Cabo de Santo Agostinho
Diversão no Bar do Teju: o Cabo se move. (Fotos: Hannah Carvalho/O Grito!).

Resistência periférica move a cena musical do Cabo de Santo Agostinho

Influenciados pelo movimento mangue, músicos e bandas do segundo maior município da Região Metropolitana do Recife enfrentam violência e mazelas sociais com muito rock, hip hop, reggae e ritmos regionais

Da Revista O Grito!, no Cabo de Santo Agostinho (PE)

Mais de 30 anos depois do manifesto escrito por Fred Zero Quatro, marco inicial do Manguebeat, movimento cultural capitaneado também por Chico Science que colocaria Pernambuco novamente no radar do cenário musical nacional, toda uma cena de música independente e autoral emergiu influenciada ora pelo som, ora pelo espírito que nasceu da lama da Manguetown e se espalhou por todo o Estado.

No Cabo de Santo Agostinho, município da Região Metropolitana do Recife, não foi diferente. Desde o fim dos anos 90, influenciados diretamente ou indiretamente pelo som do Manguebeat, surgiram inúmeras bandas dos mais diversos gêneros musicais e de localidades diferentes da cidade, mas unidas por um sentimento de pertencimento compartilhado. 

“O ponto central em comum na cena musical do Cabo é, principalmente, uma natureza de construção musical vinda de uma identidade periférica. Essa reunião da identidade periférica surge em resposta a alcunha que o lugar recebeu de ‘a cidade da morte’”, explica o jornalista, músico e produtor cultural da cidade Jéfte Amorim. De acordo com ele essa alcunha faz menção ao mapeamento feito no âmbito do Juventude Viva, programa do Governo Federal.

Toda a cena tem como ponto de partida a periferia do Cabo, com as bandas sendo formadas por bairros periféricos da região, como: Ponte dos Carvalhos, Pontezinha, Cohab e outros. “Na verdade, mais da metade do Cabo é favela. Em termos de moradia mesmo, a densidade populacional está concentrada nas favelas, porque existe um território rural muito maior, e na urbanidade do Cabo cerca de 60% é favela”, detalha Jéfte. 

Assim como na cena mangue, todas as bandas da cidade são unidas por retratarem em suas letras reflexões e a realidade nua e crua da periferia da cidade. “Tem muitas referências ao cotidiano do Cabo nas músicas, a locais da cidade. Por exemplo, a Janete Saiu Para Beber tem uma letra que é “Santo Estevão”, que fala da Ladeira do Britão, um lugar que certamente está nas referências de memória e identidade de quem é do Cabo”, diz o jornalista. 

Para quem não conhece, a Ladeira do Britão é uma ladeira alta e íngreme em Ponte dos Carvalhos, que tem como final o cemitério do bairro. O Britão é uma empresa situada no pé da ladeira, às margens da BR 101, que divide Ponte dos Carvalhos ao meio, ou “os dois lados da pista”. É comum quem é da área perguntar: “Tu mora de que lado da pista?”.

Janete Saiu Pra Beber, Cabo de Santo Agostinho.
A banda Janete Saiu Pra Beber. (Foto: Renan Queiroz/Divulgação.)

Janete

A Janete Saiu Para Beber é uma banda de rock, herdeira direta do Manguebeat, surgida em 2009 que traz no seu som uma mistura entre suas raízes regionais com o punk-rock. Suas letras fazem referência a conflitos sociais e pessoais típicos dos jovens cabenses.

A origem do nome vem de uma personagem chamada Jane do livro Factotum do escritor Charles Bukowski. “Mudamos pra Janete pra ficar mais brasileiro. A personagem existiu de fato e faz parte da base da sociedade, vendeu sua força de trabalho ao capitalismo em inúmeros empregos de subsistência”, conta o vocalista da banda César Braga.

No princípio, a banda se destacava por ser muito diferente do circuito musical local com referências bem próprias. “De 2009 para cá passamos por muitas mudanças, porque a cena da época meio que se dissipou aos poucos. Muita gente partiu para outros trabalhos ou sons com novas pegadas”, explica Braga. Os integrantes da banda: Kin Noise – guitarra, Lennon Carneiro – baixo, Niel Melo – bateria, Eudes Junior – percussão e Erivaldo Romão – percussão, se conheceram no circuito musical local, já que cada um fazia parte de outras bandas. 

