Faixa a Faixa: China comenta o novo disco ‘Telemática’

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Imagem: Divulgação
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CHINA E A CIDADE
Cantor pernambucano lança novo disco em que comenta relação das pessoas e máquinas e as transformações urbanas do Recife

Por Renata Arruda

Com dez anos de carreira solo, China acaba de lançar seu quarto disco, Telemática, e dessa vez escolheu ele próprio escrever o release. No texto, China fala sobre seu processo de composição (“Na maioria das vezes, escrevo a letra em forma de poema primeiro, depois vem a música. E como sou péssimo instrumentista com a memória já um pouco avariada, vou componho e gravando tudo no computador”) e conta que fez toda a pré-produção sozinho em seu home studio e depois mostrou para os amigos (como o pianista Vitor Araújo, o baixista do Jota Quest, PJ, o saxofonista Ilhan Ersian e integrantes da Mombojó), sendo encorajado a deixar alguns takes gravados por ele mesmo. “Gosto desse processo. Faço minhas gravações toscas e a rapaziada vai deixando tudo mais bonito. Foi desse jeito que nasceu o Telemática, da colaboração de todo mundo”, diz ele.

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Produzido por China, Yuri Queiroga, Homero Basílio e Rodrigo Sanches, Telemática demorou quase dois anos para que suas treze faixas ficassem prontas. Com influências que vão da Jovem Guarda ao frevo, passando pelo rock e o eletrônico, o disco é mais pop que os anteriores e´trazendo letras com um perfil crítico em uma produção inspirada, deixando transparecer um artista seguro e à vontade em músicas que cativam o ouvinte logo na primeira orelhada.

Para O Grito!, China respondeu rapidamente as três perguntinhas que foram nosso padrão no início do “Faixa a Faixa” e ainda cedeu uma versão compacta do faixa a faixa que acompanha seu release – encerrando a nossa série em grande estilo! Confira:

Poderia comentar um pouco sobre a concepção do álbum?
Telemática fala da relação do homem com a tecnologia, as máquinas.

Como foi o processo de escolha do repertório?
Fiz uns 30 canções e fui escolhendo com a ajuda dos amigos as faixas desse disco. Todo mundo dá pitaco nos meus trabalhos. Gosto de fazer as coisas desse jeito.

O que este álbum representa para você?
Um disco é sempre um filho, né? Cuidamos com todo carinho.

Capa CD

Site oficial: http://www.chinaman.com.br/

Telemática, faixa a faixa:

“Arquitetura de vertigem” foi composta em 2010. A frase “Recife alcança um céu de concreto armado…” me veio à mente quando percebi que, do prédio para onde eu tinha acabado de me mudar, dava para ver construções semelhantes brotando em outros bairros. O texto que abre a faixa é do jornalista e escritor Otto Lara Resende e foi extraído de uma entrevista que ele deu nos anos 70, quando já se falava da verticalização das cidades. O clipe, que recebeu ótimas críticas, foi selecionado para o Festival Internacional de Videoclipes de Paris e para o festival de Brasília, em 2014.

“Choque pesadelo” nasceu de um papo com o blogueiro e parceiro dos tempos de MTV, PC Siqueira, que é um fenômeno de views e likes nas redes sociais com seus vídeos. Fiquei pensando em como a vida dele se dividia entre o real e o virtual. Essa música tem a participação de Ilhan Ersain (Wax Poetics) tocando saxofone.

Quando comecei a trabalhar em “Panorama”, eu tinha apenas o refrão, que lembra uma pegada, vamos dizer assim, mais Jovem Guarda. Deixei de lado e comecei a compor outra coisa, que acabou virando a primeira parte da música. A letra veio depois, inspirada nas canções de Erasmo Carlos. Panorama foi lançada como single e ganhou um clipe em formato vídeoletra colaborativo, aberto na internet, com participação dos fãs.

O que eu mais curto em “Memória celeste” é o beat eletrônico. Parece que foi tocada por um baterista mesmo e não programada no computador. Jorge Du Peixe (Nação Zumbi) já apareceu no estúdio com a letra pronta e sua voz de trovão. O cara ainda deu ideias para o arranjo geral e gravou uma escaleta.

