Maria Bethânia dialoga com novos públicos e fãs veteranos em apresentação no Recife

Artista fez show majestoso com canções de seu repertório com mais de cinco décadas de carreira. Grande parte da plateia era formada por fãs que nunca tinham ido a um show da artista

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Foto: Tulio Vasconcelos/OGrito!

A plateia do Recife não poderia estar mais ansiosa, na noite desta sexta-feira (9), no Teatro Guararapes para o show de Maria Bethânia, uma das maiores cantoras da história da música brasileira. Ela voltou à capital pernambucana nesta semana para duas apresentações com casa cheia. O primeiro show ocorreu nesta sexta e o segundo no sábado (10), sempre com início às 21h. 

A artista de Santo Amaro da Purificação sempre inclui os ares pernambucanos em suas andanças palcos Brasil afora e, assumidamente, demonstra sua afeição pelo estado. Lembrando que a ansiedade do público é justificado ainda pelos dois adiamentos das duas apresentações este ano. Para ter uma ideia do fenômeno que é a passagem da baiana pela cidade, os ingressos foram vendidos no início do ano e esgotaram em apenas 30 minutos. 

Pontual com o horário, Maria Bethânia reuniu os maiores sucessos das suas mais de cinco décadas de carreira. Verdadeiro diamante, lapidado com o tempo, a voz grave da intérprete reluziu com brilho incomum que impressionou até seguidores fiéis da artista.  O show trouxe hits, músicas dos trabalhos mais recentes e canções inéditas em sua voz. O fio condutor utilizado pela cantora, que também assina a direção artística e roteiro, dialoga com os repertórios apresentados nas lives que ela realizou em 2022.  

Hoje o público de Bethânia é mais heterogêneo, e sobretudo mais jovem, que geralmente não frequenta suas apresentações. De fato, o público de Bethânia parecia renovado e a localização da casa de espetáculo, próxima à região central da cidade, também colaborou. Um dos termômetros disso foi a ovação ao nome da percussionista Lan Lahn, novata na banda de Bethânia, logo que foi anunciada.  

Acompanhada pelos músicos Romulo Gomes (contrabaixo), João Camarero (violão de 7 cordas), Paulo Dafilin (violão, viola e guitarra), Marcelo Costa (percussão) e Marcelo Calder (regência, piano e acordeom), Maria Bethânia segue se reinventando às vésperas de completar 77 anos, no próximo dia 18 de junho. Todos os músicos foram nominados por Bethânia em cena no momento em que a cantora ressaltou o “auxílio luxuoso” de Lan Lanh.  A apresentação começou com a canção “Um Índio”, composta por Caetano Veloso. Na sequência, a cantora fez uma bela e ovacionada homenagem à colega de Doces Bárbaros, a cantora Gal Costa, falecida em 2022, com uma imagem das duas jovens no painel do palco, ao cantar “Como Dois e Dois”, imortalizada no álbum FA-TAL.  

Maria Bethânia mostrou que tudo ainda arde na voz, no calor do reencontro com o público recifense. Reverente, esse público colaborou para manter alta a temperatura da apresentação de uma hora e meia.  O samba “Yayá Massemba”, com referência ao tráfico negreiro e com expressões de matriz africana, foi cantado e ovacionado pelo público.  

Uma das surpresas no repertório é a canção “Galos, Noites e Quintais”, de Belchior, compositor que Bethânia nunca havia cantado em sua carreira. A música fala de um “tempo negro” e tem refrão que diz “Não sou feliz, mas não sou mudo/ Hoje eu canto muito mais”.

A plateia, mais uma vez, entendeu o recado.  Na passagem do primeiro para o segundo ato, quando Bethânia deixa o palco por poucos minutos, a banda tocou “Maria Vai com as Outras”, composição de Toquinho e Vinicius de Moraes, com versos que falam de uma moça que reza muito, mas também é de pecar. O refrão, inspirado no candomblé, foi entoado pelo público.  Ao voltar para o palco, a cantora pediu desculpas ao Recife pelos dois adiamentos das apresentações. Aliás, Bethânia teve a plateia em suas mãos durante todo o espetáculo. Ao ser interrompida ao começar a recitar pequenos versos que selecionou para declamar ao longo do espetáculo, disse, de forma delicada: “vou recomeçar”.  

O segundo ato é mais voltado às canções de amor. Nele, estão “Negue”, “Olhos nos Olhos” de Chico Buarque e “Fera Ferida” de Roberto Carlos. Antes de cantá-las, Bethânia exalta a força da mulher, vista, por vezes, demasiadamente submissa nesse gênero, no samba “Mulheres do Brasil”, de Joyce, que ela gravou em 1988.  Com composição de Sueli Costa, “Coração Ateu”, do seu repertório uma das que, decerto, foram as mais aclamadas pelo público do Recife.  

“Estado de Poesia”, de Chico César, também ganhou a interpretação irretocável da artista. Bethânia fez, no bis, o público cantar marchinha já conhecidas de várias gerações como Ala-la-ô e os frevos “A filha de Chiquita Bacana” e “Chuva, Suor e Cerveja”, ambos de Caetano.  

No início do espetáculo, quando Maria Bethânia enfatizou o verso “Hoje eu canto muito mais” no arremate de Galos, noites e quintais, o canto da intérprete justificou a retórica da música do compositor cearense: a artista fez um show purificador que provocou efeito catártico na plateia. Ao retornar ao palco mais uma vez, a cantora fez sua tradicional despedida com “O que é o que é”, de Gonzaguinha.