No Other Choice
Park Chan-Wook
Coreia do Sul, 2025. 2h19, Comédia, Suspense
Com Lee Byung-Hun, Ye-jin Son, Seung-Won Cha
Cores saturadas irrompem na meticulosa mise en scène estabelecida por Park Chan-wook ao retratar o lar de uma família da elite coreana. Esposa feliz, dois filhos, dois cachorros, mansão primorosa, relações em harmonia; a vida fluía perfeita e iluminada para Man-soo (Lee Byung-hun). A harmonia é bruscamente demolida quando, após 25 anos de dedicação ao numa fábrica de papel, o protagonista de No Other Choice é demitido. Revoltado com a sensação de descartabilidade, Man-soo inicia então uma fatalista saga para obter novo emprego; eliminar os principais concorrentes ao novo posto.
O novo longa do cineasta sul-coreano é a mais recente adaptação do livro O Corte, de Donald E. Westlake. Em 2005, Costa-Gavras dirigiu versão bastante eficiente da obra, com José Garcia e Karin Viard no elenco; a produção francesa aborda a trama sob a ótica do thriller, num suspense denso no qual a comicidade pontual surge apenas para corroborar o absurdo da situação. Já o filme de Park Chan-wook aposta alto na preponderância da comédia, por vezes pastelão, que torna menos pesadas as cenas sanguinolentas tão características da escola coreana. Na primeira sessão do filme na Mostra de São Paulo, boa parte do público se entregava às gargalhadas à medida que o nonsense da narrativa escalonava.

Costumeiramente elegante, a direção de Chan-wook é precisa ao constituir a estética que evoca a estandardização daquelas vidas burguesas, à beira do precipício financeiro. Em tomadas externas onde a câmera passeia por ruas e casas em diferentes níveis espaciais, a obra traz à lembrança o brilhante Céu e Inferno (1963), de Akira Kurosawa, que versa sobre as complexidades da luta de classes no sistema capitalista. Entretanto, quem for familiar à obra do cineasta sul-coreano, dos fantásticos Oldboy (2003) e A Criada (2016), talvez identifique maneirismos visuais que já não impressionam tanto como há alguns anos (como a sobreposição de imagens que antecede a transição entre uma cena e outra).
Ponto alto do filme: a tresloucada sequência na qual três personagens se digladiam entre si. Com a música intencionalmente alta a atrapalhar os diálogos, a cena eleva ao extremo os elementos de esculacho da narrativa, a desordem aparentemente caótica, mas sob total controle de Park Chan-wook. Dito isto, é perceptível (e, ao meu ver, lamentável) a escolha de No Other Choice evitar comentários sociopolíticos mais incisivos, mesmo mais maduros. Não que deveria ser panfletário, mas o longa pavimenta toda sua estrutura a partir da crítica ao neoliberalismo e paulatinamente se desvencilha de reflexão mais robusta sobre aquilo que reprocha. A cena que expõe a soberania das máquinas em detrimento da presença humana é relevante, mas insuficiente e quase deslocada para um roteiro que prioriza o gracejo.
Bem longe da concepção de protagonista-herói-unilateral, Man-soo é reprovável pelas ações mais explícitas que comete. Mas há um machismo impregnado no personagem que incomoda particularmente: a postura tóxica, problemática, em relação à própria esposa Mi-ri (Son Ye-jin). Além disso, o filme ainda objetifica o corpo desta personagem feminina em cena que mira no humor e acerta no mau gosto. Falho e menos vigoroso que o anterior Decisão de Partir (2022), No Other Choice se posiciona na prateleira das obras menores de Park Chan-wook, genial diretor que, mesmo longe do seu melhor, ainda é capaz de entregar uma produção com ótimos momentos.
Filme visto durante a 49º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Cobertura 49º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

