Crítica: Vingadores, X-Men e a ética dos heróis contra a parede

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As séries da chamada Nova Marvel (Marvel Now no original) começaram a chegar às bancas e livrarias em formato de encadernados. É uma maneira menos religiosa de se acompanhar quadrinhos de super-heróis com suas tramas intermináveis e cronologia muitas vezes confusa. Tida como uma renovação no universo de Capitão América, X-Men e companhia, esses gibis se esforçam bastante em encontrar saídas da saturação da qual vive o mercado mainstream de quadrinhos norte-americanos. E os resultados são bem variados.

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De todos o melhor exemplo dessa nova safra é Vingadores – Tudo Morre, escrito por Jonathan Hickman, hoje roteirista-chave para a engrenagem da Marvel. A obra foca nos Illuminati, um grupo secreto de homens poderosos, que por motivos moral e eticamente questionáveis, decidem o destino do universo. No caso desta história, dos universos, assim, no plural. O grupo formado por Namor, Tony Stark, Capitão América, Reed Richards, Pantera Negra, Doutor Estranho, Raio Negro e Fera (assumindo o posto do falecido Charles Xavier) descobrem que um evento misterioso está mexendo com as dimensões paralelas.

Basta saber que a Terra é novamente o ponto central para um evento que pode pôr em risco todo o Universo. O dilema posto aqui é: até que ponto tem-se o direito de sacrificar outros planetas para salvar seu próprio mundo? Abalados por feridas abertas e forte desconfiança de todos em fazer parte dessa cabala secreta, os “heróis” enfrentam como maior inimigo suas próprias consciências. O ponto mais denso desses questionamentos é o Capitão América, intransigente em não ceder ao “mal necessário” proposto pelos colegas.

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Para adicionar cores aventurescas em uma história que poderia ser toda ela cerebral e filosófica Hickman inseriu na trama o uso das Joias do Infinito e uma gratuita batalha na Latvéria, lar do vilão clássico da editora, Doutor Destino. Até Galactus surge em um momento clímax fazendo referências a outras aparições memoráveis – mas aqui com um desfecho inesperado. O gibi ainda introduz uma personagem interessante, Cisne Negro, uma espécie de saltadora de realidades que traz questões interessantes sobre “heroísmo” e responsabilidade dos heróis.

Jonathan Hickman segue a linha iniciada por Brian Michael Bendis de colocar aspas nos “heróis” da Marvel. Essa problematização, ainda que não seja recente no universo dos comics americanos, vem sendo utilizada como parte de uma estratégia editorial desde a saga Guerra Civil (de Mark Millar) e da fase dos Vingadores de Bendis (publicada antes da Nova Marvel). Ainda que não fujam de arquétipos cristalizados das histórias de super-heróis, como a redenção, essas novas histórias chegam para trazer novos tons ao dualismo bem x mal dos vigilantes clássicos.

Sua existência foi a solução que as editoras mainstream encontraram de se aproximar mais do contexto mundial, em que novas “ameaças” e “vilões” bem mais complexos não mais encontram parâmetro ficcional em um fantasiado superpoderoso querendo dominar o mundo. Em Novos Vingadores, ainda que a fantasia de seres fantásticos apareçam como embalagem, seu cerne é puramente político. A existência de um Iluminatti de heróis é tão problemático que coloca em xeque os parâmetros morais que sustentam a vida dos personagens clássicos.

Este tipo de abordagem da Marvel tem um impacto grande na indústria, mas a temática de super-heróis problemáticos já vem sendo abordada com eficácia desde pelo menos o final dos anos 1980 com A Patrulha do Destino, de Grant Morrison e Richard Case (recentemente lançada pela Panini em formato encadernado). Ali um grupo de tipos estranhos, deficientes físicos, institucionalizados, com doenças mentais, se unem para salvar o mundo em um dos supergrupos mais improváveis já criados. A DC foi pioneira a relativizar seus heróis dentro de suas mitologias e provocar os leitores em direção a saídas menos convencionais. O maior parâmetro dessa “problematização” do imaginário dos super-heróis encontra em Watchmen e O Cavaleiro das Trevas – ambas lançadas em 1986 – dois cânones. Quase tudo o que foi feito dentro dessa premissa acaba remetendo a essas duas obras.

Os Iluminati de Hickman buscam nessas obras referências para propor um universo ‘heróico’ mais realista, problemático, mas ainda coeso dentro do que esperamos de uma narrativa de super-heróis. Mas a trama está todo o tempo colocando a biografia desses personagens contra a parede e subvertendo expectativas do leitor sobre comportamentos e éticas desses superseres.

