Crítica – Livro: Absolutamente Nada e Outras Histórias, de Robert Walser

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Foto: Divulgação.
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Genialidade de Robert Walser ganha nova chance no Brasil com livro-coletânea
Poeta, mendigo e visionário, autor suíço fez inovações narrativas à frente de seu tempo

Por Paulo Floro

O suíço de língua alemã Robert Walser (1878-1956) é um caso curioso dentro da literatura em língua alemã. Apesar de contar com um seleto grupo de admiradores que incluem Franz Kafka e Walter Benjamin, ele nunca fez muito sucesso. No Brasil é praticamente desconhecido. Nunca conheceu a fama e chegou a viver na penúria extrema tendo que pedir emprestado até mesmo pena e papel. Morreu enquanto caminhava na neve em uma noite de Natal após uma temporada em um sanatório.

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Apesar de ser ele próprio um personagem trágico, triste e incrivelmente humano, sua obra nunca teve um apelo popular que valorizasse sua relevância estética. A real é que Walser esteve à frente de seu tempo como descobriria-se depois. Pouco publicado no Brasil, a Editora 34 lança este mês no Brasil uma coletânea de contos e ensaios, Absolutamente Nada e Outras Histórias, com textos originalmente escritos entre 1907 e 1929.

Admirado por alguns contemporâneos ilustres, Walser cresceu em importância mesmo após sua morte. J.M. Coetzee, Enrique Vila-Matas e outros já expressaram admiração. Herman Hesse chegou a dizer que “se Walser tivesse mil leitores, o mundo seria um lugar melhor”. Em Absolutamente Nada temos um vislumbre da escrita inovadora do autor. São cerca de 40 textos com mini-contos, esquetes, ensaios (ou prelúdios de ensaios) e pensamentos sobre os mais diversos assuntos, desde a educação feminina do início do século passado, passando pela aventura em alugar um quarto até as calças compridas como emancipação feminina.

Um dos maiores méritos deste livro curto de pouco mais de 150 páginas é expor a inovação na forma proposto por Walser. Seus textos não possuem uma lógica narrativa sólida e imersiva que vemos (ou até mesmo esperamos) em muitos romances e contos. Lê-lo é como ver um filme: os personagens estão sempre caminhando, os cenários estão sempre passando como algo que nunca é estático. Nessa constante locomoção de ideias e personagens, Walser fez a literatura da viagem. Mas é uma viagem solta, sem amarras ou combustível.

As caminhadas de Walser não se dão em buscas existenciais por iluminação ou autoconhecimento. É uma viagem pela viagem. No caminho aparecem seres esquisitos que são rapidamente apresentados e ganham voz como se fossem íntimos do narrador. O sentimento que temos ao ler Absolutamente Nada é a certeza da vocação do homem para a solidão e de como isso é inevitável ao final. Por trás de textos nonsense e de humor bizarro como o amor de um porco-espinho por uma cegonha e o pedido de emprego por um jovem pobre de “mente lúcida”, estão medos e receios do autor sobre pilares morais da sociedade. Apesar de todas as caminhadas e reflexões, nunca se encaixou.

Há muitas similaridades da literatura de Walser com sua vida pessoal. Assim como seus textos, ele também foi pouco compreendido em sua época. E como seu estilo narrativo, morreu enquanto caminhava. Viveu a maior parte da sua vida na pobreza. Tentou o reconhecimento literário diversas vezes, mas acabou internado contra a vontade em 1933. Viveria lá até sua morte, em 1956.

Apenas dois títulos saíram no Brasil, O Ajudante, que saiu pela Arx em 2003 e sua obra-prima o romance Jakob von Gunten, pela Companhia das Letras em 2011. Este último, assim como esse Absolutamente Nada, teve tradução de Sergio Tellaroli, que conseguiu preservar as inovações textuais de Walser ao mesmo tempo em que tornou a leitura fluída e cheia de humor típica do autor.

Este livro coletânea é indispensável para quem quiser ter um vislumbre da genialidade do autor e entender sua visão do mundo. Este ‘poeta-mendigo-gênio’ expôs os absurdos da vida de uma maneira quase poética, mas sempre inusitadas.

walserABSOLUTAMENTE NADA E OUTRAS HISTÓRIAS
De Robert Walser
[Editora 34, 166 páginas, R$ 39,90]
Tradução: Sergio Tellaroli
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