Entrevista: Wellington Srbek, criador do herói brasileiro Solar

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O super-herói brasileiro mais resistente de todos completa 20 anos

Por Paulo Floro

Solar é um dos super-heróis brasileiros mais longevos. E um dos mais teimosos. É que o gênero nunca se mostrou promissor no Brasil, apesar de diversas tentativas, como Capitão 7 e Raio Negro. Agora, seu criador Wellington Srbek lança um novo volume que comemora os 20 anos do personagem.

Solar – História de Origem foi lançado este mês pelo selo Mais Quadrinhos. Criado em 1994, Solar sempre foi um herói atípico se usarmos como base a indústria dos comics da Marvel e DC Comics. Ele não usa colants espalhafatosos nem possui uma infra-estrutura superpoderosa. A maior referência para Srbek foi algo que sempre pautou a maior parte dos criadores desse tipo de quadrinho: o fascínio dos mitos clássicos.

A trama de Solar, assim como Superman, Batman, etc, coloca o leitor em contato com algo mais básico na cultura popular que são as lendas. Neste caso, um dos maiores diferenciais está no fato do personagem está bastante ligado aos elementos culturais brasileiros. “Acredito que autenticamente brasileiro, pois sua história se baseia em elementos culturais brasileiros e se passa em ambientes brasileiros”, diz o autor.

Nesta nova HQ vemos melhor essa proposta com a explicação dos poderes do herói, provenientes do deus-Sol. Solar – História de Origem tem arte de Abel Vasconcellos e Cleber Campos, 56 páginas e custa R$ 19,90. Pode ser comprada no site da Monkix.

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A Revista O Grito! conversou com Wellington Srbek sobre mercado brasileiro de quadrinhos, o futuro de Solar, e claro, super-heróis.

Solar é um dos raros super-heróis brasileiros. O gênero nunca foi um sucesso de público no Brasil, apesar de algumas experiências. Qual o diferencial em relação ao que já conhecemos de Marvel/DC?
São várias diferenças em relação aos heróis Marvel/DC. A começar pelo início da sua pergunta: Solar é brasileiro; e acredito que autenticamente brasileiro, pois sua história se baseia em elementos culturais brasileiros e se passa em ambientes brasileiros. Além disso, o Solar não usa as fantasias coloridas dos super-heróis em geral e sua HQ não se apoia na pancadaria das revistas de super-heróis mais comuns. Na verdade, nem costumo chamar o Solar de “super-herói”, e sim de “herói”. Possuir poderes extraordinários não é uma exclusividade dos super-heróis, e o Solar não apresenta duas das características principais deles: as fantasias coloridas e a violência maniqueísta. Concluindo, o Solar é um herói brasileiro e um herói cultural, de poderes xamanísticos e uma dimensão humanística. Acho que esses são alguns de seus principais diferenciais.

As primeiras revistas de Solar seguiam um padrão parecido com o mercado norte-americano, com revistas em capítulos. Agora, este retorno vem em forma de encadernado, para livrarias. Você chegou a pensar em levá-lo para bancas, talvez em um futuro próximo?
Quando fiz a primeira versão, nos anos 90, era uma revista em série, que tinha a ilusão de conseguir chegar ao mercado das bancas. Depois de uma longa experiência com quadrinhos e com resultados muitíssimo positivos, como o álbum independente Estórias Gerais, constatei que o caminho para os quadrinhos brasileiros são as edições em formato de álbum ou revistas especiais. Todas as publicações que fiz nesse modelo se esgotaram num prazo razoável. O próprio Estórias Gerais teve e tem tido uma trajetória muito bacana através das editoras. E se alguém te disser que qualquer um, bastando ter um trabalho de qualidade, pode chegar e distribuir suas HQs em bancas, essa pessoa está mal informada ou faltando com a verdade. Simplesmente ainda vivemos uma espécie de monopólio monolítico no mercado de bancas. Claro que o sonho de qualquer autor é chegar a um público o mais amplo possível, e as bancas são espaço ótimo para isso. Mas esse mercado hoje não está livremente aberto aos autores brasileiros em geral.

