Prisão nos Andes
Felipe Carmona
Chile, 2024. Drama, 1h44. Distribuição: Retrato Filmes
Com Andrew Bargsted, Alejandro Trejo e Hugo Medina
O cinema chileno é notoriamente uma histórica ferramenta de preservação da memória de seu país. Desde os documentários brilhantes de Patricio Guzmán, passando pela filmografia de cineastas como Pablo Larraín, Andrés Wood e Marcela Said, inúmeras produções cinematográficas abordam as feridas e as cicatrizes de uma das ditaduras mais violentas do continente. Prisão nos Andes, do diretor estreante Felipe Carmona, é mais um exemplar deste cinema preocupado com a biografia sociopolítica da própria nação.
Inspirado em um caso real, o longa-metragem acompanha o cotidiano de cinco generais do antigo regime militar. Estamos no ano de 2013 e o grupo cumpre pena em uma espécie de “presídio gourmet”, caracterizado por um tratamento de luxo aos hóspedes. Massagem, piscina e regalias vindas do exterior demonstram que aqueles não são prisioneiros comuns. Os ex-torturadores subalternizam, inclusive, os guardas e vigias da penitenciária; estes atuam como empregados dos figurões, numa relação de subserviência inexistente em uma prisão comum.
A narrativa é certeira ao imprimir, desde o início, o tom de escárnio e de ironia ao absurdo espetáculo que testemunhamos. A trilha sonora, propositalmente alegre e leve, potencializa o sarcasmo adotado pelo diretor para contar a história. Carmona também é feliz ao adotar uma fotografia marcante, na qual os ambientes interiores são mergulhados em escuridão e sombras, enquanto as cenas externas brincam com a opressão da natureza em volta de lugar tão isolado. A sensação é de que aquele presídio existe em outro “plano”, fora do mundo real.
Agradam-me muito as passagens do filme nas quais os generais expõem suas ideologias trôpegas, fincadas no moralismo mofado dos defensores da pátria e da família. Entretanto, quando o roteiro dá destaque aos personagens dos soldados que vigiam a prisão, o filme despenca em um drama novelesco, extremamente frágil. Absolutamente sem relevância narrativa, o filme apresenta um romance homoafetivo, às escondidas, entre dois guardas do local. Este elemento não contribui para proximidade ou identificação do espectador com o personagem Navarrete (Andrew Bargsted); não há desenvolvimento sobre a história e soa apenas como tentativa falha de criar suspense.
Ao pensar sobre a identificação entre público e personagens, percebo haver dissonâncias no elenco e, infelizmente, atuações que acabam por deixar a desejar (como a do já citado Andrew Bargsted). Atores mais veteranos, como Alejandro Trejo e Hugo Medina, executam com mais eficácia seus papéis, mas não há interpretações de encher os olhos, sequer cenas memoráveis. Talvez o grande momento do filme seja o flashback no qual Miguel Krassnoff (Bastián Bodenhöfer) rememora um encontro com Augusto Pinochet; o diretor Felipe Carmona tece uma bela sequência aos moldes cinema mudo, em preto e branco, costurando à aura cerimoniosa do relato a estética de um cinema que, obsoleto, não existe mais.
Caso verídico
A obra se baseia, livremente, no caso do cárcere especial de Punta Peuco, onde estão detidos – em condições superiores às das penitenciárias comuns do país – centenas de torturadores da ditadura de Pinochet. O filme traz personagens reais, como Manuel Contreras (braço direito de Pinochet e ex-chefe da DINA – Dirección de Inteligencia Nacional, a polícia secreta chilena) e Marcelo Moren Brito (ex-chefe de operações da DINA e do centro de torturas Villa Grimaldi).
Recordo da célebre frase de Salvador Allende: “não basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante todos”. Esta é a crítica da obra de Felipe Carmona sobre o tratamento dado pela Justiça aos ex-oficiais da ditadura chilena. Competente como documento histórico, a produção derrapa, infelizmente, em uma narrativa titubeante, usual para cineastas em primeiras incursões na direção de longas-metragens. Para um filme que se propõe instrumento de memória sobre o seu país, Prisão nos Andes se torna, paradoxalmente, uma obra esquecível.
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