Caetano Veloso | Zii e Zie

Caetano Veloso (Foto: Divulgação)

O PROGRESSO DA VAIDADE DE CAETANO
Em Zii e Zie o artista aponta sua vaidade para o samba, o rock e a internet
Por Guilherme Gatis, especial para a Revista O Grito!

Caetano Veloso (Foto: Divulgação)Caetano Veloso é vaidoso. Talvez o artista mais vaidoso do Brasil. Seus 66 anos – completará 67 em agosto, as dezenas de discos e a responsabilidade de inventar – e reinventar – a música popular brasileira o credenciam ao posto. Nos momentos mais relevantes de sua extensa carreira Caetano focou sua vaidade na experimentação musical. Desse exercício surgiram álbuns como Transa, Araçá Azul e Cinema Transcendental.

O , disco anterior de Caetano, também é um exercício acertado de vaidade. Ao se juntar a Pedro Sá, guitarrista e amigo de Moreno, seu filho, Veloso não teve pudores de entregar suas intimidades às guitarras de Sá, que montou uma banda sólida para dar base ao potencial de Caetano. O processo de criação do , o próprio álbum e a turnê do show deram tão certo – maior prova disso é o DVD Cê Ao Vivo, registro fiel dos shows que percorreu todo o Brasil e Europa – que Pedro Sá, Marcelo Callado (bateria) e Marcelo Dias Gomes (baixo) viraram a BandaCê, peça fundamental para o Zii e Zie.

O sucessor do é o resultado da vaidade de Caetano apontada para uma área até então não explorada pelo artista – a internet. De conversas com o amigo Hermano Viana, criador do Overmundo e um dos pensadores da internet brasileira, surgiu o Obra em Progresso, blog em que Veloso narrou todo o processo de criação de Zii e Zie. De junho de 2008 até abril deste ano Caetano publicou vídeos e trechos do trabalho e comentou os resultados de suas experimentações musicais nos shows e em estúdio. A ideia deu tão certo que ele resolveu discutir outras questões no blog, como a reforma ortográfica, a eleição de Obama e as diferenças entre Rio de Janeiro e São Paulo.

No último post de Obra em Progresso Caetano, que acompanhou de perto os comentários de suas postagens,se despede das relações virtuais que o processo de criação de Zii e Zie possibilitou. A influência das interações da internet fica evidente em algumas canções do álbum, que possuem uma face blogueira. É o caso, por exemplo, de “Base de Guantánamo” – que dialoga, tanto em letra quanto em sonoridade, com “Fora da Ordem”, de – e de “Diferentemente”, em que Caetano constrói, a partir da resposta a um verso de Madonna, um dos momentos mais belos de Zii e Zie. Além da musa do pop a canção também faz referência a Condoleza Ricce e a Osama.

O próprio Caetano atesta esta postura mais contemplativa, observadora de suas letras, ao comentar, no press release do álbum, que ele mesmo escreveu. “Em zii e zie as letras olham para mais longe. Atém-se majoritariamente ao Rio, mas aí vai a lugares variados: da favela ao Leblon, da Lapa à praia; de Chico Alvez a Los Hermanos; de anônimos típicos a celebridades atípicas, como Kassin, a combinações inusitadas de personalidades cariocas, como Guinga e Pedro Sá. Mas as letras olham para mais longe de mim também: Guantánamo, grutas do Afeganistão, Washington. Voltam os nomes próprios e o tom de comentário dos signos dos tempos que sepresença em meu repertório”.

Os dois sambas que Caetano regravou em Zii e Zie – “Incompatibilidade de Gênios” e “Ingenuidade” – junto com “A Cor Amarela” são as faixas que melhor definem o conceito de “Transamba” que Caetano forjou para o álbum. Composta por João Bosco e Aldir Blanc, “Incompatibilidade…” tem ecos de Muzzle Of Bees, do Wilco, enquanto “Ingenuidade”, de Serafim Adriano, atropela o samba pela cadência acelerada da bateria de Marcelo Callado. As duas canções fazem parte de um álbum de Clementina de Jesus, gravado em 1976.

“O Rock acertou, quando você tocou com sua banda, e tamborim na escola de samba, e falou mal do seu amor”. Ao dar razão ao Lobão na proposta de misturar o rock com o samba e potencializar as guitarras distorcidas de Pedro Sá e a pegada roqueira da BandaCê, Caetano Veloso acerta muito mais do que erra. Embora em algumas faixas a inspiração sambista esteja mais evidente, todas as canções do álbum, segundo o artista, tiveram a pegada embrionária do samba marcada em seu violão.

A melhor definição para o Zii e Zie é do próprio artista, postada no Obra em Progresso. “Zii e Zie não será ir mais fundo no que há no , mas ir a lugares aonde o não foi”. Instigado pelos caminhos abertos pelo – álbum e banda – Caetano continua aberto ao exercício de sua vaidade e já aponta, quem sabe, um novo caminho a ser seguido. “Zii e zie é o título condizente com as cenas do Rio de hoje: “tios e tias” somos todos diante dos garotos que fazem malabarismo no sinal. Mas em italiano fica mais perto de São Paulo, que é o que desejo agora”.

Pouco importa se São Paulo, Lisboa, Rio, Ria (cidade de Portugal citada na canção Menina da Ria. A palavra mais instigante na declaração de Caetano é o “agora”. Finalizado o progresso da obra nos resta a expectativa de saber como e para onde a BandaCê e sua vaidade levarão Caetano.

NOTA: 7,5