Cine PE 2025: noite de abertura com cinema e política no Recife

A 29ª edição do festival em Recife marcou o lançamento dos Arranjos Regionais do MinC e a exibição de filmes com forte viés feminino e social

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Abertura do Cine PE 2025 (Foto: Felipe Souto Maior/Divulgação)

Na noite desta segunda-feira (09) o Cine PE ocupou o Teatro do Parque, no Centro do Recife, e deu início à programação da sua 29ª edição. Produzido e criado por Alfredo e Sandra Bertini, o festival é um dos principais espaços de circulação do audiovisual local e regional. 

Além do Teatro do Parque, este ano o Cine PE expandiu sua programação e terá exibições no Cinema São Luiz, que receberá os filmes das mostras voltadas para a formação de público no sábado (14) e no domingo (15).

Lançamento dos Arranjos Regionais

Na noite de abertura, os filmes dividiram espaço com a política, já que o Cine PE foi escolhido como espaço para o anúncio dos Arranjos Regionais 2025, política do Ministério da Cultura que destina recursos para o setor do audiovisual. O projeto visa o investimento no audiovisual brasileiro fora do eixo Rio – São Paulo, e olha especificamente para o Nordeste, Norte e Centro-Oeste, que receberão 70% do orçamento disponibilizado (R$210 milhões). Os recursos podem ser acessados por todos os tipos de entidades públicas ligadas ao audiovisual, municipal ou estadual. 

Acompanhando a ministra da Cultura, Margareth Menezes, estavam a secretária do Audiovisual, a produtora Joelma Gonzaga, e o secretário de financiamento adjunto da Ancine, Leandro Mendes. Em seu discurso, a ministra disse que o cinema brasileiro passa por uma “janela de oportunidades fantástica”, conquistando feitos inéditos e se tornando exemplo no circuito internacional. 

Leia nossa cobertura do Cine PE 2024:

“Eu vou falar do que eu testemunhei lá em Cannes com o filme do Kleber Mendonça, a maneira como o festival estava maravilhado com a participação da equipe do Brasil. Foram 400 pessoas, 400 brasileiros lá. Produtores, diretores, artistas, gente indo fazer negócio. Então a conquista da Palma de Ouro foi fantástica, porque coloca mais um impulso, mais um chamamento de atenção para essa oportunidade que nós estamos tendo.”

A secretária do Audiovisual, Joelma Gonzaga, relembrou passagens prévias dos seus filmes pelo Cine PE. “Eu me sinto em casa no Cine PE, o Bertini sabe. Quase todos os filmes que eu produzi passaram aqui em sessões cheias, lotadas. […] Ele me mandava os vídeos, as imagens, todo emocionado, sempre falando que os debates eram muito calorosos.”

Na sua fala, a secretária sublinhou o papel do MinC na articulação pela regulamentação dos streamings. A pauta – que foi aprovada em abril pelo Conselho de Comunicação do Congresso Nacional – propõe uma mudança no arcabouço legal das plataformas de VOD (video on demand) no Brasil. Algumas das mudanças sugeridas são: a criação de cotas para produções brasileiras nas plataformas; a revogação da lei que isenta os streamings de pagarem a taxa da Condecine, que é direcionada ao financiamento do audiovisual brasileira; e a necessidade de um aparato legislativo que garanta os direitos dos produtores de conteúdo exibido pelas plataformas. 

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As secretárias de Cultura de Pernambuco e do Recife, Cacau de Paula e Milu Megale, junto a Ministra da Cultura e a Secretária do Audiovisual (Foto: Antônio Lira/ Revista O Grito!)

Alfredo Bertini, anfitrião da noite, também defendeu as políticas públicas em sua fala. O produtor pontuou a importância dos incentivos, em especial a Lei Rouanet, que, segundo ele, “foi talvez um dos instrumentos mais ultrajados dos últimos tempos […] e nós temos orgulho de dizer que temos 29 anos de Lei Rouanet”. 

Kleber Mendonça Filho e Gabriel Mascaro foram referenciados na maioria dos discursos da noite como representantes do cinema pernambucano e brasileiro nesta temporada de premiações com seus filmes. Foram citadas as vitórias de O Agente Secreto em Cannes e de O Último Azul em Berlim, além da indicação de ambos na categoria principal do Sydney Film Festival.

Autoridades locais também estavam presentes na noite de abertura. A secretária de Cultura de Pernambuco, Cacau de Paula, falou sobre a importância de investimentos como os Arranjos Regionais na descentralização dos incentivos. “Esse investimento chega ainda mais longe, descentralizando, interiorizando e fortalecendo as cadeias produtivas em cada lugar do nosso estado”, afirmou. 

O prefeito do Recife, João Campos, falou sobre políticas culturais, afirmando a importância de pensar a institucionalização do investimento cultural. “A gente vê avanços estruturais que o Brasil teve […] e quando a gente tem alguém que olha, que pensa de forma estruturada para o que é a construção criativa e o reconhecimento disso enquanto política pública, quando a gente olha um programa como esse que vai ser lançado aqui, ele é estruturante. É estruturante para o país”.