Você acompanha quadrinhos de super-heróis? O que acha do atual momento do gênero?
Acompanhei mais há alguns anos, quando era professor de quadrinhos e estava em contato com uma garotada que consumia esses quadrinhos. Li e tenho edições bacanas dos melhores quadrinhos de super-heróis feitos de 2000 até por volta de 2008. Mas, nos últimos anos, acho que o gênero entrou em crise novamente. Em grande parte pela velha tática de repetir fórmulas de sucesso, tratando os leitores sem muito respeito, e particularmente por uma patológica dependência de Hollywood. Não tenho visto muita coisa que me motive a comprar uma revista da DC ou Marvel nos últimos tempos.

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Por que temos tão pouco super-heróis brasileiros na sua opinião?
Talvez porque a maioria dos autores que pensa em fazer HQs de super-heróis no Brasil imagine que isso se resuma a imitar os personagens e estereótipos norte-americanos. E é claro que, entre o original norte-americano e a simples cópia brasileira, os leitores têm razão em escolher o original.

Solar nasceu nos anos 1990, uma época considerada ruim para os quadrinhos. Já que você também é editor, como avalia o mercado brasileiro de HQs?
Já crio HQs há quase 30 anos, publico há 20 anos e o Solar nasceu num dos piores momentos do mercado de quadrinhos, na primeira metade dos anos 90. Depois, na segunda metade daquela década, tivemos uma ótima explosão de HQs independentes, da qual a primeira versão do Solar fez parte. Agora, vivemos o melhor momento para os quadrinhos brasileiros que vi, com diversas editoras publicando autores brasileiros, que recebem para produzir as HQs. Mesmo sendo o Mais Quadrinhos um selo independente, o Abel Vasconcellos e o Cleber Campos receberam pelo trabalho em Solar: História de Origem. E isso é algo pelo qual batalho desde o início: a profissionalização de nosso mercado de quadrinhos. Creio que isso é fundamental para termos trabalhos de qualidade, que sejam sustentáveis e rentáveis ao longo do tempo.

Esse mercado [de bancas de revistas] não está livremente aberto aos autores brasileiros em geral

O que sempre achei interessante em Solar é como ele consegue arregimentar temas clássicos, remetendo até à cultura grega, do mito do “herói”. Esta ainda é sua principal fonte de inspiração?
Essa ligação com o herói clássico grego era mais explícita na versão dos anos 90, tanto que o primeiro livro daquele Solar se chamou Asas de Ícaro. Nessa nova versão, o lado xamanístico é o mais forte, aliado a uma ligação com a magia, pois temos um “vilão” mago na HQ. Mas o caráter mitológico continua bastante presente. A série dos mitos que escrevi para a NEMO, com Ciranda Coraci, O Senhor das Histórias, Das Areias do Tempo e Monstros e Heróis, desenhada pelo Will, mostra a base mítica do novo Solar. Não são HQs interligadas, mas integram o mesmo universo mítico-poético-quadrinístico.

Você também é autor de Força Animal. Qual sua inspiração para a série? Teremos novidades dela no futuro?
Minha inspiração nessa série é falar sobre a defesa do meio ambiente para jovens leitores, através de personagens jovens. E aí parti de animais da fauna brasileira para criar os quatro heróis. Em seguida entrou na história o Kris Zullo, que fez um desenho muito especial para “nossa turminha”, como ele diz. Temos planos de continuar a série. Desde o início tenho ideias para várias histórias com Força Animal. Mas dependemos de tempo para eu escrever os roteiros, de tempo para Kris desenhar e também do convite da NEMO para produzirmos um segundo álbum.

Por fim, qual a lembrança mais remota que você tem de querer escrever quadrinhos?
De querer escrever quadrinhos especificamente deve ser dos 11 anos, quando criei minha primeira HQ, por diversão, para brincar. E aí não parei mais, a brincadeira se tornou paixão, revelou-se vocação e virou profissão. Nasci para escrever, não exclusivamente, mas principalmente quadrinhos!

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