Freya Ridings por Sam Kay 1

Freya Ridings: “Foi assustador admitir nas músicas que eu estava feliz”

Em entrevista à Revista O Grito!, a cantora britânica fala sobre como “Blood Orange”, seu segundo álbum, a ajudou a superar o coração partido e o medo de se expor

Freya Ridings vivia o melhor momento de sua carreira, quando a pandemia de Covid-19 eclodiu em todo o mundo. Em março de 2020, após meses na estrada, cantando para milhares de fãs, ela precisou voltar abruptamente para a casa dos pais em Londres, onde se isolou e precisou lidar com as dores do término do seu relacionamento e a pressão de criar seu segundo álbum, que ela vinha há um tempo tentando amenizar com a adrenalina dos palcos. Ainda que inesperado, esse cenário possibilitou que ela mergulhasse nas próprias emoções sem compromissos com demandas exteriores, em um processo criativo e catártico que deu origem ao recém-lançado Blood Orange.

“Estava passando por um término muito difícil. A adrenalina da turnê me distraía, mas, de repente, eu estava de volta à pequena casa dos meus pais – e eu estava muito feliz de vê-los porque estava com muita saudade -, mas vivia o auge do coração partido e precisava sentar e escutar meus pensamentos. Além disso, eu também estava com tanto medo de escrever o segundo álbum. Acho que eu precisava de uma pausa, ou pelo menos voltar à forma como eu escrevi o primeiro álbum, que foi no piano da casa dos meus pais”, contou a artista.

“Com o segundo álbum, há uma pressão muito maior do que com o primeiro. Mas, naquele contexto, tudo desapareceu, inclusive a pressão. Eu estava tão isolada, frustrada por não fazer shows, então tive essa ideia de fazer lives semanais no Instagram. Sentava ao piano e tocava por uma hora, covers, canções do álbum antigo e também as novas, e conversava com os fãs. Eles estavam comigo nesse processo. E posso dizer, honestamente, que eles me ajudaram a escolher metade das músicas nesse álbum”, reflete.

Ao se permitir experimentar mais, inclusive em termos sonoros, Freya Ridings também se libertava do medo de expressar outras facetas de sua personalidade. Conhecida por suas canções sobre corações partidos, ela temia que as pessoas não se interessassem em ouvir sobre suas outras emoções. Material para a “sofrência” ela tinha de sobra: havia acabado de passar por um término doloroso e, no isolamento social, não tinha muito para onde fugir. E, de fato, o rompimento é o fio condutor do novo álbum, mas ela não se prende à dor, documentando, assim, as várias fases do processo, inclusive a superação.

Base de suas composições, o piano aparece em todo o novo disco, ainda que, por vezes, sem ser o protagonista, como no primeiro single “Weekends”. A faixa é vibrante sem ser explosiva, com inspirações na disco music, e equilibra a melancolia da letra e do tom grave da voz de Freya Ridings com a catarse que a pista de dança pode proporcionar. “Eu não tenho amigos de verdade/ Não saio aos fins de semana/ Eu não tenho um amante para me abraçar/ Sexta-feira à noite, eu sento ao piano/ Pensando no ex para quem eu não deveria ligar”, canta a britânica no refrão.

“‘Weekends’ foi escrita como uma balada, mas era muito triste. E eu precisava encontrar uma forma de fazer com que ela não me deixasse para baixo, nem como ideia e nem como música”, explicou em entrevista à Revista O Grito!. “Queria compor canções que me fizessem sentir mais corajosa por criá-las. Não tinha ajuda da gravadora, não tinha nada. Foi assustador, mas ao mesmo tempo me permitiu ter a liberdade artística de criar o álbum que eu desejava, não o que eu ‘precisava’ fazer.”

O estilo confessional da escrita de Freya Ridings encontra ecos nos trabalhos de alguns de suas contemporâneas e conterrâneas, como Adele, Florence Welch e Hannah Reid (do trio London Grammar). Em Blood Orange, ela abraça de forma mais direta maiores influências pop, com refrões cativantes e melodias que grudam na cabeça já na primeira audição, como na faixa-título, em “Dancing In a Hurricane”, “Bite Me”, “Happier Alone” e na excelente “I Feel Love”, que encerra o disco. 

A britânica, que completou 29 anos no último dia 18 de abril, também expande sua tapeçaria sonora, introduzindo influências do rock (“Wither on the Vine) e do country (“Bitter”, que lembra momentos inspirados da primeira fase da carreira de Taylor Swift). As baladas continuam afiadas, com destaque para “Last Day You Loved Me” e “Someone New”. 

