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Marina Sena abraça o status de popstar em “Vício Inerente”

Cantora mineira mantém sua identidade artística, ao mesmo tempo em que experimenta novas sonoridades e negocia com as demandas do mercado nos seus próprios termos

Marina Sena abraça o status de popstar em “Vício Inerente”
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Marina Sena
Vício Inerente
Sony, 2023. Gênero: Pop.

Vício Inerente, segundo álbum de Marina Sena, chegou às plataformas digitais com a pressão de suceder De Primeira (2021), uma das maiores surpresas da música pop brasileira recente. A artista natural de Taiobeiras, no norte de Minas Gerais, já vinha chamando a atenção no cenário alternativo como parte dos grupos Rosa Neon e A Outra Banda da Lua, mas conquistou a notoriedade nacional com o seu primeiro disco solo. A obra foi aclamada pela crítica e, em pouco tempo, extrapolou nichos, conquistou milhões de streamings, foi indicada ao Grammy Latino e transformou Marina em um dos nomes mais requisitados dos festivais, com shows lotados ao redor do país e no exterior.

Como acontece com as obras bem-sucedidas, especialmente as de estreia, gerou-se uma expectativa em relação ao caminho que a mineira trilharia no seu novo trabalho: tentaria reproduzir a fórmula do De Primeira, com suas letras e melodias cativantes e sonoridade que mesclava diferentes gêneros, imprimindo uma sensibilidade pop original, ou buscaria se adaptar às tendências mercadológicas, inclusive por ter assinado com uma grande gravadora, a Sony? Com Vício Inerente, Marina Sena negocia com esses dois polos e entrega um álbum com identidade artística e que reflete seu momento de vida, ao mesmo tempo em que soa mais próxima de seus contemporâneos.

Neste novo trabalho, as cores e arranjos quentes do De Primeira são substituídos pelos tons de cinza e azul e a precisão das batidas eletrônicas, inclusive com o uso de recursos de distorção da voz da cantora, uma alusão às experiências da artista nos últimos dois anos, conduzidas por várias transformações pessoais, como a fama e a mudança de Minas Gerais para a capital de São Paulo. Este novo trabalho pode até causar uma estranheza nas primeiras audições, mas, não demora muito para perceber que é um disco com o DNA de Marina Sena.

Mais uma vez, todas as faixas são compostas por ela e Iuri Rio Branco, seu companheiro e produtor. No primeiro álbum, eles produziram as faixas à distância, por conta da pandemia, mas provaram que a sinergia era maior do que as limitações impostas pela crise sanitária. Neste, reforçam a sintonia criativa e optam por experimentar de forma mais intensa com as sonoridades eletrônicas, bebendo em gêneros até então pouco explorados por ela, como o trap, o funk e o r&b. Há uma disposição para subverter expectativas, ao mesmo tempo em que se mostra um domínio de como manter-se no mainstream, o que é uma linha tênue, mas habilmente administrada pela dupla.

Marina Sena.
Foto: Fernando Tomaz/Divulgação.

Essa aparente frieza das novas músicas, se comparadas com as calorosas faixas do De Primeira, está só na superfície. Marina Sena é uma intérprete habilidosa, que usa usa voz para criar melodias envolventes, e também é uma compositora astuta. Se em Vício Inerente ela recorre a alguns recursos usados à exaustão (e até já cansados) na música pop brasileira atual, como as narrativas das “sentadas”, a exemplo da faixa que abre o disco, “Dando Sarrada”, ela não deixa de fazê-lo nos seus próprios termos.

Suas canções funcionam perfeitamente como singles, mas fazem ainda mais sentido como partes de um álbum, pois este é pensado como uma obra. É importante ressaltar isso, pois, em tempos da urgência dos streamings, essa tem sido uma prática cada vez mais rara entre os grandes nomes do pop nacional.

O primeiro single, “Tudo Para Amar Você”, é uma transição interessante para marcar essa nova fase de Marina. É uma das faixas que mais remetem ao trabalho anterior, mas com o uso marcante do autotune, que aparece em outras faixas de Vício Inerente, como nas ótimas “Tudo Seu” e “Mande um Sinal”, como um instigante recurso estético. Afinal, quando explodiu nacionalmente, Marina Sena foi alvo de muitas críticas em relação à sua voz, mais anasalada. Ao usar o autotune, ela parece dar uma piscadela para os detratores, pois não busca apagar sua identidade, mas jogar com as possibilidades da tecnologia para esticá-la, moldá-la à sua própria vontade.

Aos 26 anos, Marina Sena parece estar mais confortável do que nunca na própria pele, o que se reflete tanto nas suas interpretações quanto no seu visual. A artista é uma esteta e pensa sua identidade visual com uma meticulosidade que remete ao modelo das grandes artistas do pop internacional, dos clipes aos figurinos e às coreografias. Ela entende as dinâmicas do mercado, mas não se deixa dominar por elas.

Não tem vergonha de se assumir pop, de querer fazer sucesso, de ser ouvida pelo maior número de pessoas e de fazer dinheiro com sua arte. Ela é ambiciosa e sabe o que quer – e isso permite que desenvolva trabalhos coesos e coerentes com sua visão, como têm feito artistas como a catalã Rosalía

Aqui, ela aparece como uma espécie de femme fatale, mas dispensa a perspectiva de inacessibilidade. A autoconfiança da artista mineira, que já permeava seu trabalho de estreia, está ainda mais apurada no novo álbum. Este é um disco sensual, que transpira desejo, como mostram as sedutoras “Olho no Gato”, “Sonho Bom”, “Me Ganhar”, escrita ainda durante as sessões do De Primeira, como ela explicou em uma transmissão no seu Instagram, e “Mais de Mil”.

Vício Inerente talvez peça mais audições do que seu antecessor, mas uma vez transposta a barreira das expectativas, se revela um ótimo álbum. As produções têm nuances e podem tanto enveredar por uma profusão de elementos, a exemplo das pulsantes “Partiu Capoeira” e “Que Tal”, mas também se permite momentos quase contemplativos, como em “Pra Ficar Comigo”, que termina quase como se estivéssemos em um transe.

Com seu segundo álbum, Marina Sena reforça que não está disposta a se deixar catalogar. Suas várias referências se encontram, não se excluem. Seja ao lado da sua grande inspiração, Gal Costa, com quem gravou Para Lennon e McCartney, lançada pouco antes da morte da diva baiana, ou rimando junto a nomes do rap, como no Poesia Acústica 12, seu canto está a serviço da construção do seu projeto artístico.  

Vício Inerente é um disco que pode não ter uma “brasilidade” tão explícita quanto o De Primeira, mas essa própria percepção já explicita problemáticas. O que é o pop brasileiro, afinal? É aquele que se aproxima mais dos gêneros que entendemos como nacionais? É o que se inspira nas tendências internacionais e dialoga cada vez mais com públicos distintos? É nessas frestas que Marina Sena parece operar, mostrando que, ainda que jamais tenha o gosto das estreias, as segundas, terceiras e mais vezes podem provocar sensações tão ou mais instigantes quanto.

Ouça Marina Sena – Vício Inerente.

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