“Foi por gostos em comum, porque as nossas influências são basicamente as mesmas e nos eventos, as nossas bandas tocavam sempre. Aí, nessa nos conhecemos e estávamos todos com essa ideia de partir para outros projetos”, relembra o vocalista. De acordo com César, o que moveu os músicos a fundarem a Janete e o que a mantém firme até hoje é o compromisso com a música e o objetivo de fazer o som dar certo. “O que uniu a Janete é que cada um tinha o seu projeto antes e estava insatisfeito com os caminhos que estavam tomando”, diz. Isso acontece porque ter uma banda independente é um compromisso muito sério que demanda responsabilidade de todos os integrantes, o que nem sempre é encarado com a devida seriedade.

Entre as maiores influências da Janete, o vocalista cita desde artistas da música regional, até o rap, passando pelo new metal, hardcore e o rock n’roll alternativo. “Eu gosto de chamar o som que a Janete faz hoje de New Mangue. Aquela mistura da nossa música daqui, desde o caboclinho, cavalo marinho, maracatu, coco e baião com o que está em evidência dentro do cenário do rock mundial”, esclarece o vocalista. A diferença com as bandas do mangue é que a Janete acentua mais as influências do rock pesado em suas canções.

Ao falar dos artistas e bandas que inspiram o grupo, ele ratifica a sonoridade plural da Janete com nomes como: Jackson do Pandeiro, Cátia de França, Sheik Tosado, Mundo Livre S/A, Slipknot, Sonic Youth e claro, Chico Science e Nação Zumbi.  

Álipe Roots

Uma das bandas mais originais do Cabo de Santo Agostinho e grande exemplo da cena musical pulsante do município, a Álipe Roots nasceu em 1999 em Ponte dos Carvalhos e desde então vem produzindo reggae autoral e independente. “Nós éramos amigos de bairro mesmo, eu e o baixista tocávamos em igreja, ficávamos ensaiando e tal, aí chamamos dois outros colegas e ficamos tocando. A banda surgiu daí”, conta Moisés Raimundo, 54 anos, vocalista do grupo. Segundo Moisés, no início os integrantes eram mais próximos do punk rock, mas ao ter um contato mais próximo com o reggae se apaixonaram.

Entre as influências da banda estão The Police, The Clash, O Rappa, Edson Gomes e o próprio Bob Marley, é claro. Talvez, por ser o município da Região Metropolitana do Recife que possui uma das maiores distâncias para a capital do Estado, o Cabo de Santo Agostinho oferece dificuldades para o melhor desenvolvimento dos músicos da cidade. Moisés em um tom de desabafo enumera algumas: a falta de apoio das autoridades públicas, carência de espaços e festivais para shows. 

A despeito dessa dificuldade inerente ao tratamento destinado a classe artística como um todo no município, a Álipe Roots encontra solução na união com as outras bandas de reggae do Estado, fazendo parte da Associação de Reggae Pernambucano.  A Associação se reúne mensalmente no Armazém do Campo de Recife para discutir o cenário do reggae em Pernambuco, e sobre participação em eventos e editais.

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Pixaim Crew. (Foto: Divulgação).

Reflexos da violência

Em comum, todas as bandas dessa cena do Cabo refletem, em suas letras, a realidade social do município e as vivências de quem mora em um dos municípios mais violentos de Pernambuco. Afinal de contas, somente no primeiro semestre de 2022 o Cabo apresentou altos índices de violência e morte causados por disparos de arma de fogo, de acordo com levantamento da plataforma Fogo Cruzado. 

Segundo o levantamento, ocorreram, em média, 127 tiroteios e sete operações policiais que resultaram em 108 mortes e 48 feridos. Em comparação aos primeiros seis meses de 2021 (quando foram registrados 66 homicídios) houve um aumento de 64% no número de mortes e 345% na ocorrência de operações policiais na cidade. 

Foi justamente com o propósito de mudança da mentalidade dos moradores do Cabo a partir do rap que, em 2018, surgiu a Pixaim Crew, uma das grandes expoentes do movimento hip hop cabense. Os integrantes da banda originalmente faziam parte do movimento de grafite local: Família Zona Sul ou FZS. 