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Dentro desse olhar desestruturador dos heróis vale a pena a leitura da nova fase dos X-Men escrita por Brian Michael Bendis e desenhada por Chris Bachalo. A história coloca Ciclope como o líder de uma dissidência mutante que é tida como terrorista tanto pelos humanos quanto por seus outros colegas. Ainda fazem parte desse núcleo Emma Frost, Magneto e Magia (Ilyana Rasputin).

Bendis reuniu um grupo que se sustenta unicamente pelo inconformismo compartilhado. Todos entendem que o sonho de Charles Xavier da coexistência pacífica não pode ser entendido fora do contexto da geopolítica atual. Em um mundo onde os robôs Sentinela voltaram a caçar mutantes, os X-Men de Ciclope propõem uma nova abordagem (os demais mutantes seguem encastelados em uma mansão em Nova York, como sempre). Fico curioso até onde Bendis conseguirá levar essa trama, que levanta ideias interessantes. A arte de Bachalo, aqui ainda mais suja e exagerada, transmite algum nervosismo e casa bem com a história.

Em Novíssimos X-Men, outro título que ganhou encadernados pela Panini, Fera vai até o passado para buscar os cinco X-Men originais. Sua ideia é confrontar o Ciclope daquela época com o “terrorista mutante” atual. Bendis conseguiu fazer uma trama interessante pegando como base o carisma adolescente dos mutantes originais de Xavier. O que parecia um recurso cansado de viagem no tempo se mostrou aqui uma oportunidade para colocar em choque o passado idealista com o futuro opressor e violento de agora.

Os novíssimos velhíssimos Vingadores

Enquanto Hickman traz um grupo Iluminati discutindo o futuro da Terra em uma encruzilhada ética em Novos Vingadores o autor se mostra mais prolixo na série Os Vingadores, cujo primeiro encadernado Mundo de Vingadores“, saiu no final do ano passado. Desenhado por Jerome Opeña e Adam Kubert, a obra é um apanhado de conceitos dispersos oriundos de diversos momentos da Marvel, em especial as digressões espaço-temporais e a busca por uma gênese secreta do Universo.

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O título serviu para situar os Vingadores dentro da Nova Marvel como uma espécie de instituição-guardiã do idealismo dos super-heróis. Por isso o enorme contingente de personagens a cada história, sem uma equipe fixa definida. Com uma trama intrincada e cheia de referências, é um gibi que atende bem mais aos interesses do leitor iniciado, ainda que a narrativa de Hickman seja atrativa.

Fabulosos Vingadores, de Rick Remender e Daniel Acuña se apega a uma estrutura clássica de aventura de super-heróis para fazer uma trama veloz que mistura com eficácia a receita: violência, conspiração, algum humor e ação quase nonstop. Para quem não ligou os pontos, é praticamente o mesmo ritmo e conceito dos filmes dos Vingadores. Não a toa esta é a HQ que serve como isca para novos leitores oriundos das salas de cinema. Estão aqui todos os personagens mais carismáticos da editora, além de versões testadas na telona, como a Feiticeira Escarlate.

A trama mostra um acerto de contas de Thor e Apocalipse por conta de um episódio acontecido mil anos atrás. Em paralelo, os heróis precisam lidar com os Gêmeos do Apocalipse e o surgimento dos novos Quatro Cavaleiros da Morte. Remender se arrisca ao apostar em novos personagens, mas a história recicla bastante conceitos já vistos na Marvel, o que torna enfadonha a leitura para quem já é veterano.

OS NOVOS VINGADORES: TUDO MORRE
Jonathan Hickman (texto), Steve Epting (arte)
[Panini Comics, 148 páginas, R$ 29,90 / 2015]
Tradução: Rodrigo Barros e Fernando Lopes

Nota: 8.0

FABULOSOS VINGADORES – OS GÊMEOS DO APOCALIPSE
Rick Remender, Gerry Duggan (texto) e Daniel Acuña e Adam Kubert (arte)
[Panini Comics, 164 páginas, R$ 29,90 / 2015]
Tradução: Jotapê Martins e Paulo França

Nota: 6.0

OS VINGADORES – MUNDO DE VINGADORES
Jonathan Hickman (texto) e Jerome Opeña e Adam Kubert (arte)
[Panini Comics, 148 páginas, R$ 29,90 / 2015]
Tradução: Rodrigo Barros e Fernando Lopes

Nota: 6.5

FABULOSOS X-MEN: REVOLUÇÃO
Brian Michael Bendis (texto) e Chris Bachalo e Frazer Irving (arte)
[Panini Comics, 124 páginas, R$ 29,90 / 2015]
Tradução: Mario Luiz C. Barroso

Nota: 7.0

NOVÍSSIMOS X-MEN: X-MEN DE ONTEM
Brian Michael Bendis (texto) e Stuart Immonen (arte)
[Panini Comics, 132 páginas, R$ 29,90 / 2015]
Tradução: Mario Luiz C. Barroso

Nota: 6.0