdel explora como a homossexualidade reprimida do pai tornou-o distante emocionalmente de toda a sua família, ao mesmo tempo em que mostra a autora, aos poucos, descobrindo sua própria homossexualidade – e a carga desses fatos para a família. Seus desenhos são primorosos na atenção aos detalhes de composição dos cenários, na carga das expressões dos personagens e na escolha de tonalidades que confere certa aura de melancolia à história. Prescindindo de linearidade, somos levados por memórias e descobertas que, aos poucos, formam um quadro cada vez mais complexo sobre as angústias de Bruce Bechdel (o pai) e a o processo de maturidade e compreensão de Alison.

Em Fun Home, Bechdel analisou a relação com seu pai e sua própria homossexualidade. (Divulgação).
Em Fun Home, Bechdel analisou a relação com seu pai e sua própria homossexualidade. (Divulgação).

A mais recente graphic novel de Bechdel chegou ao Brasil pela Quadrinhos na Cia (braço da Cia das Letras para a publicação de HQs), em 2013. Intitulada Você é Minha Mãe?. Apesar de também ter tido boa recepção pela crítica, acabou não sendo indicado a tantos prêmios quanto seu antecessor – o que parece estranho a esta redatora, que considera esse livro ainda melhor do que seu antecessor (escrevi a respeito disso aqui).

Bechdel retoma a tentativa de compreender (ou mesmo organizar) a si mesma, tendo como mote a conflituosa ligação com a mãe, mas transbordando esse processo de auto-descoberta para as outras relações em sua vida. O fio condutor são as experiências da autora com a psicanálise, através de suas sessões e seus estudos sobre o tema. O resultado é uma história densa e emocionante – às vezes perturbadora. Assim como em seu livro anterior, em Você é Minha Mãe?, Bechdel cria uma linearidade própria, atrelada não à temporalidade, mas à sua percepção de evolução nessa jornada. E a arte de Bechdel está ainda mais refinada, madura, com maior domínio dos elementos da narrativa visual.

Teste Bechdel: expondo o machismo na indústria cultural. (Reprodução/Dykes To Watch Out For).
Teste Bechdel: expondo o machismo na indústria cultural. (Reprodução/Dykes To Watch Out For).

Além disso, Alison recentemente ganhou mais notoriedade com a popularização do que convencionou-se chamar de “Teste de Bechdel”: uma ideia expressa em uma de suas tiras da série Dykes To Watch Out For, publicada em 1985, na qual uma personagem (sem nome) diz que só assiste a um filme se ele obedecer a três regras:
1. Ter pelo menos duas mulheres.
2. Que elas conversem uma(s) com a(s) outra(s).
3. Sobre algo que não seja um homem.

Bechdel contou que ouviu as regras de uma amiga com quem praticava caratê, e mais tarde as reconheceu como uma adaptação de trechos do ensaio Um Teto Todo Seu, de Virginia Woolf. Inicialmente aplicado a filmes, o Teste de Bechdel hoje é usado para explicitar a desigualdade de gênero em produtos de toda a indústria cultural.

Bechdel vem construindo obras de excelência artística, cujo pano de fundo poderia ser resumido em: o que faz de nós quem somos e como lidamos com isso – um tema antigo, universal, mas que dificilmente se esgotará, principalmente quando dissecados com inventividade. Mas, talvez acima de tudo, Bechdel deve ser celebrada por ter trazido em sua obra questões de suma importância nesse universo ainda permeado de discriminação que é a indústria dos quadrinhos (assim como quase toda a indústria cultural): discussões sobre gênero e sexualidade, representação feminina e da comunidade LGBTT, combate ao machismo e à misoginia.

Uma quadrinista que não apenas os leitores regulares de HQs, mas todos os que veem a arte como instrumento de reflexão e (des)construção da realidade precisam conhecer.

* Dandara Palankof é editora e articulista de quadrinhos. Ela assinou a coluna Garota Sequencial aqui na Revista O Grito! sobre mulheres nos quadrinhos.

Você É A Minha Mãe serviu como terapia para Bechdel. (Divulgação).
Você É A Minha Mãe serviu como terapia para Bechdel. (Divulgação).