Crítica: Orquídea Negra, de Neil Gaiman e Dave McKean

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Neil Gaiman segurando cartaz da primeira edição de Orquídea Negra, que saiu pela Globo (Divulgação)

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Orquídea Negra, visão de Neil Gaiman para gênero super-heróis, ganha edição definitiva

Por Paulo Floro

A HQ Orquídea Negra, que acabou tornando-se clássico dos quadrinhos norte-americanos, começa com uma super-heroína levando um tiro na cabeça. Assim, de forma seca e abrupta, o autor Neil Gaiman mostra ao leitor que não se trata de um gibi convencional de heróis. O bandido assassino diz para o espectador atônito: “eu leio gibis”, explicando que não irá se submeter aos clichês do gênero, explicar todo o plano e deixar o mocinho vivo.

Ao mesmo tempo, Orquídea Negra é uma das melhores HQs de super-heróis já feita. O inglês Neil Gaiman tem como seu maior diferencial o discernimento do gênero super-herói como peça importante da cultura popular de massa. Como fez em Sandman, ele chamou atenção ao resgatar personagens obscuros e colocá-los como elementos importantes da trama. Em Orquídea Negra, ele foi buscar uma heroína pouco conhecida criada em 1973 para ser a protagonista. Ela teve algumas histórias na revista Adventure Comics, da DC, mas sempre foi coadjuvante. Quase ninguém lembra, por exemplo, de sua rápida aparição em Crise nas Infinitas Terras.

Em 1988, Gaiman levou o projeto de uma minissérie com a personagem para a editora da Vertigo, Karen Berger. Desde o início, era intuito do autor trazer uma nova proposta para o gênero, com mais ousadia. Vale lembrar que estamos na década considerada a mais frutífera para HQs autorais dentro da indústria de comics americana. Foi nesse espírito experimental que Orquídea Negra foi concebido. Para os desenhos, Gaiman chamou Dave McKean, com quem já havia trabalhado em Violent Cases. A história pega o gancho da vida de Orquídea Negra original como uma vigilante, mas ampliava seu passado e apostava em um roteiro mais conceitual.

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Após a morte de Suzan Liden-Thorne, a Orquídea original, que foi brutalmente assassinada, uma nova Orquídea Negra desperta. Ela possui memórias da personagem original, mas não tem certeza de quem é. Em busca de respostas sobre sua real natureza e sua razão de existir, ela parte em uma jornada pelo mundo. O problema é que antigos inimigos da Orquídea antecessora estão atrás dela. Gaiman explorou o lado extraordinário da existência da personagem – ela é uma planta com poderes – mas, é no coloquial que o escritor mostra todo seu talento. Os diálogos, bem realistas e fluidos, tornam críveis seres fantásticos como o Monstro do Pântano e Batman (Lex Luthor, outro nome conhecido da DC Comics, também faz parte da história). Revelam ainda um lado mais humano de vilões como Hera Venenosa, aqui em participação importante passado no Asilo Arkham.

A arte de McKean também apostou na experimentação, com uso extravagante de cores. Está longe de ser seu trabalho mais brilhante (ainda iria experimentar mais, no futuro, na própria DC).

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Feminina, pouco sexista, Gaiman parece celebrar o corpo desta mulher planta como objeto de rara beleza, em contraponto a um mundo marcado por homens violentos, asquerosos. Parte integrada da natureza, a Orquídea Negra também serviu para o autor discutir temas como degradação do meio-ambiente. Para a época, era um assunto ainda pouco explorado, mas hoje a abordagem usada na HQ parece até mesmo boba (ele não levava em conta a política envolvida em qualquer debate sobre ecologia, mas vamos dar um desconto).

Orquídea Negra é uma história de super-heróis que conseguiu antecipar, no final dos anos 1980, grande parte das inovações que o gênero teria com outros artistas mais à frente. Com seu ritmo lento, traz uma proposta pouco comum aos leitores de Marvel e DC atuais. Já quem for fã de Sandman e Vertigo, esta edição da Panini é ótima oportunidade para conhecer a obra. O livro chega às lojas de quadrinhos e bancas de revista por um preço baixo comparado à livros com o mesmo acabamento. Tem ainda extras, notas de Gaiman e da editora Karen Berger, trecho do roteiro original e capas originais. Um trabalho irretocável, enfim.

Neil Gaiman segurando cartaz da primeira edição de Orquídea Negra, que saiu pela Globo (Divulgação)
Neil Gaiman segurando cartaz da primeira edição de Orquídea Negra, que saiu pela Globo (Divulgação)

Para quem já conhece a obra, é bom lembrar que este livro da Panini faz jus ao real valor da obra, já que a edição anterior da Opera Graphica está cheia de erros de revisão, de digitação, enquadramentos errados nos balões, além de um acabamento que fez com que as páginas se soltassem com o tempo. Já esta edição definitiva, vale o investimento.

Orquídea-NegraORQUÍDEA NEGRA – EDIÇÃO DEFINITIVA
Neil Gaiman (texto) e Dave McKean (arte)
[Panini Comics, 176 páginas / 2013]
Tradução: Érico Assis
Preço: R$ 24,90

Nota: 8,6

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