Diretor Leo Tabosa Still Alex Costa
O diretor pernambucano Leo Tabosa. (Foto: Alex Costa/Divulgação)

Leo Tabosa e os desafios de realizar um festival de cinema no Agreste

Leo Tabosa, diretor artístico do Cine Jardim, fala dos desafios para democratizar o acesso ao cinema brasileiro no interior do país

O pernambucano Leo Tabosa é cineasta – realizador de filmes premiados como Tubarão (2013) e Marie (2019), entre outros –   e diretor artístico de dois festivais de cinema em cidades do interior: a Mostra Curta Vazantes, no município de Vazantes, no Ceará, e o Cine Jardim – Festival Latino-Americano de Cinema de Belo Jardim, em Pernambuco.

A cidade de Belo Jardim desde os anos 1970 faz parte do cenário do audiovisual do estado graças aos irmãos Carlos e Cleto Mergulhão. O primeiro dirigiu o filme O Último Cangaceiro (1971) e Cleto, além de ator do filme do irmão, realizou filmes em Super 8 e dirigiu o longa-metragem O Palavrão (1976). Foi também o promotor da I Mostra de Filmes Super 8 de Belo Jardim, em 1973.

Remoinho
Cena de Remoinho, em competição no Cine Jardim. (Divulgação)

O Cine Jardim, que começa nesta segunda (22) e vai até o dia 27/05, está na sua sétima edição, com diversas mostras presenciais, mas quem não puder ir até Belo Jardim, poderá ver os filmes da mostra competitiva pela plataforma Cardume – cardume.tv.br

O Grito! conversou com Leo Tabosa e ele nos conta aqui sobre os desafios de realizar um evento cinematográfico fora de um grande centro.

O GRITO! – Por que realizar um festival de cinema em Belo Jardim?

Léo Tabosa – O instituto Conceição Moura conheceu o projeto da Mostra Curta Vazantes: Cinema em Comunidade, um projeto social que realizo no interior do Ceará, e a partir dessa experiência recebi um convite para fazer um festival de cinema em Belo Jardim.

Qual a importância dos festivais de cinema para cidades do interior?

É uma forma de democratizar o acesso ao cinema brasileiro no interior do país. Belo Jardim é uma cidade com menos de 80 mil habitantes e como outras centenas de cidades brasileiras não possui cinema. Passei minha adolescência na cidade de Caruaru, agreste setentrional, sem uma sala de cinema ou qualquer projeto de festival ou mostra de cinema. Fazer cinema para mim era algo muito distante da minha realidade e hoje vejo em Belo Jardins jovens, que participaram das primeiras oficinas de formação enveredarem pela cadeia produtiva do audiovisual. Por isso é muito importante a adoção de políticas públicas voltadas para a efetiva democratização e interiorização do cinema.

Além da mostra competitiva, o Cine Jardim organiza mostras paralelas. Como são organizadas essas mostras, quais os critérios de seleção dos temas de cada mostra e de escolha dos filmes que farão parte delas?

A Mostra Diversidade de Voos, em homenagem à atriz Roberta Gretchen Coppola com histórias sobre pessoas transgêneros, foi criada em 2021. A Mostra Revoada, discute memória, preservação e identidade cultural.  A Mostra Voo Livre, apresenta mulheres como protagonistas de suas próprias histórias. A Mostra Rotas de Migração, com abordagens variadas para o público jovem. Essa mostra acontece, ao ar livre, no Calçadão Cultural. A Mostra Passarinho, formada por filmes para a infância e reúne, em sua maioria, animações. É uma mostra dedicada aos alunos do ensino fundamental I das Escolas Públicas de Belo Jardim. E a Mostra Especial VouSer Acessibilidade, que traz filmes com acessibilidade comunicacional: audiodescrição, janela de libras e legendas descritivas. 

Leo Tabosa, Cine Jardim,
O filme Nem Todas As Manhas São Iguais, em exibição no Cine Jardim. (Divulgação).

