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Crítica: O retorno de Deize Tigrona e seu funk “proibidão” cheio de personalidade

Após 10 anos sem lançar um álbum de estúdio, cantora volta aos holofotes cantando sobre a liberdade sexual e experimentando novas sonoridades

Crítica: O retorno de Deize Tigrona e seu funk “proibidão” cheio de personalidade
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Deize Tigrona
Foi Eu Que Fiz
Batekoo Records, 2022. Gênero: funk, trap, pop.

Os versos ousados e a atitude de uma mulher vinda da favela cantando sobre o prazer feminino surpreenderam o Brasil quando foi ouvida pela primeira vez. Foram por esses mesmos motivos que a carreira de Deize Tigrona se consagrou. O início dos anos 2000 foi marcado pelo fenômeno do funk nacional e periférico, que ultrapassou as barreiras geográficas e de nicho e fez sucesso no Brasil e no mundo. Nesta esteira, a cantora surgiu pioneira na representação feminina do estilo. Após uma pausa na carreira e 10 anos sem lançar um disco de estúdio, Deize retorna às paradas com Foi Eu Que Fiz, na mistura entre o pancadão tradicional e sonoridades mais contemporâneas. 

Vinda da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, Deize diz ter “cismado” em ser artista quando jovem, com o sonho de gravar um CD. De origem humilde, alternava o trabalho braçal com a arte, escrevendo suas rimas, cantando em bailes, indo às rádios e disseminando seu som pela comunidade. Numa época em que Claudinho e Buchecha, Cidinho e Doca, MC Marcinho e Cacau, e o Bonde do Tigrão despontavam, a funkeira inovava pelo protagonismo feminino e pelas faixas cantadas com potência, de alta voltagem erótica. 

As referências musicais de Tigrona têm sua raiz no som preto e periférico, como o pagode, de nomes como Leci Brandão, Agepê, Cartola, Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Elson do Forrogode e o samba de partido alto em geral. O funk apareceu mais por influência do ambiente. A favela como berço da cultura popular brasileira tinha e tem os batidões como característica do cotidiano, seja nas casas, seja nos paredões dos bailes.

O som frenético, as batidas e letras ímpares elevaram Deize ao patamar de referência do ritmo, chamando atenção do exterior e a levando a colaborar com artistas como Diplo, M.I.A. e Buraka Som Sistema. Com potencial de engatar uma carreira internacional, a artista se viu acometida pelas questões pessoais, quando por conta de uma depressão, sua saúde mental pediu uma pausa. O disco Foi Eu Que Fiz, além de marcar a volta da cantora aos holofotes, resgata a fórmula que lhe deu sucesso. As novidades são as misturas com o trap, o rock e a música eletrônica, ainda assim, trazendo na veia o funk das antigas.

O novo trabalho reúne uma gama de produtores que refletem a pluralidade de sonoridades expressas. Participam JLZ, produtor musical que se dedica ao afrobeat; Teto Preto, banda que também faz produção musical e tem carreira no eletrônico, jazz, techno, house e darkwave; DJ Chernobyl, que liga o baile funk à cena do rock eletrônico brasileiro; Frances Beats, produtor musical que explora o Trap; e Badsista, produtora musical que já colaborou com Deize anteriormente no single “Vagabundo”, e que já trabalhou com artistas como Linn da Quebrada e Jup do Bairro.

As sete faixas do disco agrupam trabalhos antes inacabados por Tigrona e ideias que surgiram durante o processo de retomada ao meio artístico, após assinar com o selo BATEKOO Records. Além de construir canções que falam sobre sexo sem escrúpulos, Deize expressa a liberdade adquirida pela consciência de sua bissexualidade, como em “Sururu das Meninas”, que dispensa a presença masculina e declara, “hoje é só as sapatão”; “Bondage”, no mesmo espírito de “Sadomasoquista (Vem de Chicote)”, hit da cantora viralizado no ano passado; e “Ibiza”, versando sobre masturbação.

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Deize Tigrona é um dos nomes referências do funk no Brasil. (Foto: Pedro Pinho/Divulgação).

“Monalisa” salva um pancadão digno dos bailes, que valoriza a voz nos primeiros versos e estoura os graves no refrão. Na mesma esteira, “Sobrevivente de Rave” incorpora a eletrônica dançante no feat com Teto Preto, com uma letra papo reto, e vibe ambientada nos anos 2000. 

“A Mãe Tá On” vem numa atmosfera trap e incisiva no versos. Enquanto, a faixa homônima ao título do álbum, é um frenesi, unindo o batidão, o eletrônico, trechos afrobeat e o empoderamento na letra.

Deize Tigrona ressurge provando que fórmula pode não ser um problema desde que venha envernizada com um olhar muito particular, muita personalidade e um flerte com o que é mais atual. O estilo do “proibidão” que quebra com a caretice e a submissão feminina é a cara do funk batidão e a cara da artista. As letras explícitas podem ser um percalço num alcance mais mainstream do novo trabalho, entretanto, estas mesmas letras, são o que revelam uma autenticidade que chama atenção, e não deveria ser moldada por questões de mercado.

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