Sol de Inverno
Hiroshi Okuyama
JAP, 2024. 1h30. Drama. Distribuição: Michiko Filmes
Com Sosuke Ikematsu, Keitatsu Koshiyama, Kiara Nakanishi
O cinema de Nuri Bilge Ceylan, estupendo diretor turco, é reconhecível por um elemento dramático constitutivo em suas obras: a impetuosidade da natureza enquanto personagem narrativo. Mais do que qualquer outra condição climática, a neve exprime o caráter de opressão, isolamento muitas vezes, além da óbvia concepção de frieza nos vínculos humanos em filmes como Sono de Inverno (2014) e Ervas Secas (2023). Pois neste Sol de Inverno (2024), curiosamente, o estado sólido da água tem conotação distinta: banhado por raios de sol, o gelo é terreno fértil para a florescência de afetos entre os personagens da trama.
Dirigido pelo jovem Hiroshi Okuyama, o drama japonês – que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (16) – é protagonizado por Takuya (Keitatsu Koshiyama). O adolescente faz aulas de hóquei durante o inverno severo da pequena cidade onde mora, mas claramente não é lá muito afeito ao esporte. Quando seu coração amolece por Sakura (Kiara Takanashi), promessa da patinação artística, o garoto decide arriscar-se nos passos sobre patins. Logo recebe ajuda do instrutor Arakawa (Sôsuke Ikematsu) que, percebendo a aptidão de Takuya, sugere a formação da dupla para ambos participarem de uma competição.
Essencialmente filmada na pista de patinação na qual ocorrem os treinos, a primeira parte de Sol de Inverno é doce e sensível ao costurar composição imagética à aproximação sentimental dos personagens. A razão de aspecto reduzida, de 1.33:1, aguça a percepção de convívio estreito entre os personagens, bem como reforça, nas tomadas externas, a ideia de cidade pequena – e o conservadorismo dos moradores, explicitado do meio pro final, é quesito importante à compreensão do roteiro. Cuidadoso com a fotografia, Okuyama cria planos belíssimos a partir da presença da luz solar que invade a pista pelas janelas. Entre as passagens ao ar livre, realce para a tocante cena no lago congelado.
Há sutileza também na forma de a direção de arte ambientar a história em um passado recente (talvez final da década de 90, início dos anos 2000?): através dos aparelhos de som, o toca-fita no carro do treinador, os modelos dos veículos, o figurino dos personagens. A decisão narrativa de referenciar o passado faz sentido, se pensarmos o filme na sua dimensão discursiva sobre aceitação/não aceitação da diversidade sexual. No entanto, ao optar por uma abordagem subtextual, quiçá antipanfletária, sobre as dores causadas por uma cultura heteronormativa e preconceituosa, Sol de Inverno torna-se, infelizmente, um exercício retraído.
A dinâmica do casal de gays é quase envergonhada, com pouquíssima demonstração de afeto. Na busca constante pela delicadeza, o roteiro é brando exatamente quando não deveria; a descoberta da sexualidade de determinado personagem é o ponto de virada que redireciona a narrativa entre o segundo e o terceiro ato. Mas o filme parece ter medo de soar militante, ser etiquetado como filme LGBTQIA+. No mínimo, problemático. Enquanto se mostra eficiente ao delinear a amabilidade da relação entre Takuya e Sakura, a obra titubeia nos momentos conflituosos, quando a sombra da homofobia desestrutura a harmonia no trio, até então inquebrantável.
A zona de conforto de Hiroshi Okuyama é a ternura; neste viés, o ator Keitatsu Koshiyama exala carisma e brilho em frente à câmera. Personagem de evidente sensibilidade, seu Takuya parece herdeiro daquela suavidade reconfortante diante da vida que vimos no maravilhoso Hirayama, protagonista de Dias Perfeitos. Aqui, o menininho fofo carrega a inocência e a alegria de quem apenas está no prelúdio das experiências existenciais. Entre o lúdico e o poético, Sol de Inverno investe numa trilha sonora envolvente, norteada pela magnífica Clair de Lune, de Claude Debussy.
Perdura a sensação, ao subir dos créditos, de filme no qual graciosidade e fragilidade patinam de mãos dadas. Com apenas 28 anos de idade, pode-se absolver o diretor Hiroshi Okuyama pelos deslizes naturais à inexperiência. De toda forma, é um nome a ser acompanhado nos próximos anos; seu delicado olhar à beleza é notório e promissor.
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