Malu Rizzo recebe o trofeu Rutilio Oliveira. Foto Heudes Regis
Malu Rizzo recebe o troféu Rutilio Oliveira. (Foto: Heudes Regis/Divulgação)

Recifest 2023: Encerramento contou com cerimônia de premiação e documentário sobre o Teatro Oficina

Quadrinista Chico Lacerda antecedeu as exibições apresentando a obra Fim de Tarde, do selo O Grito! HQ

Após uma semana, 30 exibições divididas em seis mostras competitivas de curtas-metragens e mais onze em sessões especiais, a programação principal da 10ª edição do Recifest – em homenagem ao idealizador Rutílio de Oliveira – chegou ao fim na última sexta-feira (20), no Teatro do Parque, que cedeu o palco para todos os cinco dias de evento.

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No entanto, o festival ainda segue com uma programação alternativa cumprindo funções sociais e itinerantes ao longo do mês de outubro. A partir da próxima segunda-feira (23), estreando no Cinema da UFPE, o Recifest promove uma Mostra Retrospectiva de 10 anos, contando com seis filmes: Primeiro Carnaval (2020), de Alan Medina; Iara (2018), de Cássio e Erika Pereira dos Santos; Quebra Panela (2022), de Rafael Anaroli; O Fundo dos Nossos Corações (2021), de Letícia Leão; Ela Mora Logo Ali (2022), de Fabiano Barros e Rafael Rogante; e Convite Vermelho (2017), de João Vitor Almeida.

Após a exibição inaugural na Universidade Federal de Pernambuco, o festival leva a seleção para a Academia da Cidade de Vicência; a Escola Estadual Rotary do Alto do Pascoal, no bairro de Água Fria; o Compaz Eduardo Campos; a Colônia Penal Bom Pastor; o Compaz Dom Helder Câmara; e a Ocupação de Moradia e Cultura Periférica Tâmara Ferreira. Além disso, mais duas oficinas ainda acontecem na sexta-feira (27) e no domingo (29).

O clima de encerramento, no entanto, ainda pairou a última noite no Parque, que começou mais cedo que de costume, com a apresentação do primeiro de três volumes da série autoral Fim de Tarde, ou Tríptico de um Homossexual em Formação, do quadrinista e cineasta Chico Lacerda, e carregando o selo da O Grito! HQ. A obra, que estreou em junho deste ano na feira de quadrinhos e artes gráficas LGBQIA+ POC Con, noveliza a própria jornada de descobertas, dramas e autoconhecimento do autor enquanto um homem gay. Um bate-papo com o autor estava previsto, mas acabou não acontecendo.

Recifest
Todas as Rotas Noturnas Conduzem ao Alvorecer (2022), de Felipe André Silva, ganhou o Melhor Filme Pernambucano. (Foto: Heudes Regis/Divulgação).

Uma breve conversa com o realizador e psicanalista Ander Beça, que compôs a curadoria das mostras competitivas, outros membros da organização do evento e realizadores na disputa pelo troféu Rutílio de Oliveira também antecedeu o início oficial da noite, com um tom de agradecimento, e exaltação da importância do Recifest para a diversidade sexual e de gênero no meio artístico nacional e pernambucano, reforçando também mensagens reflexivas para a comunidade e juventude queer.

As deslumbrantes apresentadoras Sophia William e Ruby Nox abreviaram sua presença no palco ao cumprimentar o público pela última vez e introduzir exibição final do festival – o longa-metragem documental Máquina do Desejo (2021), dirigido, roteirizado e montado por Joaquim Castro e Lucas Weglinski, a partir do acervo audiovisual do Teatro Oficina Uzyna Uzura, em São Paulo.

Imersivamente caótico e milimetricamente disruptivo, o filme remonta a cronologia do Teatro Oficina e da trajetória do lendário dramaturgo, ator e diretor José Celso Martinez falecido em julho deste ano – dentro e fora dos palcos. Composto inteiramente por imagens de arquivo e passagens narradas por múltiplas vozes, a obra não se importa em mastigar os fatos para o público, nem em indicar quem são as figuras que eventualmente tomam a tela, por vezes dialogando mais com quem já conhece a história do que com os leigos.

