Crônica: A Vida Como Ela É | Do Amor e da Macaca

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A vida como ela é
Do amor e da macaca

Por Iara Lima
Colunista da Revista O Grito!

De Capitu

capitu
A macaca Capitu (Foto: CorreioWeb)
O amor dispensa apresentações. É único em si mesmo. Intenso, etéreo, volátil, fugaz, reflexivo, terno, fraterno, e qualquer outro adjetivo que lhe queiram dar. Talvez o que lhe satisfaça melhor as exigências seja “completo”, De qualquer forma, tudo o que já foi, é e será dito sobre o amor em qualquer poesia, samba-canção, pintura, retrato, romance é pura especulação. Amor se sente. E isso o basta. E talvez minta quem diz “eu te amo cada vez mais”. Se ele é completo em si e se reflete no outro, não há mais o que preencher, pois ele não deixa espaço para isso.

Capitu, sim. Precisa de algumas definições. Ora personagem de Machado de Assis com seus arrebatadores olhos. “Olhos de cigana oblíquos e dissimulados… Olhos de ressaca”. Capitu deixa o marido à morte com a dúvida de que seu filho não fosse seu, mas de outro.

A outra Capitu trata-se de uma personagem polêmica da capital federal. Ela ganhou a primeira página dos jornais da abafada BSB e projeção nacional por um caso tórrido de amor com o vizinho. Largava o filho aos cuidados do marido e desafiava a própria natureza par ir de encontro ao amante. A grande novidade nisto tudo, caro leitor, é que Capitu é uma Macaca.

Da cidade e suas peculiaridades
De Brasília ao Zoológico

O Zôo de Brasília talvez seja uma das raras coisas da cidade que ainda têm um quê de espontâneo. O zôo existia antes da cidade, e – tal como os candangos que estavam aqui antes dela – ainda permanecem na memória da cidade que não existia. Era a única forma de recreação popular naquele tempo de terra batida e um paraíso a ser erguido. Continua a ser, ainda, uma das últimas formas de recreação popular. O restante do plano piloto prefere andar de jet ski no lago Paranoá, ir ao country club exibir os músculos definidos e comer a feijoada no Gilberto Salomão.

O povo não. O povo não costumava ir sequer à feira da Torre. Claro, para subir à torre, a entrada é gratuita; mas… entrada para ver o quê? A Esplanada dos Ministérios de um lado e o Palácio do Buriti do outro? Lugares onde, raríssimas exceções, são sonhos de consumo para poucos – bravos ou insanos.

Das especulações

O zôo se desprende de tudo isso. Os bichos talvez sejam os poucos descompromissados com a realidade humana. Os hipopótamos podem ser lentos e preguiçosos e as araras podem rir estrondosas. Mas, Capitu? Capitu, não. Capitu caiu nas garras da mídia com sua singular estória. Um escândalo nacional: um triângulo amoroso.

Otelo amava Capitu, que amava Eliseu, que era amante da outra que tinha um filho com o primeiro que estava em dúvida se era o pai do macaquinho. Otelo era “casado” com Capitu, que era amante do “viúvo” Eliseu, que “talvez” fosse o pai do macaquinho. Tadeuzinho era “possível” filho de Otelo, “talvez” filho de Eliseu e, para falar a verdade, não dava a mínima para o que acontecia. A única coisa certa é que o macaquinho era “filho da mãe”, ou seja – de Capitu.

Do cientificismo da coisa

Para surpresa da comunidade científica, a raça à qual pertencia Capitu só nada em situações de extremo risco. Para encontrar o “amante”, ela se submetia a atravessar o lago que separa as ilhas em que vivem seu amante e a de sua família. Seis míseros metros de um lago de três metros de profundidade que a levam ao êxtase.

O certo é que levarão o caso de Capitu para os congressos sobre primatas mundo afora.

Capítulo III – Da boataria e dos “achismos”

Extraído do jornal: “enquanto uma funcionária do zôo aprova o comportamento de Capitu, dizendo que ela faz aquilo “por amor”, ao lado do local onde vivem os personagens do triângulo amoroso pára uma pick-up branca. Da janela, grita uma moça: “vai para casa, vagabunda, que o teu marido está te esperando!”

Até hoje procuro uma resposta para o “caso Capitu”. Não sei se o que mais me impressionou foi o fato de um espécime superar o próprio instinto para satisfazer este mesmo instinto, já superado, ou se o embate público criado pela mídia e alimentado pela população de, procurar, em Capitu, uma razão – quiçá uma resposta – para o comportamento Humano!

É isso mesmo. O que senti nos dizeres dos jornais eram respostas diferentes para a mesma pergunta. O problema é que a pergunta jamais foi dirigida à Capitu, mas à cada um daqueles que a formulou:

“E se fosse comigo?”

Para os que aprovaram ou desaprovaram, meus sinceros perdões de jogar-lhes à cara tamanha hipocrisia. Sincera estava sendo a pipoqueira do zoológico quando disse, ao ser questionada sobre a questão:

“Tenho que trabalhar. Cada um leva a vida como quer”
E continuou vendendo sua pipoca.

Foto: Flour Child.