“Como sempre acontece na periferia, a violência urbana, a questão do tráfico de drogas era muito forte aqui em Ponte dos Carvalhos e já fazíamos ações com o coletivo de grafite para tirar os jovens desse meio. Aí começamos a fazer rap no parque e o grupo se formou”, explica Joey Augusto, 35 anos, um dos rappers do grupo.

“Com o grafite percebemos que não estávamos conseguindo atrair a atenção dos mais novos daqui, aí foi com essa ideia que formamos o grupo de rap como um alerta mesmo para os jovens quanto à criminalidade”, completa. Com essa necessidade urgente de passar uma mensagem para os jovens de Ponte dos Carvalhos, a Pixaim Crew nasceu e conta atualmente com seis integrantes de referências musicais distintas. Em suas letras abordam o cotidiano do bairro, o descaso político e a criminalidade da região sempre em busca de fazer um alerta para as mazelas sociais que atingem a juventude do Cabo.

Entre as dificuldades de produzir música autoral e independente na cidade, Joey chama a atenção para uma das demandas recorrentes da classe. “A questão aqui é o apoio porque querendo ou não estamos em um município que é muito rico em cultura, mas a questão é que os gestores daqui não investem. Porque tem grupo aqui, de rap, de reggae, maracatu, rock, coco e todos se viram sós praticamente”, afirma. 

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Feirinha do Vale da Lua, no Cabo. (Foto: Marcelo Ferreira/Divulgação)

Cultura popular reverbera forte no Cabo de Santo Agostinho

De fato, a cultura musical é efervescente no Cabo de Santo Agostinho, com bandas e artistas plurais. Além dessa vertente puxada mais para o rock, pop e reggae que é muito forte no município, também há uma gama grande de músicos e artistas da cultura popular. Por exemplo, nascida em 1998, a banda de pífanos Zabumba do Mestre Chimba surgiu através de uma oficina do instrumento ministrada por Júnior Kaboclo, atualmente integrante da banda de pífanos de Caruaru. 

“Dentro da oficina, aproveitamos e montamos uma banda, chamando outros amigos músicos. Sempre tendo como grande referência as bandas de pífano de Caruaru”, revela Joan Artur de Oliveira, 48 anos, fundador e integrante do grupo. “Tudo começou com o objetivo de resgatar a cultura do pife aqui do Cabo porque dentro da oficina fizemos uma pesquisa musical sobre o pífano cabense e descobrimos que tinha uma banda precursora chamada Banda de Nossa Senhora de Fátima liderada por Cabo Chico e Luís de Chinga”, relembra.

Cabo Chico já tinha falecido e eles acabaram fazendo amizade com Luís de Chinga, morador do Engenho Massangana, e apelidado carinhosamente de Chimba. “Ele ensinou a gente a fazer os pífanos, as zabumbas e caixas de forma artesanal. Íamos sempre na casinha dele para conversar com o mestre e quando montamos a banda não havia um nome, então para homenageá-lo colocamos Zabumba do Mestre Chimba”. Joan explica também que a menção ao instrumento traz as referências das lendárias bandas de pífano onde a junção, o coletivo da banda, eram chamadas de zabumba.

Perguntado sobre a escolha do pífano como instrumento e das dificuldades e belezas dessa escolha, Joan reflete: “nosso trabalho é muito de formação e persistência. Poucas pessoas se interessam pela cultura do pife, no sentido até de aprender a tocar, mas nós não desistimos”, diz. Joan sempre ministra oficinas de pífano no Cabo para formação de uma nova geração e atualmente a Zabumba do Mestre Chimba tem seis componentes, com dois pífanos, zabumba, caixa, pratos e viola. 

Ainda na seara da cultura popular, inquieto e inventivo como suas músicas Jardel Gíria se mantém na pulsante cena de samba de coco da cidade. Autodidata, o músico teve formação informal e hoje é um dos principais representantes do coco de roda do Cabo de Santo Agostinho. “Meu som é independente, é feito de improviso, como um bom matuto metropolitano que não se dá muito bem com a burocracia do sistema”, explica. 

