Crítica: Conto de Areia celebra gênio de Jim Henson com surrealismo em quadrinhos

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Jim Henson (1936 – 1990) foi uma das mentes mais brilhantes da cultura pop. Famoso por ser o criador dos Muppets, ele trabalhou com produções que se tornaram icônicas na indústria do entretenimento, como Vila Sésamo, O Cristal Encantado, Labirinto: A Magia do Tempo, Família Dinossauros, além de Time Piece (curta pelo qual foi indicado ao Oscar). Conto de Areia é o único roteiro de longa-metragem feito pelo autor que nunca foi produzido e que ganhou adaptação para os quadrinhos pelo canadense Ramon K. Pérez.

Ao dar vida ao roteiro de Henson, por si só incrivelmente imaginativo, Peréz teve o desafio de criar um trabalho que fizesse jus ao seu criador original, mas que também fosse além. O resultado foi uma viagem surrealista e cheia de inovações estéticas e narrativas que transformaram esta HQ em um dois mais belos trabalhos do quadrinho autoral americano. O resultado desse esforço rendeu dois prêmios Eisner, dois Harvey e uma aclamação da crítica como há muito não se via para um álbum em quadrinhos nos EUA (ou graphic novel, como queira).

Pérez já era conhecido por seus trabalhos para a Marvel, como em Wolverine & X-Men e Gavião Arqueiro mas foi com Conto de Areia em que ele pôde demonstrar todo seu potencial criativo. A trama fala de Mac, um aventureiro perdido em algum lugar dos EUA que precisa atravessar uma linha divisória e fugir com segurança até uma montanha indicada no mapa. No caminho ele se depara com todo tipo de desafio, que inclui tubarões gigantes, tanques de guerra, soldados armados, pessoas ensandecidas e jogadores de futebol, tudo em um ritmo alucinante, frenético.

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A HQ proporciona essa aventura em formato de deleite visual, com composições de página que mexe com diversos códigos das histórias em quadrinhos, como requadros sobrepostos e colagens. Tudo isso sem praticamente nenhum balão de diálogo.

A sensação é de que tudo existe no campo do caos, da simultaneidade, como se estivéssemos presos junto com o protagonista nesse mundo insólito e impossível. Mas, longe de ser uma proposta dadaísta, Conto de Areia traz certa meticulosidade, um ritmo constante e uma trama que faz sentido ao final.

Outras HQs já exploraram o surrealismo sendo o mais famoso exemplo parte da obra de Moebius (1938-2012), como Arzach e Garagem Hermética. Mas Pérez traz ainda elementos típicos do quadrinho americano mais clássico, a exemplo do realismo dos cenários e personagens.

Como forma de trazer para o quadrinho o uso de som e música muito comuns no trabalho de Henson, Pérez optou pelo uso das cores chapadas, que emulam uma sonoplastia. A sinestesia é real e passa a fazer sentido conforme a leitura avança.

Ele também fez da obra uma espécie de caderno de anotações de Mac, o protagonista. Por isso a edição brasileira trouxe um bonito acabamento que lembra os cadernos Moleskines. Um diário de aventuras que celebra a visão original de dois artistas para criar uma obra única nas HQs.

CONTO DE AREIA
De Ramon K. Perez (baseado em roteiro de Jim Henson e Jerry Juhl)
[Pipoca & Nanquim, 160 páginas, R$ 79,90]
Tradução de Marília Toledo

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