Qual a média anual de filmes inscritos no Cine Jardim? É relevante a participação de filmes pernambucanos? Quais países latino-americanos se destacam?

As inscrições do Cine Jardim são realizadas através do site do festival e da plataforma Festhome. Recebemos em torno de 700 (setecentos) filmes com inscrições válidas, onde mais de 50% são filmes de países latino-americanos com destaque para a Argentina e o Chile. Pernambuco é o terceiro Estado com o maior número de filmes inscritos.

Nesses sete anos de festival, você observa mudanças do público belo-jardinense no sentido de um melhor entendimento do espetáculo cinematográfico?

Sim. A percepção desse entendimento se dá através da votação do Júri Popular nas sessões competitivas. São jovens e adultos votando no seu filme preferido. Nas primeiras edições do Cine Jardim o público assistia as sessões que abordavam filmes com temáticas LGBTQIAPN+ de forma desconfortável e, sempre recebíamos críticas negativas de alguns Professores e de expectadores mais conservadores. Nas últimas edições do Festival o Júri Jovem e o Voto Popular têm premiado filmes com essas temáticas além de filmes experimentais. Isso comprova que a arte é transformadora.

E as atividades de formação têm estimulado o interesse pela produção audiovisual na região?

As atividades de formação como a Oficina de Crítica de Cinema, que capacita os alunos para formarem o Júri Jovem do Festival, com a responsabilidade de eleger o melhor curta-metragem do Cine Jardim, tem esse papel fundamental de despertar o interesse dos participantes pelo cinema que é produzido no Brasil e na região. Outra ação importante que estimula o interesse dos jovens pela Sétima Arte e produção de filmes é o Concurso de Curtas-Metragens Cleto Mergulhão, que tem como objetivo premiar os três melhores curtas produzidos por jovens realizadores do agreste pernambucano.  

O diretor do filme O Palavrão (1976) Cleto Mergulhão, que fez de sua cidade, Belo Jardim, cenário de cinema, ficaria feliz em saber que, depois de 30 (trinta) anos de sua morte, há novos realizadores que encontraram sua paixão pelo cinema nas ações do Cine Jardim.   

LEONCIO
Cena de Leoncio, em competição. (Divulgação).

Quais as maiores dificuldades para realizar um evento como o Cine Jardim?

Não usaria a palavra dificuldades, mas desafios. Nosso maior desafio é conquistar o público que ainda fica dentro de casa refém da TV e dos streamers. Por isso desenvolvimentos ações, junto ao Instituto Conceição Moura, de exibições de filmes e oficinas básicas de formação no audiovisual ao longo do ano para conquistar esse público.

Você, além de organizador de festivais, é também realizador de curtas metragens. Como essa vivência pessoal como cineasta o auxilia na hora de montar um festival?

A minha vivência como realizador, participando dos festivais de cinema tem me auxiliado na programação das sessões do Cine Jardim. Como todo realizador gostamos que os nossos filmes sejam exibidos em sessões na qual os filmes dialoguem entre si. Isso me ajuda a pensar melhor na programação das sessões sempre com a preocupação de reunir os filmes cuja temática seja o fio condutor da narrativa dos curtas da sessão.

Destaco também o respeito com os realizadores que encaminharam seus trabalhos para a seleção do Festival, o cuidado com a projeção dos filmes, a importância de um debate mediado por um bom profissional e a troca de experiência com outros realizadores. São pontos importantes que todo realizador espera de um festival de cinema que trago para o Cine Jardim.         

Para você qual o momento mais marcante em todos esses anos de Cine Jardim?

O encantamento e o brilho no olhar das crianças, do ensino fundamental I, que participam das sessões da Mostra Passarinho. A maioria das crianças está tendo contato com a magia do cinema pela primeira vez. É algo que sempre me emociona e legitima a importância de levar o cinema para onde não há cinema.

VII Cine Jardim – Festival Latino-americano de Cinema de Belo Jardim

Data: de 22 a 27 de maio de 2023
Programação e atividades gratuitas
Mais informações e programação completa no site do festival