O curta O faz-tudo, de Fábio Leal, foi exibido no primeiro dia do Janela Internacional de Cinema do Recife, no São Luiz, no último sábado (1/11). O trabalho fez sua estreia na capital pernambucana, terra-natal do cineasta, depois de receber o prêmio principal no Festival do Rio, no mês passado. Leal é um dos cineastas mais inventivos da atual safra contemporânea de realizadores – e isso ficou ainda mais claro com esse misto de videoclipe, documentário e videoarte que é também uma ode ao espírito debochado da pornochanchada brasileira.
O curta tem apenas cinco minutos e mostra a relação que se estabelece entre um morador de um apartamento (a versão ficcionalizada do diretor) que busca os serviços de um eletricista. Ao confundir uma frase solta do Faz-tudo como uma oferta de sexo, eles acabam chegando a um acordo para desfazer a tensão gerada pela confusão: filmar o rapaz nu enquanto toca sua música favorita.
Depois desse primeiro momento narrado em texto, o curta se inicia, agora como um videoclipe. É interessante a metalinguagem criada por Leal, que cria uma enorme expectativa na plateia em uma narrativa introdutória que exala uma tensão sexual enorme.
O eletricista (que também é marceneiro, vidraceiro, encanador e músico!) grava um clipe da música “Take a Toke”, do C+C Music Factory, parte da trilha da novela Quatro por Quatro, como o filme faz questão de lembrar. A estética videoclíptica busca a nostalgia da antiga MTV Brasil, incluindo o lettering com as informações da faixa no início do vídeo.
Mas o que o filme canaliza com eficiência é a eletricidade dos clipes antigos, que sempre foram certeiros em alinhar som e imagem para criar um efeito emotivo no espectador. Cortes rápidos, metáforas visuais ágeis, microsituações elencadas em uma sequência pensada para causar uma empolgação instantânea. Como uma legítima criança viada dos anos 1990, Fábio Leal consegue dominar essa estética como poucos.

Da pornochanchada, Fábio Leal canaliza a safadeza debochada que era marca registrada de filmes que abordavam situações cotidianas escondidas dos olhares conservadores de uma sociedade pudica. O curta revela esse humor escrachado em algumas cenas absurdas, como aquela em que o Faz-tudo tira notas do teclado usando o pênis.
A nudez do filme, inclusive, é um ponto forte da narrativa, usada de maneira criativa, com intenção artística, mas ciente do próprio desejo, mostrando que é possível retratar o nu masculino em tela sem vergonha, com coragem, sem esconder o tesão que isso provoca.
Fábio Leal já investigou o desejo em outros trabalhos, com destaque para o longa Seguindo Todos os Protocolos, um filme que ria do sexo pandêmico ao retratar as relações neuróticas que vivenciamos em um mundo que se viu isolado de repente. Este novo trabalho foi feito de maneira colaborativa a partir de uma residência artística na Casa Líquida em São Paulo. A vitória no Festival do Rio mostra que a inventividade estética do cinema LGBTQIA+ feito no Brasil hoje é algo para ser celebrado.
Cobertura Janela de Cinema 2025


