Conclave
Foto: Divulgação.

“Conclave” é utópica visão sobre a Igreja Católica em bom suspense de Edward Berger 

Baseado em livro homônimo, filme tem plot twist que exige muita fé - ou inocência - para considerá-lo crível

“Conclave” é utópica visão sobre a Igreja Católica em bom suspense de Edward Berger 
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Conclave
Edward Berger
EUA, 2024. 2h. Drama/Suspense. Distribuição: Imovision
Com Ralph Fiennes, Isabella Rosselini e Stanley Tucci


Indicado ao Oscar 2025 em oito categorias, incluindo Melhor Filme, Conclave (2024) é um suspense protocolar: ótimas atuações, trilha sonora eficiente, reviravoltas no roteiro e um final que, no mínimo, suscita discussões. Aqui não há inventividade artística ou busca por uma linguagem cinematográfica de vanguarda; o diretor Edward Berger bebe de fontes seguras e conhecidas para conceber seu thriller religioso. Doses de Sidney Lumet, servidas com ingredientes bem experimentados por  Costa-Gavras e Roman Polanski. Estas notáveis referências não querem dizer, entretanto, que o cineasta alemão produziu uma obra-prima.

Fundamental entender que o filme é baseado no best seller homônimo de Robert Harris, publicado em 2016. O autor britânico ficcionaliza o enigmático processo de eleição de um novo papa, após o falecimento do último Santo Padre. Restritos à Casa Santa Marta, no Vaticano, para evitar qualquer influência externa, cardeais de todos os cantos do mundo devem decidir o nome daquele que irá liderar os cerca de 1,4 bilhão de católicos no planeta.

O texto de Harris se avizinha dos aspectos literários encontrados nos romances de Dan Brown, escritor conhecido primordialmente por O Código da Vinci e Anjos e Demônios, livros também adaptados para o cinema. Meu entrave com tais obras reside talvez na evidente sensação de embuste destas narrativas; utilizam-se do potencial polêmico de temas como religião para criar, com detalhes fidedignos à realidade, histórias hipotéticas que vendem milhões de exemplares.

A direção de Berger é eficiente na execução de sua premissa básica: consolidar o vórtice de tensão permanente que acomete os personagens. Cineasta hábil na composição cuidadosa dos planos (até aqueles aparentemente banais), o realizador acerta também nas decisões sonoras da produção. Desde os primeiros momentos, a respiração ofegante do decano Lawrence (Ralph Fiennes) é audível e torna-se, durante todo o longa, elemento que favorece a imersão do espectador ao sentimento de intensa aflição do protagonista.

Excelente como o religioso em conflito com a própria fé, mas fiel ao ideal de viver a serviço do povo, Fiennes comprova mais uma vez a sua estatura dramática (principalmente quando atua em silêncio, através de minudências gestuais admiráveis). 

O magma sonoro instituído por Volker Bertelsmann – que retoma a parceria com Edward Berger, após assinar a trilha vencedora do Oscar de Nada de Novo no Front (2022) – é mais um ponto de destaque do filme. As tonalidades dos instrumentos de corda servem à premência da situação, tencionando adequadamente os momentos mais enfáticos da trama. Assim como a música, a fotografia de Stéphane Fontaine enaltece a tessitura sufocante das circunstâncias vivenciadas pelos cardeais. A decisão de direcionar os pontos de luz às paredes – relegando os personagens à sombra – é uma escolha narrativamente apropriada. 

Como qualidade estética não salva filme, Conclave se fragiliza, paulatinamente, à medida que o roteiro insufla acontecimentos esquemáticos, a partir de diálogos tão desnaturais. A violação do quarto do papa morto, a discussão com a freira (interpretada por Isabella Rossellini, indicada ao Oscar) e suas consequências, o suposto caos social com ataques terroristas e até o simbolismo forçado de parte da capela explodindo; resoluções narrativas que me distanciam do cerne realista do filme. A noção da altipotente igreja católica como uma rinha entre progressistas e conservadores é engraçada; na ânsia pela perpetuação de seu poder no mundo, a escolha do papa seria regida por valores como diversidade e justiça social? Difícil de engolir. 

E então, o derrisório plot twist final. Ainda que faça sentido ao modo como o filme valoriza questões de gênero, o desfecho de Conclave me parece tão crível quanto uma mulher ser criada a partir da costela de um homem. Ingenuamente utópico, o fato inverossímil pode ser defendido para quem o considerar apenas uma metáfora a favor dos novos tempos. Incomodaria-me menos se o filme, abraçando explicitamente a ficção, se despisse de qualquer pretensão realística. Não é o caso. Atado aos acontecimentos descritos no material de origem, o filme de Edward Berger é interessante enquanto thriller, mas jamais se desvencilha da trivialidade comum às obras medianas.

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