Freya Ridings.
Freya Ridings canta na coroação de Charles 3º. (Foto: Sophie Adams/Divulgação).

Freya Ridings é uma ótima intérprete e compositora, mas, de uma forma geral, melodicamente, a maioria das canções ressoam a elementos de trabalhos de outros artistas. Talvez, trabalhando com novos produtores, ela encontre também veredas que instiguem o seu inegável talento a arriscar mais. Afinal, ela já mostra interesse por tentar adicionar novas camadas à sua arte e não ficar presa à ideia da “cantora sofrida”, como Adele está no imaginário coletivo, ou como era Jessie Ware antes de dar uma guinada total e se transformar na musa chic da pista de dança nos seus dois álbuns mais recentes. Freya tem ciência disso e está lutando para ter o espaço de cantar o que desejar.

“Estou muito orgulhosa desse álbum, por várias razões. Houve tantas vezes que eu quis adiá-lo porque desejava fazer o melhor possível. Essas canções me salvaram nos últimos três anos; elas são o que foram os últimos anos para mim. Elas me resgataram de um fim de relação muito doloroso. As pessoas podem ouvir a jornada do estar na fossa, isolada, amarga, com raiva e, com a terapia, o crescimento, o se apaixonar novamente, poder ser feliz. Foi assustador admitir nas músicas que estava feliz, ainda mais quando ‘meu trabalho’ era escrever músicas tristes.

Quando as pessoas ouvem, elas podem perceber os períodos em que elas foram escritas”, pontuou. “Essas músicas me ajudaram a crescer muito como pessoa, a superar vários medos. Se uma pessoa se conectar com elas, toda dor já valeu a pena. É também uma forma de poder agradecer aos fãs pelo apoio e por eles terem participado desse processo, escolhido algumas músicas do álbum. Não tenho expectativas, mas espero poder continuar fazendo esse trabalho porque é um privilégio.”

Volta aos palcos

Com Blood Orange já disponível para venda e streamings, agora Freya Ridings retorna à rotina que a pandemia interrompeu, de promover o álbum em programas de televisão e rádio e, claro, voltar aos palcos. Entre seus próximos compromissos está uma apresentação na coroação do rei Charles 3º, marcada para o dia 6 de maio. Além dela, cantam na ocasião Katy Perry, Lionel Richie, Take That, entre outros. 

Freya também já tem agendado um trecho da turnê do novo álbum, para o segundo semestre, que vai passar por várias cidades do Reino Unidos. Ela pretende circular com o show por diversos países e disse torcer para vir ao Brasil, pois, além do desejo pessoal (inclusive, de conhecer o Carnaval), esse é um pedido constante dos fãs em suas redes sociais.

Freya Ridings.
Capa do single “Weekends”: guinada pós-pandemia. (Foto: Josh Shuner/Divulgação).

Antes, porém, em junho, a cantora retorna ao Glastonbury, principal festival do Reino Unido. Freya tocou pela primeira vez no evento em 2019, na esteira do sucesso de “Lost Without You” (a faixa atingiu o top 10 da parada britânica e já acumula mais de 310 milhões de streamings apenas no Spotify, e se emocionou ao ver a multidão cantando suas músicas. Para ela, foi uma realização pessoal após quase desistir da canção que ela escreveu dez anos antes e que, até então, não tinha recebido atenção no circuito da noite londrina, onde tocava com frequência.

“Escrevi ‘Lost Without You’ sozinha, aos 19 anos, na casa dos meus pais. Quando terminei, tinha lágrimas nos olhos e pensei: nunca posso mostrar isso para as pessoas, é muito emotiva. Essas são as músicas que eu sei que preciso ser corajosa para compartilhar. Você precisa estar aberta para se conectar com as pessoas. Eu apresentei essa música por anos em vários lugares da noite londrina e não era a canção certa para aquele ambiente”, disse.

“Eu comecei a perder a fé, mas acho que tentei por tantos tempo que, anos depois, estava em um programa de TV, ‘Love Island’, e de repente, em dois anos, todos os meus sonhos se realizaram, depois de mais de uma década tocando e compondo. Eu sempre serei grata ao Glastonbury por proporcionar esses momentos. Escrever pensando que ninguém vai ouvi-la e, depois, ver milhares de pessoas cantando com você, é de arrepiar. Eu e meu pai assistíamos ao Glastonbury todos os anos, então foi uma honra”, contou Freya.

Foto da capa: Sam Kay/Divulgação.

Ouça Freya Ridings – Blood Orange.

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