Criaturas da Mente
Marcelo Gomes
BRA, 2025. Documentário. Bretz Filmes
Um cineasta que não consegue sonhar. Durante a pandemia, Marcelo Gomes percebeu que, ao dormir, não mais sonhava. Ou, ao menos, de nada lembrava. A partir desta premissa, o diretor pernambucano embrenhou-se nas leituras sobre sono e sobre as imagens projetadas na mente durante o repouso do corpo; conheceu, então, o trabalho do neurocientista Sidarta Ribeiro e decidiu ir encontrá-lo no Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Assim se iniciaram os rascunhos de Criaturas da Mente (2024), documentário que mergulha no estofo conceitual das pesquisas empreendidas por Ribeiro.
Natural de Brasília, o professor e pesquisador é uma das figuras mais ilustres da ciência brasileira contemporânea. Autor dos livros O oráculo da noite: A história e a ciência do sonho (2019) e Sonho Manifesto (2023), ambos publicados pela Companhia das Letras, Sidarta Ribeiro propõe reflexões teóricas sobre a importância do sono e do sonho para a humanidade. Coadunado aos saberes ancestrais dos povos indígenas, o neurocientista traz o sonho como elemento central para repensarmos modos de vida numa sociedade cada dia mais adoecida. O documentário de Marcelo Gomes se designa a elaborar, didaticamente, uma introdução da atuação de Ribeiro nos últimos anos.
Neste objetivo quase instrucional, o longa-metragem funciona ao sintetizar os princípios teóricos básicos do pesquisador. Colocando-se em primeira pessoa, o diretor Marcelo Gomes se utiliza da narração em off como fio condutor do documentário. Se por um lado é interessante vê-lo despido de autoridade, quase como um estudante notadamente curioso com o objeto (Sidarta) que decidiu investigar na sua pesquisa (documentário), o cineasta não consegue dar fluidez ao texto subjetivo das suas impressões ao longo do filme. A sensação de constante leitura da narração faz com que a experiência perca naturalidade e ritmo.

Acertadamente, o cineasta recorre a outras vozes – ainda que consoantes à de Sidarta – importantíssimas para as reflexões propostas pelo filme. São excelentes as entrevistas feitas com Mãe Beth de Oxum e Ailton Krenak. Mas ainda assim, incomoda-me certa decisão de a montagem que alonga determinados depoimentos, tornando outros excessivamente picotados. Ao questionar Krenak sobre a ayahuasca e outras plantas da medicina da floresta, o resultado é uma cena pouco desenvolvida (para o que a temática pedia) e o filme logo muda de cenário para – ainda sobre ayahuasca – ouvir a opinião científica de Dráulio Araújo, neurocientista companheiro de Sidarta no Instituto do Cérebro.
Para um filme cuja medula é o onírico, Criaturas da Mente possui uma estrutura bastante convencional. Mesmo as interessantes animações de Diego Akel são despejadas na tela meio aleatoriamente, com pouco elo à centralidade narrativa. Há dois momentos-chave do filme sobre experiências com substâncias psicoativas – tanto de Sidarta quanto do próprio Marcelo Gomes – que valem ser ressaltados: enquanto a experiência de Sidarta é extremamente intrigante, pois vemos a reação do pesquisador na frente da câmera, as considerações de Gomes sobre sua primeira experiência com ayahuasca são frias, anticlimáticas para uma obra que passa tanto tempo discutindo as potencialidades da planta como instrumento de cura.
Relevante como registro de um dos grandes pensadores brasileiros da atualidade, Criaturas da Mente é melhor quando se abre à alteridade e, na escuta ativa, acolhe saberes grandiosos. Nos momentos nos quais adota o discurso autorreferente do próprio diretor, o filme se apequena em uma viagem que poderia ser transcendental, mas se mantém nas amarras da subjetividade do Eu.
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