“Garra de Ferro” é um tratado melancólico sobre uma família lidando com a morte

Estrelada por Zac Efron, longa da A24 reconta a história dos irmãos Von Erich, famosos tanto pelos feitos na Luta Livre quanto pelas tragédias

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Longa trata da história real do clã Von Fritz. (Foto: Divulgação/California Filmes. )
“Garra de Ferro” é um tratado melancólico sobre uma família lidando com a morte
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Garra de Ferro
Sean Durkin
EUA, 2023. 2h12. Gênero: Drama. Distribuição: California Filmes
Com Zac Efron, Jeremy Allen White, Harris Dickinson e Holt McCallany


A família Von Erich entrou para a história nos anos 1980 como um dos maiores e mais importantes clãs da luta livre, espetáculo midiático que fica no limiar da ficção e o esporte. Mas também ficaram conhecidos por sua impressionante história repleta de tragédias, mortes e uma decadência midiatizada como nunca vista até então.

[Esta resenha vai omitir todos os fatos chocantes que tornam a experiência de assistir ao longa impactante. Por isso, se você ainda não conhece a história dos Von Erich, não invente de buscar no Google detalhes sobre eles e deixe-se surpreender pelo que é mostrado em tela.]

A dinastia dos Von Erich teve início nos anos 1980 com Fritz (Holt McCallany), o patriarca gélido e obcecado que passa a incutir nos seus quatro filhos (cinco na vida real) tanto o amor pela luta quanto a ideia de que a resolução dos problemas passa pela resiliência e força bruta. “Meu pai me ensinou que se eu for o mais forte, o mais durão, nada de ruim acontecerá comigo”, lembra Kevin Von Erich, personagem de Zac Efron, o mais velho e um dos mais dedicados da prole. Fazem parte ainda dessa dinastia o atleta olímpico frustrado interpretado por Jeremy Allen White (The Bear, aqui em seu primeiro papel de destaque no cinema), o obstinado David (Harris Dickinson, de O Triângulo da Tristeza) e Mike (Stanley Simons), o único que não mostra interesse nenhuma pela luta e possui uma alma de artista, nutrindo o sonho de ser músico.

Criados em um ambiente tóxico e orbitando na influência de seu pai opressor, os quatro irmãos irão formar uma ligação muito forte de companheirismo e cumplicidade. Esse amor, no entanto, nunca conseguirá superar a violência e os traumas que são impostos por Fritz em sua obsessão de fazer um dos seus filhos um campeão mundial de luta livre. Treinos exaustivos, pressões emocionais e até a alienação com a própria mãe, Doris, interpretada pela ótima Maura Tierney, tornarão esses lutadores pessoas social e emocionalmente inseguras, dedicadas a agradar desesperadamente ao pai. Eles ainda terão que lidar com uma suposta maldição familiar, colocada sobre a família após a morte, ainda criança, do primogênito dos Von Erich.

Garra de Ferro.
Harris Dickinson em cena de Garra de Ferro. (Divulgação)

O diretor Sean Durkin (de O Refúgio) constrói a narrativa a partir dos bastidores dessa família que foi do triunfo à tragédia nos anos 1980. Ele utiliza o universo da luta livre mais como um pano de fundo do que, necessariamente, um componente relevante para a história. O objetivo aqui é tratar de temas como a obsessão pela vitória e a ideia de que alguma espécie de imortalidade possa ser alcançada pela glória, pelo triunfo. Trata também da relação entre os irmãos em meio ao trauma, aos abusos psicológicos e às tragédias nessa família desconjuntada.

O longa também discute o conceito da masculinidade enquanto um fardo e uma agonia, utilizada como um negócio lucrativo, a despeito do dano mental causado. No mundo masculinista do patriarca Fritz, não há nenhum espaço para qualquer nuance que saia do script do homem viril.

Zac Efron foi o grande chamariz para esse longa desde que as primeiras informações começaram a circular e, de fato, ele entrega aqui a sua melhor interpretação já vista. Conhecido como o galã juvenil de High School Musical, Efron agora aparece hiperatrofiado, musculoso, quase irreconhecível para quem não o acompanhava há alguns anos. No papel de filho dedicado que tenta corresponder aos anseios do pai, ele vai lentamente tentando sair dessa sombra paterna ao se relacionar com Pam (Lily James, também muito boa).

À medida que os acontecimentos trágicos vão aparecendo em cascata e que, ao final, vão desintegrar a família Von Erich por completo, Garra de Ferro vai ganhando contornos cada vez mais melancólicos até se tornar um dos mais tristes filmes já lançados recentemente. Em alguns momentos, Durkin abraça o melodrama sem culpa, mas a narrativa nunca cai na pieguice. Dito isso, não é um filme sutil.

O filme perde força apenas quando deixa de olhar a família como um todo para focar no embate de Kevin, personagem de Zac Efron, com o seu pai, dando a ele contornos quase heroicos. Isso acaba tirando a força das cenas de camaradagem entre os irmãos e de como a força conjunta deles era a única que tinham contra um ambiente tão pernicioso.

Garra de Ferro é um filme que ganha força pelo impacto de sua história, mas também por conseguir lidar com temas complexos sem abrir mão das emoções exacerbadas e do poder que elas ainda provocam no cinema.

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