“O céu de Brasília” tem o baixo de Felipe S. (Mombojó), que amarra e dá todo o balanço da canção. Fui fazer um show por lá, acordei cedo e saí para andar pelo jardim do hotel. Olhei para cima e constatei que aquele era o céu mais bonito que eu já tinha visto.

“Cores novas” é uma parceria com a cantora Cyz e o guitarrista André Édipo. Ele chegou com a música, eu tinha a letra, e ela colocou a melodia. Criamos uma espécie de bolero combinando com o poema. Essa faixa tem a participação de Luzia Lucena e Sofia Freire, duas jovens cantoras do Recife.

Um dia a cantora e atriz Karine Carvalho me mostrou um pedaço de letra e pediu que eu completasse. Acabei compondo a música também. “Outra coisa” só não tinha nome ainda. Eu mandava as várias versões e Karine sempre dizia: “se liga que isso é outra coisa”, e assim a canção foi batizada. Quando fomos gravar para valer, achei que a “voz guia”, que eu havia registrado em casa há anos, tinha ficado com muito mais emoção, e decidi deixá-la. Mais vale uma boa interpretação do que todos os recursos tecnológicos disponíveis.

“QTK 63 Kaiowa” é uma música instrumental que foi composta por mim e meu irmão, Bruno Ximarú. Apesar da insistência dele, nunca achei que devia colocar letra, soava mais como trilha de filme.Convidei Rodrigo Lemos e Diego Plaça (A Banda Mais Bonita da Cidade) para fazerem um coro como se fosse um canto meio indígena, meio gregoriano, e Lucas dos Prazeres gravou as percussões, que segundo ele, remetem aos barulhos da mata e à forma mais tribal de composição musical.

“Telemática” é a faixa que dá nome ao disco e surgiu do texto “A fábrica”, do filósofo tcheco Vilém Flusser. Fala da relação do homem com a máquina, das fábricas com o homem. Lembro que tinha comentado sobre o disco novo com HD Mabuse, um dos mentores de Chico Science, e o cara me mandou esse texto, que acabou me ajudando um bocado na concepção do álbum inteiro. Outro que colaborou com essa faixa, e também com o disco, foi o pesquisador de engenharia de software e referência brasileira no assunto Sílvio Meira.

Em “Subintenções”, criei a base rítmica da canção, usando a bateria de um jeito diferente, inspirado na performance do baterista do Can – banda de rock experimental alemã dos anos 70. O baixo que PJ (Jota Quest) gravou só contribuiu para o groove ficar mais sincopado.

“Realinhar” foi lançada primeiro no mais recente disco do Jota Quest, Funky Funky Boom Boom, e é uma parceria minha com os caras. Resolvi lançar também a minha versão por lembrar que, na época da Tropicália, era natural existirem várias interpretações para uma mesma música, como aconteceu com a clássica “Baby”.

“Olho de Thundera” é a música que foi composta de forma mais rápida e também mais demorada. Explico: a música ficou pronta em meia hora, mas levou seis anos para ser, de fato, terminada. Numa jam session com minha banda, Yuri Queiroga puxou o riff de guitarra e logo vieram a letra e a melodia. Talvez por ter nascido prematuramente, ela ficou guardada por todos esses anos. Na gravação das bases desse disco, Yuri iniciou o mesmo riff, demos um tempo na faixa que estávamos gravando, e, como antes, em 30 minutos a música estava pronta.

A faixa mais curiosa desse disco é “Frevo Morgado”, feita por mim e André Édipo para disputar um concurso de frevo. Encontrei, depois de um tempo, um dos organizadores e comentei que a composição era boa, mas não tinha ficado entre as finalistas. Quando falei o nome da música, fui interrompido de imediato: “China, como é que tu inscreves uma música com esse nome num concurso de frevo? A galera quer frevos pra cima e não frevos morgados”. Se para um concurso não era um título adequado, para um disco ficou ideal. As participações de Vitor Araújo, Vinícius Sarmento, Públius e Deco Trombone só deixaram esse frevo mais bonito.