planet hemp jardineiros capa
planet hemp jardineiros capa

Planet Hemp presente: o retorno de uma das bandas mais emblemáticas do Brasil prova o porquê desse título

Disco é o quarto do grupo e vem quebrando um jejum de 22 anos sem lançamentos

Planet Hemp presente: o retorno de uma das bandas mais emblemáticas do Brasil prova o porquê desse título
4

Planet Hemp
Jardineiros
Som Livre, 2022. Gênero: Rap, Pop

Não é unânime porém, é considerável que uma pausa na carreira possa fazer bem ao artista ou banda. Ao que parece, os 22 anos de hiato da Planet Hemp serviram para “arrumar a casa” e resgatar a essência do grupo. Jardineiros é o fruto deste retorno que assim como os três álbuns anteriores, dos 27 anos de existência, protesta, critica a proibição da maconha e valoriza a sonoridade urbana.

Usuário (1995), Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára (1997) e A Invasão do Sagaz Homem Fumaça (2000) antecedem uma discografia emblemática e marcante para a música brasileira, com o padrão de dar foco às pautas sociais. Da formação original permaneceram Marcelo D2, BNegão e Formigão junto aos “novatos” Pedro Garcia e Nobru. A primeira Planet Hemp contava também com Rafael Crespo, Bacalhau e Skunk. Este último, saudoso desde 1994, é homenageado em “O Ritmo e a Raiva” feat Black Alien. A faixa narra alguns acontecimentos do início do grupo e atos de censura aos seus álbuns, além de ser dedicada ao eterno integrante que veio a falecer vítima da AIDS. Essa daqui é pra você Skunk, Sua chama ainda tá viva, Você profetizou, 30 anos depois a galera ainda grita.

O novo disco contou com a produção de Nave, Mario Caldato e Zegon. As 15 faixas, entre prelúdios e singles deixam evidente a inspiração central no contexto político do Brasil e todas as mazelas advindas disso. “Distopia”, que abre o álbum, já 

concretiza a premissa. A guitarra revoltada combina com a letra que declara acreditar na força da canção e denuncia sobre um povo alienado, um culto da ignorância, a manipulação de líderes religiosos, um governo que faz o povo ter uma “fé cega”. Acompanhada de um clipe dinâmico, cheio de cenários (destaco BNegão gigante na casa de uma família conservadora) e cores, a parceria com Criolo é um “mostrar para o que veio” do disco.

Segue assim em “Taca Fogo”, que já começa com versos frenéticos de Marcelo D2, criticando os que ele mesmo chama de “malditos minions”, ou o famigerado gado. A canção chama para o protesto e está numa atmosfera mais rap, com transições entre os beats eletrônicos e a pegada roqueira. 

O disco dá lugar também à reflexão, como em “Meu Barrio” feat com o argentino Trueno, que traz uma troca de realidades periféricas, na mescla do rock com o funk e do português e o espanhol na letra. Já “Eles Sentem Também” ergue um discurso sobre equidade dos sofrimentos. Aqui a banda surge numa sonoridade mais gingada (guitarra bem responsável) e dançante.

Faixas que reivindicam e falam sem censura sobre a legalização e contra a proibição da maconha, assim como o uso extra medicinal da planta sempre fizeram parte do repertório da banda. Em Jardineiros, a abordagem permanece sendo destaque na experimentação de sonoridades. A exemplo de “Ainda” feat Tropkillaz, que flui num Hiphop dance, freestyle dos anos 1990 e “Onda Forte”, que traz um sample de MC Carol junto a um instrumental clean, estilo trilhas brancas. Apostando no sensorial, “Amnésia” e “Remedinho” incrementam elementos psicodélicos, como se a sensação alucinógena do eu lírico passasse para o ouvinte que recebe estímulos de vozes recortadas, sons em looping e vocais mais distantes.

“Puxa Fumo” reforça as críticas sobre a hipocrisia e os preconceitos em cima da planta, com um coro ilustre no refrão. Na mesma temática, a faixa homônima, dispara Veja quem lucra com a proibição e você vai descobrir que sustenta essa guerra e ainda, Mentes criminosas doutrinam mentes adormecidas para seguir demonizando a cannabis sativa. Ambas defendem o plantio, e a última ainda parece justificar o título do disco em trechos como Não compre, plante e Jardineiro não é traficante.

Jardineiros traz de volta, inclusive, aos palcos, uma banda incomparável. Abraçar de peito aberto as temáticas que podem ser consideradas apológicas ou baderneiras, reféns até das bordoadas de um conservadorismo e negrito no Brasil atual, prova um patamar que a Planet Hemp alcançou na música, no que diz respeito a fazer da música um instrumento de batalha mesmo. Um instrumento que grita, se posiciona, quebra tabus, é sincero e extremamente rico, tanto em musicalidade quanto em conteúdo. A conexão com temas da atualidade desde 1995 com Usuário tem o poder de transformar o grupo em atemporal, já que muitas das discussões são as mesmas, e precisam ser até que deixem de ser. Ainda que 22 anos tenham se passado sem lançamentos, a impressão é de que a Planet Hemp sempre esteve presente, e essa volta é “apenas” uma confirmação.