Mostras de cinema

Os anúncios políticos acabaram custando o tempo do cinema, e as exibições começaram com quase duas horas de atraso, que também foi justificado por problemas técnicos com o projetor e a tela de exibição. Por conta dos atrasos, o público se retirou da sala quase todo de uma vez e sem ter visto nenhum filme.

Foram exibidas cinco produções na noite de abertura, começando com os quatro curtas: Preciso Dizer Que Te Amo, de Marlom Meirelles; Esconde-Esconde, de Vitória Vasconcellos; Liberdade Sem Conduta, de Dênia Cruz e Cavalo Marinho, de Léo Tabosa

O primeiro curta-metragem, exibido na Mostra Hors Concours, Preciso Dizer Que Te Amo foi produzido a partir da colaboração de 20 alunos da Escola de Tempo Integral São Sebastião, da rede municipal de Jaboatão dos Guararapes. O documentário reúne depoimentos sobre amor, com a perspectiva de mostrar as diversas faces do sentimento em diferentes corpos. 

Os jovens por trás do filme foram acompanhados por Sandra e Alfredo Bertini em um programa de oficinas de audiovisual nas escolas, uma ação feita pelo casal há mais de 20 anos. “Em 29 anos de história, eu nunca vi um grupo de crianças tão comprometido e com tanta vontade de fazer algo pela arte e pela cultura”, afirmou Alfredo. 

Esconde-Esconde foi o filme escolhido para abrir a Mostra Curtas Pernambuco. O filme, que competiu no Festival de Biarritz, na França, é uma representação dos medos vividos por uma melhor “em um país como o Brasil”, como afirmou a atriz e realizadora. No enredo, Bia (Vasconcellos) mora em São Paulo e recebe a visita de sua família enquanto enfrenta um momento crítico após decidir realizar um aborto. O filme deu o tom da primeira noite do Cine PE, que se voltou às perspectivas femininas diante das violências derivadas do gênero. 

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Vitória Vasconcellos dirige e atua no curta-metragem (Divulgação)

Na Mostra Curtas Nacionais, Liberdade Sem Conduta (RN) abriu a sessão. O filme de Dênia Cruz conta a história de Amanda, presa em liberdade condicional, que tenta seguir a vida após a condenação por ser mandante do assassinato de seu ex-marido e abusador. Ao apresentar o filme, Dênia disse esperar que o filme toque “principalmente aos homens”, que perpetuam a violência, principal gerador de histórias como a de Amanda.

O segundo curta-metragem da Mostra, Cavalo Marinho reflete, a partir da história de Dona Francisca, sobre novas configurações familiares e sobre envelhecimento de pessoas LGBTQIA+

Último filme da noite – e estreando no Cine PE – A Melhor Mãe do Mundo, de Anna Muylaert, conta a história de Gal (Shirley Cruz), uma catadora de lixo que decide mudar de vida ao deixar o marido violento e se mudar com os dois filhos, que acreditam estar em uma grande aventura preparada por sua mãe. 

Atriz principal do filme, Shirley Cruz, apresentou o filme ressaltando sua carga política na representação da figura de Gal, que ilustra condições de um sem-número de mulheres brasileiras. “Arte com compromisso, porque a arte nunca foi desassociada da política e da possibilidade de contribuir, realmente, para uma transformação social. Esse é o cinema que a gente tem interesse em fazer”, disse a atriz. “Apesar de tudo, esse é um filme de vitória, de inspiração, e que honra a mulher em toda sua potência”.

Estreando como atriz, Luedji Luna também esteve no Cine PE e apontou que a capacidade Anna Muylaert de enxergar além do estereótipos é que distingue o filme de outras obras que também abordam as violências sofridas pela mulher brasileira. 

“O diferencial de A Melhor Mãe Do Mundo é que, a despeito de trazer essa temática da violência doméstica, feminicídio, da pobreza, de ser uma família em situação de vulnerabilidade – apesar disso ser retratado já em muitos filmes, eu acredito que o diferencial da Anna [Muylaert] é que não tem nem um corpo no final sangrando, não tem nenhum corpo tombado. Ela constrói um imaginário dessas histórias para além do estereótipo, diferente do previsto. É uma mensagem de esperança, é uma mensagem de superação”, disse Luedji à Revista O Grito!

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Joelma Gonzaga, Shirley Cruz, Margareth Menezes e Luedji Luna (Foto: Vinícius Ramos/ Divulgação)

O Cine PE continua ao longo desta semana. Nesta terça-feira, o festival segue com as Mostras Curtas PE e Curtas Nacionais, além da estreia do longa-metragem O Ano em que o Frevo Não Foi pra Rua, dirigido por Mariana Soares e Bruno Mazzoco, documentário sobre os impactos da pandemia no carnaval do Recife.