Lobisomem
Leigh Whannell
EUA, 2025. 1h42. Terror. Distribuição: Universal Pictures
Com Matilda Firth, Julia Garner, Christopher Abbott
“Meu trabalho é proteger você”. Pronunciada mais de uma vez pelo protagonista Blake Lovell (Christopher Abbott) à sua filha Ginger (Matilda Firth), a frase em questão sintetiza a essência deste Lobisomem (2025): a concepção arcaica, patriarcal, da figura masculina enquanto protetor do núcleo familiar. Se o roteiro, escrito a quatro mãos pelo diretor Leigh Whannell e por Corbett Tuck, almejou ressignificar os papéis de gênero historicamente idealizados para famílias heteronormativas, o fracasso foi colossal. O que testemunhamos, na prática, é uma narrativa hesitante, cinematograficamente pobre, que termina por endossar valores reacionários.
A introdução do filme, talvez o melhor momento de toda a obra, conduz o espectador ao ano de 1995. Após o desaparecimento de um trilheiro nas montanhas remotas do Oregon, surgem especulações de que ele havia contraído um vírus transmitido por animais, chamado pela comunidade local de “febre das colinas”. Os povos indígenas da região conheciam a condição por outro nome: ma’iingan odengwaan, ou “Rosto do Lobo”. Durante uma viagem de caça na área, o jovem Blake e seu severo pai Grady (Sam Jaeger) avistam a criatura misteriosa na floresta.
Trinta anos depois, Blake está casado com Charlotte (Julia Garner), mas a apatia do casal é palpável. Um dia, ele recebe a certidão de óbito do pai, que estava desaparecido e com quem ele havia cortado relações. É o pretexto necessário para a família retornar à casa de infância de Blake, naquela viagem de férias para salvar o relacionamento – “tire uns dias de folga, vai ser bom pra gente” – que já vimos zilhões de vezes em roteiros esquemáticos e preguiçosos. Já na chegada dos personagens ao local, Leigh Whannell compõem a problemática cena de uma acidente de carro. Mergulhada em neblina e pouca luz, a sequência é espacialmente confusa; o modo incógnito como o veículo despenca, a real altura na qual os personagens estão inseridos, quanta bagunça.
No universo da licantropia, onde o luar tem relevância dramática, a fotografia assinada por Stefan Duscio afugenta qualquer traço de criatividade autoral e narrativa. Semelhante ao que Nosferatu (2024) faz com seu protagonista (apesar de o filme de Robert Eggers ser incomparavelmente superior), Lobisomem atira-se à escuridão em cenas que atestam menos exercício de linguagem que inabilidade do realizador. Diretor por trás de produções competentes, como O Homem Invisível (2020) e Upgrade: Atualização (2018), Whannell aparenta ter perdido as rédeas deste seu último longa-metragem. Movimentos de câmera inócuos, somados à montagem de sequências esfareladas, transformam o filme em uma experiência insustentável.
Quando encontra algum recurso narrativo que lhe parece eficaz (por exemplo, o aguçamento dos sentidos e a capacidade de visão noturna do protagonista), o cineasta realça-o à exaustão e acaba por desidratar o elemento que, se utilizado apenas uma vez, teria mais força. Optando por um processo de transfiguração gradativo, mais realista, o diretor concebe a figura de um lobisomem enfermiço, longe do vigor animalesco da mitologia. O resultado é uma maquiagem meio-termo cujo aspecto me remete mais ao australophitecus do que a um canídeo feroz.
Sem adentrar o terreno dos spoilers, restrinjo-me a dizer que o filme reduz-se à psicanálise rasa dos traumas paternos, numa espiral de cenas tão previsíveis quanto azucrinantes. O trio de atores principais, Christopher Abbott, Julia Garner e Matilda Firth, tenta tirar leite de pedra a partir de um roteiro tão cafona. Mas pouquíssimo se salva nesta nova produção da Blumhouse, orçada em 25 milhões de dólares. Assim como o protagonista agoniza diante das transformações lancinantes em seu corpo, o espectador sofre na poltrona do cinema, durante penosos 107 minutos.
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