Ventura Profana
Todo Cuidado É Pouco
Independente, 2025. Gênero: MPB, Gospel
Ventura Profana lançou seu primeiro single, “Resplandecente”, em 2019, e no ano seguinte nos entregou o incrível EP Traquejos Pentecostais Para Matar o Senhor, duas obras que louvam as travestis brasileiras e sua existência em um período político que estava marcado pelo auge do bolsonarismo e o progresso do neopentecostalismo fundamentalista. Neste cenário, Ventura se tornou uma líder de batalha, que através de sua música – revestida dos elementos do gospel – preparava as suas para a guerra.
Cinco anos depois, em Todo Cuidado É Pouco, a pastora e multiartista baiana faz uma mudança de paradigma, e passado o conflito, agora canta sua vitória. Se antes as letras eram guiadas por uma urgência combativa, agora sua música tem uma atmosfera mais contemplativa e reflexiva.
Ventura Profana tem uma poesia certeira, com uma habilidade especial para construir imagens para quem a escuta. Aqui ela consegue ir além da denúncia social e dos gritos de guerra para explorar o seu trajeto de vida do jeito mais humano possível.

O álbum marca um novo começo, um período de recuperação, uma reconquista das suas perdas e a vitória da reparação que ela exigia nos seus trabalhos anteriores. A ponderação e a sutileza também se expressam na produção, assinada por Jordi Amorim, que se joga em instrumentos orgânicos, numa mistura de elementos do reggae, música latina gospel e MPB, mas que é feita de um jeito suave, que não se sobrepõe à voz ou aos versos de Ventura.
Este álbum soa como uma meditação sensível sobre os caminhos espirituais de Ventura Profana, que faz sentido ao mostrar que é possível seguir em frente do combate, e que nenhum sujeito está confinado às marcas e cicatrizes do passado – um discurso que ganha diversas camadas e nuances muito íntimas quando vem de uma travesti brasileira, mas que poder ser assimilado por qualquer pessoa.
Todo Cuidado é Pouco é uma obra que fala de evolução de um jeito honesto, pé no chão, mas que também não tira o encanto da mudança e nem descredibiliza a força que é necessária para ser alguém que está se recuperando.
Ouça Todo Cuidado É Pouco, de Ventura Profana
- Leia mais críticas:
- Catto percorre os abismos da alma em “Caminhos Selvagens”, seu primeiro disco autoral
- Jefre Cantu-Ledesma e a beleza mística de “Gift Songs”
- Lorde retorna transparente em “Virgin”
- “Casa Coração” confirma Joyce Alane como voz promissora do forró contemporâneo
- Gelli Haha e a estranheza em boa medida na estreia “Switcheroo”