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Obra homenageia Josué de Castro e os 30 anos do movimento manguebeat. (Foto: Divulgação).

Ô Josué! Crônicas da Fome: quadrinho homenageia e resgata o legado de Josué de Castro

Gibi é uma produção do coletivo Feirantes de Quadrinhos em parceria com as quadrinistas Thaïs Kisuki e Lua

“Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça / Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça” foram os versos cantados por Chico Science na década de 1990, em nítida alusão ao conterrâneo Josué de Castro, cuja obra permanece até hoje referência nos estudos sobre a fome. Assim como fez o precursor do manguebeat há 30 anos através da música, um grupo de artistas se uniu para resgatar esse legado nos dias de hoje por meio da nona arte. O resultado é a HQ Ô Josué! Crônicas da Fome, lançada em outubro deste ano.

“Eu acho importante revisitar pessoas como Josué e o pensamento dele”, destaca o autor e organizador Bruno Alves à Revista O Grito!. “Falar de Josué de Castro hoje é reafirmar, é ficar atento para as questões políticas e econômicas que afetam tanto a vida da gente. Então, infelizmente, a gente tem que revisitá-lo para poder entender o que está acontecendo, para poder denunciar e abrir os olhos das pessoas que não estão por dentro dessa temática.”

O gibi é uma produção do coletivo Feirantes de Quadrinhos, grupo do qual Bruno faz parte ao lado dos quadrinistas Adriano dos Anjos, Eron Villar, Fábio Paiva, Luciano Félix e Marcos Santana. Também participam do álbum as quadrinistas Thaïs Kisuki e Lua. Mas, diferente do que se possa imaginar, não se trata de uma adaptação em quadrinhos dos textos do pernambucano, e sim uma coletânea de histórias que se inspiram na sua vida e obra.

“E o desafio foi, justamente, não fazer histórias muito densas”, conta Bruno. “Por isso essa ideia de fazer HQs inspiradas no que ele escreveu ou traçar um perfil biográfico. Então, são duas histórias mais biográficas e outras duas histórias ficcionais. Inclusive, uma com o pé no fantástico, que é ‘Corpo de Lama’, de Eron e Marco. Mas, mesmo na fantasia, eles estão falando de Josué e de questões que Josué tocou.”

“Para mim, foi muito instigante por conta da pesquisa que teve que ser feita”, aponta. Ao lado do quadrinista Luciano Félix, Bruno Alves assina “Entrelinhas”, narrativa documental que acompanha o sociólogo Arthur Viana em uma pequena cidade do interior de Pernambuco. Lá, o pesquisador conduz uma investigação nos dias de hoje sobre a volta da fome ao cenário brasileiro.

Também compõem o álbum “Amor e Pão“, de Thaïs Kisuki e Lua, inspirada no encontro do pernambucano com Jorge Amado, e “Deputado Josué“, de Fábio Paiva e Adriano dos Anjos, que aborda a trajetória dele enquanto deputado federal.

Ainda segundo o quadrinista, parte da tiragem será doada para bibliotecas e escolas públicas. O objetivo é contribuir para que o pensamento e o legado do geógrafo se expandam, sobretudo entre os mais jovens. “Chico Science despertou isso para mim e para a minha geração de dizer ‘quem é esse cara, vamos ler quem é’, mas isso faz muito tempo, então é sempre bom estar voltando com Josué de Castro”, relata ele, que acredita na força do quadrinho para abordar temas de relevância histórica e social de maneira lúdica.

“A linguagem dos quadrinhos permite que as pessoas entrem em contato com o autor que escreveu aquilo, que pensou aquilo. A partir daí, é uma porta de entrada. Então, quem ler Josué através dos quadrinhos vai ficar interessado em conhecer o trabalho dele. O romance, os livros, os textos, os discursos, a atuação dele como deputado, assim como escutar Chico Science fez com que muita gente fosse atrás.”

Autor do clássico Geografia da Fome, publicado em 1946, Josué de Castro foi responsável por denunciar a fome enquanto fenômeno coletivo. Em um tempo em que a discussão sobre o tema reduzia o problema a condições biológicas, o pernambucano desnaturalizou a fome e mostrou que suas origens estavam atreladas a fatores sociais e econômicos. Entre suas obras também estão títulos como Geopolítica da Fome, de 1973, e Homens e Caranguejos, de 1967, seu único romance.