Esse ‘comportamento’ inclusive contribui para que a produção seja energizada pela mesma personalidade dos membros do coletivo, em especial do próprio Zé Celso em seus momentos mais palanquistas. Um longa sobre este bando teatral em particular não poderia se escorar em fórmulas nem em homenagens batidas, e não o faz pela maioria de suas quase duas horas de duração.

Ao invés disso, Castro e Weglinski entregam um simulacro de memória, misturando paralelos e oposições, da demolição à reconstrução do teatro quase engolido pelo Baú da Felicidade de Silvio Santos, dos palcos às salas de políticos, da liberdade à censura – transicionando de um tópico a outro como o desenrolar de uma conversa.

 A obra é, inclusive, silenciosamente crítica ao próprio burguesismo branco da trupe, usando de imagens cruas e sem narração para refletir sobre o deslocamento social dos artistas em relação às necessidades do povo brasileiro que eles dizem representar, e a apropriação e exploração do “popular”, do indígina e das minorias apenas como instrumento mensageiro, e não como produtor de arte.

Sem diminuir ou desvirtuar a importância das pautas defendidas pelo movimento e da revolução artística promovida, mas evitando endeusamentos e oferecendo uma muito bem-vinda fechadura crítica para olharmos através. No fim, entretanto, a crítica não toma o espaço da homenagem, talvez até blasé demais para o gosto de uma figura como Zé Celso, mas respeitosa, digna e inspiradora.

Cerimônia de premiação

Ao final da exibição do longa-metragem, as mestres de cerimônia retornaram ao palco para iniciar o anúncio dos vencedores do Troféu Rutílio de Oliveira, e do valor de R$ 1000 aos agraciados com as categorias principais.

As opiniões do Júri Oficial, formado pelo escritor, roteirista e realizador Patrício Júnior, a atriz e performer Sharlene Esse, e a psicanalista e artista visual Isabela Cribari, divergiu das decisões do público.

Além de ter sido o mais premiado nas demais categorias, o curta Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo (2023), de Renato Sircilli, foi eleito o Melhor Filme Nacional pela comissão do Recifest, enquanto Todas as Rotas Noturnas Conduzem ao Alvorecer (2022), de Felipe André Silva, ganhou o Melhor Filme Pernambucano.

Para o Júri Popular, Aceso (2023), de Elissa de Britto, foi o Melhor Filme Nacional, e De Noite, Na Cama (2023), de Malu Rizzo, ficou com o Melhor Filme Pernambucano. Rizzo, inclusive, também foi citada na menção honrosa do júri oficial.

“Nós estamos começando essa jornada de quem quer fazer arte e abrir o coração. Essa equipe fez o filme acreditando em sua beleza e história. Espero que tenhamos conseguido passar esse carinho”, disse a diretora pernambucana.

Confira a lista completa de vencedores do 10º Recifest

Melhor Roteiro ou Argumento: Marlom Meirelles por A Vida Secreta de Delly, de Marlom Meirelles;

Melhor Direção de Arte: Tomas Cali, por L’esquisse, de Tomas Cali;

Melhor Fotografia: Thiago Amaral por Arapuca, de Joel Caetano;

Melhor Som: Gisele Bernardes por Transviar, de Maíra Tristão;

Melhor Montagem: Arthur Tuoto por O Fim da Imagem, de Gil Baroni;

Melhores Intérpretes: Paulo Goya e Wilson Rabelo por Os Animais Mais Fofos e Engraçados Do Mundo, de Renato Sircilli;

Melhor Produção: Yannick Beauquis e Quentin Brayer por L’esquisse, de Tomas Cali.

Melhor Direção: Renato Sircilli por Os Animais Mais Fofos e Engraçados Do Mundo;

Menção HonrosaDe Noite, Na Cama, ficção de Malu Rizzo;

Menção HonrosaProcura-Se Bixas Pretas, documentário de Vinicius Eliziário;

Melhor Filme Pernambucano do Júri OficialTodas as Rotas Noturnas Conduzem ao Alvorecer, de Felipe André Silva

Melhor Filme Nacional do Júri OficialOs Animais Mais Fofos e Engraçados Do Mundo, de Renato Sircilli

Melhor Filme Nacional Pelo Júri PopularAceso, de Elissa De BritoMelhor Pernambucano Pelo Júri PopularDe Noite, Na Cama, de Malu Rizzo