Marcelo Caetano e “Baby”: um retrato sensível da realidade e do desejo

Em entrevista para a Revista O Grito!, o cineasta compartilha seu processo criativo e a evolução de sua linguagem cinematográfica

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Foto: Divulgação.

Baby, novo longa-metragem de Marcelo Caetano, que estreou no último dia 9 de janeiro, conquistou destaque internacional ao ser exibido na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2024 e em diversos outros festivais. Na narrativa, acompanhamos Baby (João Pedro Mariano) e Ronaldo (Ricardo Teodoro), personagens que transitam entre a paixão, o conflito e o cotidiano marginal das ruas de São Paulo. O filme explora uma investigação estética e narrativa que busca compreender os limites entre a realidade e o desejo.

“Ele [o filme] parte de uma estrutura e de uma camada de realidade, de observação e entendimento dos personagens, nos espaços de proximidade da câmera com os corpos. É tudo o que vai dentro de um micro, de uma ideia de um olhar quase de lupa para esses personagens, um olhar quase de zoom na cidade”, explica Marcelo em entrevista à Revista O Grito!.

As questões que eram colocadas para os personagens iam muito em relação a algo mais abstrato, que era o desejo

Estética e narrativa como extensão da cidade

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Essa relação entre o real e o desejo não é apenas temática, mas também se traduz visualmente nas escolhas cinematográficas. Caetano destaca o uso das cores como uma ferramenta essencial para a narrativa. Segundo ele, a construção estética do filme é planejada para traduzir as emoções e a complexidade dos personagens.

“A gente tinha um desejo de trabalhar com uma cidade vibrante, com muitas cores. Então, nós escolhemos lugares da cidade onde essas cores fossem muito fortes, onde elas tivessem uma narrativa, onde contassem sobre esse espaço. E dentro de uma cidade que, se você tiver um olhar menos cuidadoso, pode parecer apenas cinza, uma cidade de uma arquitetura de concreto, de asfalto, com pouco verde, com pouca natureza. Então, é onde, nessa cidade, a gente consegue encontrar a cor para jogar esses personagens dentro desse universo cromático que me interessava.”

As cores expressam confusão das emoções, expressam a paixão, a identidade

Construção e evolução da linguagem

O caminho para a realização de Baby foi um processo de amadurecimento artístico. Marcelo relembra como seus trabalhos anteriores, como o longa Corpo Elétrico (2017), foram fundamentais para desenvolver a linguagem que atinge seu ápice em Baby. Ele destaca uma transição da improvisação para um controle mais definido da narrativa, sem abandonar a riqueza das emoções humanas.

“Boa parte de Corpo Elétrico trabalhava improvisação em cena, mas existem algumas cenas que já indicavam o caminho que eu seguiria no Baby. Então, por exemplo, tem uma cena onde os funcionários saem da fábrica para fazer uma festa, um longo plano sequência que deságua em uma festa. Essa cena, por exemplo, foi para mim o germe do Baby, do que seria essa coreografia, o que seria essa pesquisa em relação ao movimento. Essa linguagem no filme acompanha o tema, que é passar pelo centro de São Paulo, passar pela vida de alguém, passar por diferentes ambientes de trabalho, passar por diferentes famílias, núcleos de amizade.”

Preparação do elenco

Outro ponto fundamental no processo de criação do filme foi o trabalho com o elenco. Diferente de uma abordagem documental ou improvisada, Marcelo optou por um roteiro estruturado e cuidadosamente adaptado ao universo dos atores.

“Os atores estão extremamente vivos em cena, mas todos os diálogos colocados em cena são diálogos escritos por mim, então são roteirizados, não existia improvisação. O que existia era um trabalho de acomodação e de trabalho desse texto dentro do corpo dos atores, dentro daqueles personagens, e um exercício de repetição em cima dos diálogos e de ensaios nesses espaços, para que eles também ganhassem desenvoltura dos corpos na cidade.”

A participação ativa dos atores, no entanto, foi essencial para aprimorar a proposta do roteiro. “Era importante que naquele momento os atores pudessem colocar as questões deles em relação às vulnerabilidades. Eu pude contar com muita franqueza nas conversas com o João e o Ricardo. E uma coisa que sempre pedia para eles era: não julguem os personagens”, reforça Marcelo.

Um cinema que observa e questiona

A obra transcende o mero retrato social, criando um espaço para que a linguagem cinematográfica se torne, ela mesma, um veículo para o desejo e a transformação.

“O cinema que sempre me encantou foi o cinema que estava um pouco mais próximo do artifício da construção. Eu acho que o filme trata de questões muito importantes, tem uma profundidade política e até metafísica.”

O filme de Marcelo Caetano se insere em uma linhagem de produções que exploram narrativas urbanas, destacando as tensões e os afetos nas relações humanas, especialmente no contexto da população LGBTQIA+. Mais do que abordar temas sociais, Baby propõe uma reflexão sobre a construção cinematográfica, ao unir realidade e artifício de forma intencional e detalhada.

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