Crítica: Millenium – Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, de David Fincher

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A VINGANÇA USA TATUAGEM
Menos conceitual que o original, David Fincher decide focar na hacker punitiva Lisbeth Salander ao fazer um dos seus mais instigantes filmes de suspense

Por Paulo Floro

A hacker cyberpunk Lisbeth Salander é uma das personagens mais interessantes a surgir na cultura pop nos últimos anos, mas sua presença no imaginário sempre esteve comprometida pela pouca repercussão que a adaptação sueca da trilogia Millenium teve no mundo. Agora, David Fincher a coloca no patamar mais alto que uma criação pode chegar em termos de popularidade: um blockbuster de Hollywood. Este remake americano de Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, que chega esta semana aos cinemas, é um dos mais instigantes thrillers da temporada e, bastante diferente do filme original, tem uma proposta comercial e autoral na medida certa.

David Fincher manteve o foco em duas frentes: fazer um suspense perturbador como é sua especialidade (lembrem-se de Seven e Zodíaco) e dar atenção especial à Lisbeth, aqui vendida como uma diva gótica que exaspera tudo o que a monotonia classe média desaprovaria. Ela é mal educada, fria, veste-se como uma punk, fuma compulsivamente e só se alimenta de junk food. Ainda por cima é lésbica e, como hacker, frequentemente comete crimes ao invadir sistemas e computadores alheios. Ainda assim, possui um senso de justiça e honestidade bem rígidos.

Ela está no meio de uma trama passada na Suécia que a coloca ao lado de um jornalista para solucionar um misterioso desaparecimento de uma adolescente, há mais de 30 anos. Juntos, eles precisam investigar uma rica e tradicional família de industriais para saber qual a relação do passado nazista desse clã com a suposta morte dessa menina. Quem já leu o livro ou viu o filme sueco já irá saber quem foi o autor do crime, mas Fincher entregou uma obra bem diferente, e instigante para os fãs da série.

É que no original sueco, feito em 2009, o foco estava no conceito por trás dos escritos de Stieg Larsson. O autor, morto em 2004, tentou mostrar uma Suécia escondida aos olhares internacionais, cheia de podridão, como violência, ligações com tráfico de seres humanos e facções neonazistas ainda atuantes. No longa de origem, a trama tem um tom mais psicológico com a intenção de expôr a violência contra a mulher e o discurso do ódio que ainda vive escondido na sociedade sueca. Os três filmes fizeram a fama de Noomi Rapace, atriz que despontou internacionalmente e que tornou-se famosa como a primeira Lisbeth.

Fincher é mais técnico. Seu filme é uma superprodução, com trilha sonora de Trent Reznor que cria uma atmosfera sufocante e tensa durante todos os seus longos 158 minutos de duração. À primeira vista, pode-se dizer que esse remake é bem superior, mas são obras com propostas bem distintas. Rooney Mara, revelação deste ano, está ótima como Lisbeth. Ela construiu uma personagem mais violenta e mórbida que sua contraparte sueca. A cena em que se vinga de um agressor com requintes de crueldade é perturbadora. Mas, ao mesmo tempo convida o espectador à aproveitar com ela o prazer daquela vingança. Bem merecido sua indicação ao Oscar de melhor atriz.

Sua presença é tão marcante que acabamos esquecendo que Daniel Craig, como o jornalista Mikael Blomkvist e Stellan Skarsgård como um dos membros da família Vanger, também estão ótimos. Fincher surpreendeu com seu olhar particular de uma das séries mais aclamadas de todos os tempos. Mais do que agradar aos fãs dos livros, conseguiu voltar à melhor forma de seus maiores sucessos.

milleniumMILLENIUM – OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES
David Fincher
[The Girls With The Dragon Tattoo, EUA, 2011]
Sony Pictures

Nota: 8,4