capa lr kae zahytata
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Kaê Guajajara retorna com ancestralidade e novas narrativas no disco Zahytata

Com teor combativo e confessional, faixas unem elementos da Música Popular Originária com hip hop, trap, pop e funk

Kaê Guajajara retorna com ancestralidade e novas narrativas no disco Zahytata
4.5

Kaê Guajajara
Zahytata
Independente, 2023. Gênero: pop, música popular originária

Em Kwarahy Tazy, primeiro disco completo da carreira, Kaê Guajajara levantou reflexões sobre o cenário hostil de pessoas indígenas vivendo nas favelas e em terras roubadas, deflagrando as trajetórias brutais que levam os povos originários a enfrentar investidas constantes de apagamento. É verdade que a importante luta pela sobrevivência permanece pautando sua produção musical. No mesmo nível de relevância, em Zahytata, seu novo disco, a artista consegue somar novas narrativas, que vão além do cenário de sobrevivência condicionado a povos indígenas. É sobre futuro, sobre força ancestral e bem estar.

Ativista da Música Popular Originária (MPO), Kaê evoca a ancestralidade em ritmo e conceitos. Zahytata, que vem do zeeg’ete, língua do povo Guajajara e significa estrela, intitula um álbum que resgata sons tradicionais da musicalidade indígena com beats do hip hop, trap, elementos do pop e da música eletrônica. As faixas, todas compostas por Kaê alternam a interpretação em português e sua língua nativa.

Segundo a artista, o disco é “um chamado para o despertar” e “um convite para viver no aqui e agora”. Pautada nisso, a sequência de faixas se abre com uma introdução que destaca a voz de Kaê, e em meio a suspiros e um toque intimista declara: “Enquanto a terra tudo dá, eu sobrevivo a cada amanhecer”.

O prelúdio dá lugar a “Ka’e Hu”, onde o eu-lírico rememora a vivência como uma guerreira conectada com tudo, nutrida pelas lições de seus ancestrais, quem enfrenta a situação atual de lixo acumulando, de falta dos direitos. Seguindo o mesmo ensejo, “Guerreira” defende a manutenção da essência, evocando o desejo do além de sobreviver.

Kaê Guajajara
Kaê Guajajara é expoente da chamada Música Popular Originária. (Foto: Daniela Dacoso/Divulgação.)

A canção é um destaque, numa mescla diversa com sons de flauta se relacionando com beats do trap e a batida funk. Na mesma, Kaê Guajajara questiona se haverá coragem para caminhar sem precisar se moldar para isso. O questionamento segue também em “Raízes Gigantes”, onde o eu-lírico assume ter tentado se encaixar nos moldes. As raízes gigantes mencionadas significam essa retomada de consciência da ancestralidade e da cultura indígena diante de uma sociedade ainda colonizada.

Faixas como a homônima e “Zawaruhu” conscientizam sobre um futuro que se faz no agora, chamando para a mudança de pensamento e atitude no presente. No repertório tem discursos combativos como em “Mais Forte”, que declara “o que não me matou me deixou mais forte”, reafirma as origens indígenas a sociedade “cobriu de asfalto cheio de sangue” e denuncia a ganância do dinheiro.

Zahytata ainda abre espaço para a abordagem da afetividade, realidade distanciada de povos indígenas geralmente associados pela supremacia branca a um contexto de violência e sub-humanidade. A abordagem está em “Nadar no Fogo”, que através de metáforas com elementos da natureza, canta de um amor perigoso e sobre ter que reflorestar o jeito de amar. Ou em “Debaixo D’água”, onde o eu-lírico quer se jogar nesse mar do afeto, mas se afoga. “Supernova” e “Hipnotizado” também flertam com a temática da sensualidade e das relações afetivas.

Além de ser um trunfo por explorar novas narrativas da vivência indígena, Zahytata destaca também o produto vocal de Kaê Guajajara. Uma voz médio aguda, com personalidade e peso, afiada em técnicas muito próprias dos povos originários no que diz respeito ao canto, as apogiaturas e desenhos dos falsetes e melismas. 

Como uma continuidade do primeiro disco, este novo serve como o “segundo capítulo” da carreira de Kaê Guajajara, já que ela estabelece esse processo num sentido autobiográfico. É contando sobre sua vida e se experimentando musicalmente, que a artista cresce como, além de forte nome da Música Popular Originária, expoente no cenário pop nacional.

Ouça Kaê Guajajara – Zahytata

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