O Esquema Fenício
Wes Anderson
EUA/ING, 2025. 1h41. Suspense/Comédia. Distribuição: Universal Pictures
Com Benicio Del Toro, Mia Threapleton, Michael Cera
Um elemento dos bastidores torna O Esquema Fenício (2025) uma obra singular na carreira de Wes Anderson: é o primeiro longa live-action do cineasta sem a assinatura de Robert D. Yeoman na direção de fotografia. A ausência do habitual parceiro por trás das câmeras poderia indicar, talvez, uma alteração na rota estilística transitada por Anderson há tantos projetos? Ledo engano. O filme, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (29), repete os maneirismos estéticos do diretor: aquele apanhado de ornamentos narrativos já pouco criativos e nada inovadores.
Se A Crônica Francesa (2021) apresentou-se como ode ao jornalismo do século XX e Asteroid City (2023) presta clara homenagem à tradição teatral, a nova produção é uma espécie de tributo-paródia aos filmes de espionagem. Escrito a quatro mãos por Anderson e Roman Coppola, o roteiro acompanha o magnata Zsa-zsa Korda (Benicio del Toro), falcatrueiro megalomaníaco que vive a escapar de atentados contra sua vida. Prenunciando a iminente morte, decide designar a filha – única mulher em meio a nove rebentos homens – como a única herdeira do seu patrimônio: a jovem freira Liesl (Mia Threapleton), a contragosto, passa então a ajudar o pai a tornar realidade seu projeto de vida, o ambicioso e problemático “Korda Land and Sea Phoenician Infrasctructure Scheme”.

Sequência de abertura elegante, seguida de bonita cena em slow motion com os créditos iniciais; a perícia de Wes Anderson enquanto compositor de belos planos é inegável. Cada imagem é testemunho do controle de um diretor obcecado pela simetria, pela mise-en-scène. Mas nada disso é novidade, nem nos arrebata. Uma vez mais, o diretor insere passagens com a fotografia em preto e branco, sem estofo conceitual relevante o bastante que, ao menos, justifique a decisão. Soa como mero capricho visual. A cafonice do enredo até serve à comicidade, pontualmente afiada (neste quesito, o personagem de Michael Cera é, de longe, o principal destaque). Entretanto, ao decorrer da projeção, o roteiro manifesta suas vulnerabilidades e a história se debilita paulatinamente.
Para quem é familiarizado com a filmografia de Anderson, a sensação de déjà-vu permeia toda a obra. A grandiosidade do Palazzo Korda resgata à memória a suntuosidade arquitetônica de O Grande Hotel Budapeste (2014). Já ao assistir as tomadas em movimento lateral no deserto, durante o encontro do protagonista com o Príncipe Farouk (Riz Ahmed), a impressão é de estar revendo Asteroid City. A ideia de repetição é reforçada, inclusive, pela escolha do elenco: além dos já citados, o diretor trabalha novamente com Willem Dafoe, Bill Murray, Scarlett Johansson, Tom Hanks, Mathieu Almaric. Mas é a “novata” Mia Threapleton que chama atenção no longa. A jovem atriz – filha de Kate Winslet – exprime segurança dramática, timing cômico e cai como uma luva para o papel.
No mosaico pintalgado do cineasta, há o usual espaço para referências artísticas que, nesta obra em específico, pouco acrescem à experiência. O persistente crânio à mesa do magnata Korda remete, claramente, à cabeça de Yorick, elemento de Hamlet e símbolo da inevitabilidade da morte. Em paralelo, o conflito entre Korda e o irmão Nubar (Benedict Cumberbatch numa caracterização digna de novela da Record) contém traços da histórica rusga entre Caim e Abel. A obra me agrada mais quando se aproxima do nonsense – como as breves cenas de surpreendente violência gráfica – do que quando insiste em se alongar na redenção moral do pai ausente, agora companheiro da única filha mulher.
Atado aos elementos constituintes da sua estética cool de cores pastéis, Wes Anderson repete a receita e entrega mais um filme dogmático. Não dá para escapar ao diagnóstico: a inventividade de outrora se transfigurou em mesmice. Com O Esquema Fenício, o diretor norte-americano, aos 56 anos, atinge, me parece, um ponto de tensionamento delicado na carreira. A partir daqui, para onde conduzirá sua autoralidade? Continuará no exercício do eterno retorno ao próprio universo, desgastado e cada vez mais desinteressante? Torço para uma guinada a novas paisagens, estrada diversa, pois talento tem de sobra.
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