“Meu trabalho atual é sobre o coco de roda, eu fui arrebatado por essa expressão. Comecei a compor em 2004 de forma ainda amadora depois de trabalhar na indústria têxtil, no chão da fábrica, a partir de trocas e contatos com pessoas que tinham bagagem na música”, detalha. Jardel conta que chegou a desistir da música por um tempo pelas frustrações da área, chegando a trabalhar como garçom, dono de bar e outras atividades no período, mas aos poucos foi observando o pulsar de uma nova cena de música autoral na cidade.

Foi com o surgimento de locais que instigavam a produção musical no Cabo, como a batalha do Caíque, uma batalha de rima da juventude local, ou o programa de rádio Quintarolando de Alexandre Neris ou o palanque do coco de Pontezinha, ou ainda o Espaço Esperantivo que o músico decidiu voltar a ativa. “O Esperantivo mesmo foi uma faculdade pra mim, movimentou o meu pensar como artista porque saía da cadeira de espectador pro meu lugar no palco porque foi ali que senti que esse era o meu lugar”, conta o poeta.

Jardel é o cronista moderno da cidade do Cabo. Suas composições refletem o cotidiano, as mazelas e belezas da cidade. “Meu coco de roda é diferente. Minhas estrofes costumam ser grandes com uma sequência que modifica a tonalidade musical e o encaixe na lógica do coco, quebrando uma certa ordem na estrutura”, detalha. A partir dessas diferenças com a tradição, Jardel denomina sua música como coco periférico.

Perguntado sobre as dificuldades de se viver da arte, Jardel desabafa e revela que ainda não consegue sobreviver somente de música. Continua fazendo trabalhos como garçom, ajudante de pedreiro, vendendo passeios de lancha na praia e outras atividades. E isso acontece com a maioria dos músicos cabenses que mantém atividades profissionais em paralelo a carreira na música para sobreviver.

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A Orquestra Sororizar. (Foto: Marcelo Ferreira/Divulgação).

Orquestra Experimental Sororizar: resistência de mulheres

Foi também como uma forma de resistência e criação de espaços para as mulheres musicistas do Cabo que a professora de música Lorenna Benjamin resolveu criar a Orquestra Experimental Sororizar. Tudo surgiu no ano passado, quando a Prefeitura Municipal do Cabo realizou o carnaval online e lançou um edital de chamada para grupos e orquestras se apresentarem e Lorenna constatou que entre os conjuntos selecionados não havia uma mulher instrumentista tocando em qualquer um deles, o choque foi imediato. 

“Eu fiquei muito impressionada porque o Cabo é uma cidade muito artística, musical e aí fiquei pensando: “o que aconteceu? Não convidaram essas mulheres que existem?”, disse a maestrina. A musicista começou a estudar na Escola de Música do Cabo com sete anos e de lá saiu para o Conservatório Pernambucano de Música no Recife, voltando para a cidade depois de formada para dar aulas de música. Ela afirma que sempre houve muitas mulheres estudando. “Não era uma maioria masculina, era equilibrado e onde estavam essas mulheres? Que se formavam e não estavam chegando ao patamar profissional”.

A partir dessa inquietação veio a ideia de formar um grupo de ensino coletivo só para mulheres, assim nasceu a Orquestra Sororizar. “É o ensino coletivo já na prática, formando um grupo musical para ensaiar, tocar e aprender aspectos da teoria musical dentro da prática artística. Esse grupo nasceu destinado apenas a meninas e mulheres justamente para tentar reequilibrar essa questão do gênero na música daqui. Trazer uma equidade”, explica. Lorenna conta que, inicialmente, tentou articular a realização do projeto com algumas secretarias da cidade e não teve sucesso. 

“Eu fiquei muito impressionada porque o Cabo é uma cidade muito artística, musical e aí fiquei pensando: “o que aconteceu? Não convidaram essas mulheres que existem?”

Lorenna Benjamin, maestrina

“Levei tanto não que eu falei ‘agora eu vou fazer sozinha, só de raiva’ nem que seja de madrugada, já que tinha que dar as minhas aulas, e foi assim”. A orquestra continua sendo um grande desafio para a produtora musical por unir em seu conjunto o ensino e a prática musical. “No Sororizar temos vários níveis de conhecimento musical, meninas que sabem ler partitura, outras não. Gente que já toca o instrumento há 15 anos, outras que começaram há um mês e isso é penoso para equilibrar”, atesta. 

