Hugh Grant in Heretic A24

“Herege”: com boa premissa, novo suspense da A24 se perde em soluções inconvincentes

Hugh Grant encarna vilão metódico que atormenta jovens religiosas

“Herege”: com boa premissa, novo suspense da A24 se perde em soluções inconvincentes
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Herege
Scott Beck e Bryan Woods
EUA, 2024, 1h50. Terror. Distribuição: Diamond
Com Hugh Grant, Chloe East, Sophie Thatcher


Pode-se examinar Herege (2024), em síntese, como um tratado sobre o ateísmo. A partir da retórica quase docente do protagonista, o novo filme da A24 levanta questões interessantes – até certo ponto – sobre a construção histórica das religiões enquanto instituições de controle social. Mas há algo de pueril na obra dirigida por Scott Beck e Bryan Woods; a impressão é a de ouvir o discurso exaltado daquele parente adolescente que, após pesquisas no Google, descobriu coincidências narrativas na vida de Jesus, Hórus e Shiva – e se acha muito inteligente por isso. 

Neste mansplaining de 1 hora e 50 minutos, acompanhamos o personagem Mr. Reed (Hugh Grant) interpelar as duas jovens missionárias que visitaram-lhe na tentativa de o converter à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Uma vez na casa do homem a quem, inocentemente, tinham a intenção de doutrinar, as irmãs Barnes (Sophie Thatcher) e Paxton (Chloe East) logo se apercebem enclausuradas em um tenso jogo psicológico que põe em cheque suas convicções e, mais profundamente, sua fé.  

Comecemos pelos pontos positivos: quase que inteiramente filmada em locação única (a casa do protagonista), a produção é assertiva ao compor, paulatinamente, sua atmosfera labiríntica de suspense. Caprichando nos planos-detalhe dos rostos e das expressões dos atores, os diretores enaltecem a sensação de claustrofobia e sufocamento. Mais conhecido pelos papéis em comédias românticas, Hugh Grant entrega uma performance impecável ao construir sutis malignidades no comportamento do Mr. Reed, desde olhares até as diferentes maneiras de sorrir. A retórica assoberbada do personagem funciona, em certa medida,  graças à competência do ator britânico em imprimir ao texto carisma e veracidade. 

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O trio de personagens de Herege: recursos narrativos burocráticos demais. Foto: Divulgação/A24.

Apesar de momentos mais inspirados (como a metáfora, no mínimo curiosa, sobre religiões e fast food), o roteiro da dupla Beck e Woods escala para determinadas soluções que colapsam a premissa bem construída no primeiro ato. Evitarei detalhar certas passagens do filme, para não estragar a experiência de quem ainda não assistiu, mas alguns recursos narrativos me parecem demasiadamente burocráticos e, por vezes, inconvincentes. Flashbacks para explicar como as personagens chegaram a determinadas conclusões é o atestado da incapacidade de fluidez do enredo. 

Outro grande incômodo é o modo excessivamente didático da câmera: a maneira como ela foca em determinados objetos que serão importantes à narrativa (as bicicletas estacionadas, a madeira lascada com três pregos). Assim como o protagonista é o que poderíamos, informalmente, chamar de “palestrinha” , a direção de Scott Beck e Bryan Woods é desnecessariamente pedagoga. Comercializado como terror, Herege pouco oferece aos fãs do gênero: há algumas cenas mais gráficas e interessantes, na parte final do filme, mas nada que aproxime o filme de obras marcantes da própria A24, como Hereditário (2018) e X – A Marca da Morte (2022)

Em uma história de subjugação na qual um homem agride, intelectual e fisicamente, duas jovens, a insistência de Herege em fazer gracejos de cunho sexual também me afasta do filme. Desde a primeira cena, que enfoca numa discussão sobre tamanho peniano, até a piada/frase de efeito “roupa íntima mágica”, o mau gosto é perceptível e reforça a percepção de ser um filme problemático, feito por dois homens.

Mesmo que a intenção seja a de propor uma crítica à sexualidade reprimida das pessoas religiosas, o filme faz de maneira leviana, sem aprofundamento. Intrigante ao ponto de prender a atenção do espectador, Herege é uma obra com potencial inconteste. A enérgica atuação de Hugh Grant ajuda o filme a elevar-se de nível em relação à média, mas não é suficiente para redimir o roteiro remendado de fórmulas aborrecidas. Do modo pelo qual é conduzido, o filme nos leva a aguardar um clímax extasiante ou, no mínimo, surpreendente. Entretanto, os minutos finais são tão decepcionantes que, ao subir dos créditos, o sentimento imperante é o de frustração.

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