Crítica: AfroHQ

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Cena de AfroHQ, uma história contada por deuses (Foto: Reprodução)

AULA SOBRE CULTURA AFRO NO PAPEL
HQ pernambucana é rica visualmente e tem momentos inspirados, mas ficou refém do aval acadêmico

Por Paulo Floro
Editor da Revista O Grito!, no Recife

afro hq capa web1A proposta é clara e interessante, apresentar a história dos povos e das crenças africanas, através de seus deuses. AfroHQ , escrita por Amaro Braga e desenhada por Danielle Jaimes e Roberta Cirne cumpre bem esse papel, mas um claro comprometimento com o cunho acadêmico tornou a obra didática demais para entrar na ainda pequena lista de graphic novel nacional de importância. O tema é praticamente inédito e mostra que ainda existe muito a ser explorado.

Jaimes se destaca, como uma desenhista com um estilo que se impõe, de traços fortes, o mesmo que vimos na ótima série Passos Perdidos, sobre a presença dos judeus no Recife. Nesta, seu trabalho ainda mostra cuidado estético, ao lado de Cirne, ao aplicar diversas técnicas e diferentes uso de cores em diferentes partes da história.

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A rica história dos negros oferece diversas possibilidades narrativas, com uma enorma quantidade de personagens, mas aqui em AfroHQ, tudo ganhou espaço, o que talvez, não tenha funcionado. Não há uma trama, e sim, pequenos paineis sobre trechos da história africana. Os deuses, vão, um a um, participando, como contadores de histórias. Termos e pequenos detalhes são tão meticulosos, que fica claro ao leitor a importância daquilo para o resultado final da obra.

Na apresentação, foi dito que houve uma preocupação em tornar a obra menos didática, mas não foi isso salta das páginas. Longe de diminuir a importância acadêmica, mas na contracapa, os títulos quilométricos dos professores-doutores que abalizaram a obra, não é exatamente um apelo para leitores comuns.

Outras obras em quadrinhos já utilizaram cenários históricos para basear sua trama, sem que isso atrapalhasse seu valor artístico. Will Eisner, para citar o mais importante dos autores, fez isso muito bem ao situar seus livros em diferentes momentos da história dos EUA. O Ministério da Educação, inclusive, chegou a indicar a obra para o auxílio do ensino nas escolas. Amaro chega a ser explícito que teve interesse em fazer esta HQ inspirada por um lei de incentivo de 2008, para produção de obras com cunho pedagógico.

Mas teria sido mais interessante se esses interesses – artísticos e pedagógocos – não entrassem em conflito.

Alguns momentos da obra apresentam uma beleza narrativa, que é de se lamentar que essa proposta não tenha sido explorada. Como o aprendizado era sempre mais importante, esses momentos são pequenos achados no livro. Na histórica pelo deus Omulu, o cotidiano dos negros trazidos da África ganha espaço. “Naquela terra adotiva, em que cresceu meu corpo, aprendi uma palavra que posso usar agora e que exemplifica minha dor: era uma dor de saudade”, diz a narração.

Essa ligação afetiva é difícil de ser sentida na grande parte dos livros, em que mais se assemelha a ilustrações de livros de história do ginásio.

INCENTIVO – A carreira de Danielle Jaimes e Amaro Braga, é ligada a um revisionismo da história pernambucana, como mostram os seis álbuns da série Passos Perdidos e o último, História da Restauração Pernambucana. Talvez por isso, todos os livros tiveram financiamento público, seja da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), como esse AfroHQ, ou do Ministério da Cultura. Louváveis iniciativas, que possibilitaram visibilidade para esses artistas.

AfroHQ é uma história em quadrinhos muito rica visualmente, o que instiga especialistas e amantes dos quadrinhos interessados do que essa equipe – talvez mais livre em um novo momento – possam ainda fazer.

AFROHQ – HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA EM QUADRINHOS
Amaro Braga (texto), Danielle Jaimes e Roberta Cirne (arte)
[Independente, 90 págs, R$ 20]

NOTA: 5,5

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