A Sororizar já chegou a ter 18 integrantes, mas atualmente conta com 11 mulheres e todas elas ensinam ao mesmo tempo que aprendem. Porém, a única com formação musical é Lorenna, que faz os arranjos, seleção e ensaio geral das músicas. “Nós sabemos como as mulheres são sobrecarregadas e tem várias demandas para além do trabalho, né? Então, geralmente elas vão sendo eclipsadas pelas outras atividades que já estão entranhadas na cultura patriarcal e, assim, acabamos perdendo algumas integrantes”.

Como uma profissional do meio e que também atua na formação dos músicos da cidade, Lorenna enxerga duas grandes dificuldades para quem produz música no Cabo. “É a questão física, de espaços mesmo, não temos um teatro ou um auditório mesmo minimamente decente para serem usados tanto para o aprendizado quanto para a difusão em shows e apresentações”, afirma. 

“E a segunda é a questão da valorização profissional, financeira mesmo, para fomentar a cena. Eu fico muito impressionada com os artistas da cidade porque a gente não faz nem de graça, às vezes pagamos para fazer e continuamos existindo com toda a potência mesmo sem retorno financeiro ou valorização profissional das políticas públicas principalmente”, completa Lorena.

A falta de espaços para apresentações é uma reclamação que permeou todas as entrevistas e se configura como um dos principais entraves para o melhor desenvolvimento do setor musical da cidade. 

Por exemplo, Joey da Pixaim Crew citou a realização de eventos pelo próprio conjunto para terem um local para tocar. “Nós produzimos eventos aqui, o Skate Ponte e o União Rap, justamente por conta dessa dificuldade que nós encontramos para se apresentar. Teve lugar que já tocamos tirando dinheiro do bolso da gente mesmo e voltando para casa de madrugada”, conta. 

Eventos como a Batalha do Eucalipto e o União Rap nasceram como forma da Pixaim Crew desenvolver locais para tocar e fomentar a cena, já que também ocorrem apresentações de outros grupos independentes nesses festivais.

César da Janete Saiu Para Beber ratifica a gravidade do problema e vai além. “Para fazer show, coisa que nós adoramos tocar de verdade, preferimos até do que estar em estúdio gravando algo, mas percebemos que além da escassez de lugares, é complicada a maneira como os artistas são tratados quando chegam em alguns espaços para tocar”, conclui.

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Foto: Hannah Carvalho/O Grito!.

Espaços da Vila de Nazaré são palcos de resistência da música cabense 

Em meio a escassez de locais para escoar a quantidade de artistas da cidade, alguns espaços se destacam como polos musicais isolados no Cabo. Por exemplo, quase todos os entrevistados ouvidos por essa reportagem citaram o Esperantivo – Casa, comida e cultura, antigo espaço cultural e hamburgueria artesanal encabeçado pelo casal Jéfte Amorim e Andrea Trigueiro, situado na Vila Nazaré, Litoral do Cabo, como um celeiro que fomentou a cena musical independente da cidade e se tornou referência nesse tipo de iniciativa

Também localizado na Vila Nazaré, espaço histórico que fica dentro do sítio ambiental e arqueológico do Parque Metropolitano Armando Holanda Cavalcanti, entre as praias de Calhetas e Suape, o Teju Nazaré se mantém atualmente como um herdeiro direto do Esperantivo e nasceu de um sonho do seu proprietário Rodolfo dos Santos, 36 anos. “Ter um bar era um sonho antigo, sempre esteve no meu imaginário ser dono de um espaço com essa pegada musical. Mas tudo começou mesmo com a viagem de uma amiga dona de um bistrô para a Alemanha e ela me deixando administrar o espaço”, diz.

Após esse contato com a experiência de administrar um local, Rodolfo teve ainda mais certeza do que queria. Foi então que pediu demissão do seu antigo emprego de encarregado de frios de uma rede de supermercados, onde já trabalhava há 12 anos. “Meu pai perguntou: ‘Porque não coloca o bar aqui nessa casa?” e assim surgiu o Teju no dia 11 de agosto de 2018. No começo, a música era originada das playlists montadas por Rodolfo para os clientes, e com os shows dos artistas cabenses que Rodolfo produz no Teju desde o primeiro ano do espaço. 

