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Foto: Divulgação.

“Dolores”: sonhar como escoamento para as desilusões da realidade | Cobertura Mostra SP 2025

Marcelo Gomes e Maria Clara Escobar dirigem obra deixada por Chico Teixeira, cineasta falecido em 2019

“Dolores”: sonhar como escoamento para as desilusões da realidade | Cobertura Mostra SP 2025
2.5

De São Paulo (SP)

Dolores
Marcelo Gomes e Maria Clara Escobar
BRA, 2025. 1h24. Drama. Distribuição: California Filmes
Com Carla Ribas, Naruna Costa, Zezé Motta, Ariane Aparecida

Conflitos geracionais entre personagens femininas da mesma família. Tal estofo temático tem se tornado objeto de investigação de produções brasileiras recentes, numa convergência interessante de olhares sobre as dinâmicas familiares. O grande exemplar desta nova safra é, sem dúvidas, Malu, potente filme cuja foco dramático nas atuações (Yara de Novaes está deslumbrante) nos remete, invariavelmente, ao cinema de John Cassavetes. Bem menos eficiente, Torniquete também perscruta as interações entre avó, mãe e filha numa narrativa marcada pelas cicatrizes anímicas. Chegamos então a Dolores, longa com direção dupla do pernambucano Marcelo Gomes e da carioca Maria Clara Escobar, que teve sua estreia brasileira no Festival do Rio e, em sequência, na Mostra de São Paulo.

Registre-se a aura de homenagem que circunda o filme: a obra nasce de roteiro deixado pelo cineasta Chico Teixeira, falecido em 2019. Conclusão da chamada Trilogia dos Afetos, composta por A Casa de Alice (2007) e Ausência (2014), a nova obra acompanha a personagem-título interpretada por Carla Ribas, uma mulher de 65 anos com histórico de vício em jogos de azar. Crente em certos poderes premonitórios que possui, ela sonha em abrir um cassino. A empreitada eleva a tensão do relacionamento já conturbado com a filha, Deborah (Naruna Costa); em paralelo, Dolores mantém laços afetivos com a neta, Duda (Ariane Aparecida), que trabalha em uma loja de armas e deseja imigrar para os Estados Unidos.

Se por um lado acerta em tratar o drama social das personagens sem perspectivas vitimizantes, a narrativa encontra dificuldades em estabelecer fluidez, organicidade na composição emocional daquelas vidas projetadas na tela. Submersas no lodo da dificuldade financeira, as três mulheres tentam chegar à superfície e respirar uma existência mais tranquila e plena, cada qual ao seu modo. O caminho pelo qual o filme conduz tais trajetórias, entretanto, compromete o potencial vínculo de identificação do espectador com estas histórias de esperança e desilusão.

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Carla Ribas em cena: foco nas atuações é o trunfo do filme. (Divulgação).

Para um filme que esmiúça as feridas revolvidas no seio familiar, Dolores peca na ausência de camadas intersubjetivas mais densas no delineamento dramático de suas personagens. O elenco é eficiente ao que se é proposto, em especial Carla Ribas, atriz de magnitude ímpar, e Gilda Nomacce, que mesmo em menor papel consegue exalar uma emotividade admirável. A grande Zezé Motta faz participação especial que, infelizmente, desperdiça a estatura de sua presença em cena. 

No compromisso estético, a direção de fotografia de Joana Luz é hábil ao experimentar truques de luz para realçar o caráter onírico da trama em contraponto à realidade mais obscurecida. Há planos belamente elaborados, como aquele no qual Duda toma cerveja com a companheira no alto da comunidade e expõe a vontade de ir para os EUA; o rosto da jovem em foco, enquanto o ambiente ao redor permanece totalmente borrado, corroborando com o sentimento de deslocamento da personagem com aquele local. Êxitos formais interessantes, mas incapazes de contornar as insuficiências do enredo pouco inspirado.

Independente das irregularidades, concluir a obra deixada por Chico Teixeira é louvável como reconhecimento e celebração do artista que nos deixou. Antes das sessões em solo brasileiro, Dolores teve sua estreia mundial  na 73ª edição do Festival de San Sebastian, na Espanha. Com distribuição da California Filmes e produzido por Sara Silveira, Eliane Bandeira e Maria Ionescu, o filme deve chegar ao circuito comercial brasileiro em 2026. 

Cobertura 49º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.