Cobertura Recifest: Festival debate corpos e cidades na filmografia LGBTI+

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Cinema de resistência no Recifest. Fotos: Divulgação.

Começando com cerca de 50 minutos de atraso, a segunda noite do Recifest iniciou as exibições com a sessão “Minha cidade é outra” que reúne obras que tratam dos diálogos entre corpos e cidades.

O curta-metragem paulista Santos Imigrantes (Thiago Costa) dá continuidade as performances do dia anterior com a pregação contra a intolerância religiosa e é seguido por Vinde Como estás (Rafael Ribeiro e Galba Gogóia), sobre a chegada do escritor, diretor e performer teatral britânico transgênero, Kit Redstone que veio ao Brasil em Novembro de 2018 para produzir um espetáculo com o elenco composto por atores transexuais. 

O filme parece pontuar na programação um recorte de obras que tratam de processos. No curta de Ribeiro e Gogóia acompanhamos a chegada de Kit e sua relação com o grupo que apesar de ser dificultada pela barreira da linguagem, é facilitada pelo diálogo criativo.

O primeiro concorrente aos prêmios de Melhor filme pernambucano da noite, Piu piu (Alexandre Figueirôa), já em sua cena de abertura, revela o diretor Figueirôa segurando a claquete e dando a “ação”, trazendo neste momento da obra parte do que é conceber um filme ao apresenta Elpídio Lima, conhecido por ser o mais antigo transformista do Recife.

"Piu Piu" traz um olhar poético sobre um dos mais antigos transformistas do Recife (Foto: Divulgação)
“Piu Piu” traz um olhar poético sobre um dos mais antigos transformistas do Recife (Foto: Divulgação)

O documentário encena momentos do personagem que era ator, cenógrafo e figurinista nas ruas do Recife contemporâneo. O passeio é embalado por depoimentos do próprio Elpídio extraídos de uma entrevista concedida na década de 1980. 

Minha História é Outra (Mariana Campos) é um documentário que debate os conflitos da mulher negra lésbica e traz para a tela cenas românticas típicas que dificilmente são vistas no cinema sendo representadas por mulheres.

No baiano Balizando 2 de Julho (Fabíola Aquino e Márcio), conhecemos o Desfile que acontece há mais de 16 anos na região da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Os depoimentos do documentário revelam não só a história da origem do evento, mas expõe a luta dos membros da comunidade LGBTQI+ para ocuparem os espaços de balizas e balizadores nos desfiles.

Iniciando a segunda sessão, “Gosto de Sangue”, o experimental O Verbo Se Fez Carne (Kiel Karapotó) traz a perspectiva poética e performática do indígena para denunciar as marcas da colonização que ainda reverberam na sociedade.

Em o Mistério da Carne (Rafaela Camelo), muito amor e devoção. O filme lembra em muitos aspectos o longa-metragem Mate-me Por Favor (Anita Rocha da Silveira), seja no jogo de desejo e fé, no apreço adolescente por esquisitices ou no funk.

Cinema contemporâneo (Felipe André Silva) é um documentário em primeira pessoa que integra, assim como Piu piu a justificativa da escolha narrativa a própria obra. Compartilhar a história de uma foto e dos acontecimentos que ela eterniza só poderiam mesmo ser revelados através do honesto relato da testemunha marcada pelo evento.

A Carne é o Beijo e o avesso (Clarissa Ribeiro) é resultado de um experimento fotográfico durante o carnaval e as surpresas do acaso, como é justificado pela realizadora. O filme parece ter dificuldades em concluir suas provocações na tela e também não é eficiente como experiência sensorial.

Gordxs (Ivson Santos) debate as incongruentes exigências estéticas da sociedade e como essas questões interferem na estima da população LGBT+. Os relatos selecionados por Santos são bastante fortes, mas a divisão do filme em capítulos parece dispensável. Ainda tratando de corpo, a ficção maranhense Colidiremos (George Pedrosa) faz jus ao nome da sessão com muita sensualidade e carnificina. 

Diferente da noite anterior, as duas sessões da noite de quinta parecem trazer, em sua maioria, filmes com narrativas mais tradicionais na forma e na linguagem, mas não menos estimulantes. E para encerrar o dia de exibição, o festival não conseguiu se redimir pelo atraso do início e a falha na projeção do ultimo filme, o místico Barriga de imagens (Maria Bogado), fez com que muitas pessoas desistissem de assisti-lo, indo embora antes do debate e do encerramento da sessão. Boatos que quem ficou até o final ganhou medalha de cinéfilo do curador André Antônio.