Crítica – Disco: Miguel |Wildheart

Miguel: Entre influências e confluências

Por Josafá Santana

Com quinze anos de carreira, o músico norte-americano Miguel vem se mostrando um artista inteligente. Ele consegue manter-se nas raízes do R&B, sem negar suas origens latinas. Em seu terceiro disco, Wildheart, o cantor continua mesclando estilos e abusando de uma sensualidade vocal. Manteve-se na sua zona de conforto e o disco leva o ‘carimbo’ do seu estilo, o que torna o disco previsível justamente por esse aspecto. As misturas soam como um déjà vu e não causam um grande impacto para quem acompanha o repertório do cantor.

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Com ascendência latina e africana, Miguel nasceu em San Pedro, Califórnia. Desde cedo teve contato com clássicos do Hip Hop, Funk, Jazz e Rock; tornando essas as referências que servem de base para sua musicalidade. Desde 2000 que ele está envolvido no meio musical, mas seu primeiro contrato com uma gravadora aconteceu apenas em 2007, e dessa parceria foi lançado seu primeiro álbum All I Want Is You sem grande notoriedade. Com a mudança de gravadora em 2012, o cantor começou a provar o reconhecimento pelo seu trabalho. Nesse mesmo ano lançou Kaleidoscope Dream, sendo indicado para várias categorias do Grammy e ganhando o prêmio de Melhor Canção R&B com o single “Adorn”.

Em seu novo single, “coffee”, Miguel apresenta-se com uma roupagem mais pop que o usual. A música traz os elementos que corroboram para essa impressão: refrão meloso, vocais sensuais e um quê mais moderninho com as batidinhas eletrônicas. Porém, essa imagem fica restrita somente a essa canção. O novo disco dele se apropria de elementos mais diversificados que ora, remontam a um passado, ora experimenta texturas musicais.

Artisticamente, a perspicácia de Miguel provém da combinação de estilos com pinceladas do pop eletrônico, o que resulta num meandro musical atual e cativante, mas sem perder a identidade R&B. Em Wildheart, o cantor impetrou arranjos mais apurados e obscuros. Já na música de abertura, “A Beautiful Exit”, a introdução é intercalada com sons de sirene e a presença dos riffs de uma guitarra. O refrão é claro: “We’re gonna die young”, em uma tentativa de aludir a uma suposta rebeldia típica do rock.

As faixas “Deal” e “Waves” encontram uma brecha entre a era de ouro da Motown e a sonoridade radiofônica contemporânea e são duas das que mais se destacam. As duas flertam com a batida disco dos anos 1970, mas desconstruções rítmicas da primeira afrontam a agitação percussionista da segunda. No entanto, corroboram para a miscelânea arrojada de contrates e complementações musicais, às quais Miguel se propõe com sua música.

Dentro desse universo multifacetado, a música “What’s Normal Anyaway” chama atenção pela abordagem reflexiva sobre as dicotomias sociais e pessoais encontradas pelo cantor. Achando-se muito negro para ser um mexicano, ele narra sobre seus questionamentos e a construção da sua identidade. Essa, com certeza, é a faixa mais íntima e nela Miguel expõe suas vulnerabilidades. Encerrando o disco, “Face The Sun” traz a participação de Lenny Kravitz na guitarra e, de longe, é a mais deslocada do disco. Com uma pegada mais pop rock, essa música não consegue se inserir na trajetória oferecida pelo disco como um todo um adorno descuidado.

Não à toa, Miguel afirma que Prince, David Bowie, Donny Hathaway, The Notorious B.I.G. e Kanye West são suas referências. Ao apreciar o seu novo disco, pode-se descobrir elementos que fazem transições peculiares desses nomes para seu orbe musical. Entretanto, mesmo trazendo todos esses ícones como fonte, ele até consegue tirar bons frutos, mas ainda não atinge a consistência necessária para que ele transite de forma mais ousada nesse panteão. Seu crescimento musical é visível, mas ele ainda precisa surpreender.