“A seleção das playlists é feita por mim e todas as músicas são escolhidas a partir do meu gosto musical. Eu faço questão de fazer todas porque é algo que eu curto e que já ficou marcado no bar”, detalha. Entre outros, costumam entrar na seleção do bar desde artistas nacionais consagrados como Jorge Ben, Mutantes, Geraldo Azevedo, Fagner, Xangai, Elomar, Chico Science & Nação Zumbi a bandas indies como Metá Metá, Juçara Marçal, Siba e muitos outros.

Apesar de promover shows no Teju desde o início, esse não era o intuito de Rodolfo. “Em um primeiro momento não era a minha intenção porque eu achava algo muito distante toda a parte da negociação com os artistas por conta dos equipamentos e tal”, afirma. “Mas foi acontecendo naturalmente, de início eu fazia no horário da tarde para não chocar com o Esperantivo que produzia shows à noite. Aconteceu desse espaço fechar e aí Jéfte praticamente me cedeu todo o equipamento e aí comecei a fazer frequentemente”, completa.

Entre as dificuldades de se manter um espaço como o Teju no Cabo, Rodolfo enumera o público reduzido, a desvalorização local com as bandas autorais da cidade e a falta de incentivo como os principais entraves. Apesar disso, ele aponta o reggae e o samba de coco como exemplos de expressões artísticas locais com muita força na cidade. “O reggae é muito forte aqui, dá realmente uma galera, é o que sustenta a casa. Dá pra fazer um mix com reggae, um coco e depois algo mais experimental para ter variedade”. 

Vale da Lua

Surgida de uma roda de conversa entre cinco amigas no caminho de uma feira de produtos orgânicos em Vitória do Santo Antão, a Feirinha do Vale da Lua teve sua primeira edição em 7 de setembro de 2019, e desde então é um sucesso entre visitantes, turistas e os expositores presentes, contando com programação artística e exposição de diversos produtos, serviços aos visitantes e a realização de shows dos artistas locais durante o evento. “No carro, nós conversamos e pensamos: a gente tem que sair daqui pra ir em Vitória achar uma feira de orgânicos. Podíamos nos organizar e fazer uma aqui em Nazaré e todo o mundo topou na hora”, conta Denise Montenegro, uma das idealizadoras.

“Decidimos convidar os produtores locais para colocar seus produtos para vender e durante o evento oferecer um bom espaço com uma boa música para os frequentadores”, detalha Denise. A feirinha se iniciou no quintal da casa de uma das apoiadoras reunindo as mulheres empreendedoras que moram nas áreas do litoral cabense. 

Inicialmente, a feira acontecia somente aos sábados, mas com o sucesso cada vez maior ela acontece atualmente também aos domingos. Sempre no segundo final de semana do mês e em média recebe 60 expositores no pátio da igreja de Nazaré, na Vila de Nazaré. A feira chegou a ter edições no Teju Bar. A ideia de produzir shows durante a feirinha surgiu do interesse de Denise por música. “Eu sou uma apaixonada por música e eu falo que o Cabo é rico em todos os setores e na parte cultural/musical então é coisa de outro mundo. Aí pensei aonde tem uma boa comida, poesia, artesanato e prosa tem que ter música também”, explica.

Desde a primeira edição em 2019, a feira promove shows de músicos do Cabo abrangendo toda a cena local. A ideia é sempre ter um artista local e um de fora da cidade. Nomes como Geraldo Maia, Isaar, Orquestra Sororizar, Zabumba do Mestre Chimba, Álipe Roots e muitos outros já se apresentaram lá. O evento nasce também de um incômodo da organizadora de eventos com a ausência de espaços para esses artistas trabalharem. “Eu sentia e sinto ainda falta, acho que deveria ter mais espaços abertos para que a população tivesse a oportunidade de ouvir a música daqui sem ter que esperar uma vez por mês, que é quando a feirinha acontece”, diz Denise.

“Faltam lugares para que esse pessoal incrível se apresente mais e com uma constância maior sim porque música é arte, cultura, e é educação também. Quando você ouve uma música tá adquirindo educação cultural, isso é muito importante”, completa. 

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